Do Correio do Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao retomar nesta quarta-feira o
processo de cálculo de penas dos 25 réus condenados por envolvimento no
mensalão, interrompido no dia 25 de outubro, em meio a novo impasse
entre ministros sobre o método de cálculo das punições, está diante de
uma nova realidade quanto ao réu Marcos Valério. Valério foi
condenado a mais de 40 anos de prisão, mas a pena poderá ser revista,
como sinalizaram alguns ministros, caso ele resolva delatar mais
detalhes sobre o escândalo apelidado de ‘mensalão’.
As sessões previstas para semana passada foram suspensas devido a
viagem para tratamento de saúde do relator da ação penal, ministro
Joaquim Barbosa, que tem um problema crônico no quadril. Os ministros
deverão finalizar a definição da pena de Ramon Hollerbach, ex-sócio do
publicitário Marcos Valério, apontado como principal operador do esquema
de compra de apoio parlamentar ao primeiro mandato do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Depois, deverão analisar as condenações aos
demais integrantes do chamado núcleo publicitário.
A Corte retoma a análise do caso com dúvidas sobre a participação do
presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, até o fim do processo, já
que ele se aposentará compulsoriamente ao completar 70 anos, em 18 de
novembro. Há ainda um pedido de cautelar da Procuradoria-Geral da
República, a ser analisado pelo STF, que propõe a entrega voluntária dos
passaportes dos 25 réus condenados.
“Mensalão tucano”
Valério, que deu início à prática de captação e lavagem de dinheiro
público em Minas Gerais, onde foi desviada soma ainda não inteiramente
apurada dos cofres do governo do Estado para irrigar a campanha do então
candidato tucano ao Palácio Tiradentes, Eduardo Azeredo, estaria pronto
a falar tudo o que sabe e que fez, para se livrar de uma pena mais dura
no STF. Para se defender de uma espécie de confissão publicada na
revista semanal de ultradireita Veja, Valério, por intermédio
de seu advogado, disse ao jornalista e blogueiro Luis Nassif, nesta
quarta-feira, que o vazamento de seu depoimento à PGR, tanto na Veja quanto no diário conservador paulistano O Estado de S. Paulo, ocorreu de forma “seletiva, parcial e ilícita”, mas não revela suas suspeitas sobre quem vazou o teor dos documentos.
Os documentos enviados por Valério em julho de 2005 “foram essenciais
para as investigações da AP 470″, afirmou Nassif. “Tudo isto
possibilitou as investigações da Polícia Federal e viabilizou a denúncia
do Procurador Geral da República que, apesar do exagero dos 40
acusados, não foi além dos nomes e dados fornecidos naquela atitude de
colaboração com a Justiça, o que assegura direito à redução de pena. Não
há nada de novo sobre este assunto, até porque a instrução na AP 470
está encerrada faz tempo”, alegou o advogado, em sua resposta ao
jornalista.
O chamado “mensalão tucano” ou “mensalão mineiro”, como também é
conhecido, segundo Nassif, está em fase “bem mais adiantada do que se
imagina”. O advogado o informou que o ex-Procurador Geral da República,
Antonio Fernando, “ao oferecer denúncia no caso chamado de ‘mensalão
mineiro’ contra Eduardo Azeredo (hoje deputado federal), Clésio Andrade
(hoje Senador) e outras 14 pessoas, deixou de propor ação penal contra
os deputados e ex-deputados que receberam os valores, porque entendeu,
expressamente, que o fato seria apenas crime eleitoral (artigo 350 do
Código Eleitoral – “caixa dois de campanha”), que já estava prescrito.
Este entendimento não foi adotado no oferecimento da denúncia e no
julgamento da AP 470?.
Segundo escreveu Nassif em seu blog, “na defesa que fez de
Marcos Valério, no julgamento do ‘mensalão’, o advogado mineiro Marcelo
Leonardo demonstrou enorme competência. Não abusou da retórica, tão a
grado dos advogados e magistrados. Foi objetivo ao descrever as
acusações e ao rebater o mérito. Escrevi na época que me pareceu o mais
brilhante dos advogados que atuaram no processo. Ser bem sucedido ou não
na defesa não depende apenas do advogado, mas do próprio estado de
espírito dos julgadores. Agora, dá seu lance mais ousado, ao orientar um
cliente desorientado a adotar uma linha de defesa de alto risco”.
- Diriam os operadores de direito que é papel do advogado recorrer a
todos os instrumentos em defesa do seu cliente. Digo eu: é possível que
Leonardo esteja colocando em risco até a vida do seu cliente para
defender outros possíveis clientes mineiros. A lógica é simples:
- 1. Há dois processos envolvendo Marcos Valério: o mensalão
petista, que está no fim; e o mensalão mineiro, que está no começo.
Valério já contou tudo o que podia sobre o mensalão petista e tem tudo a
contar sobre o mensalão mineiro. Qualquer pedido de delação premiada,
portanto, deveria ser em relação ao mensalão mineiro, que não foi
julgado.
- 2. Qual a explicação para um advogado experiente, como Leonardo,
solicitar a delação premiada e, mais, a proteção da vida do seu cliente,
em cima de um depoimento fantasioso, referente ao processo que já está
no fim? Qual a lógica de insistir em uma estratégia na qual
aparentemente seu cliente tem muito pouco a ganhar, em termos de redução
de pena; e deixa de lado a outra, na qual seu cliente poderá sofrer
novas condenações, com agravantes?
- 3. Em Belo Horizonte, há mortes que se tentam relacionar com o
“mensalão mineiro”. Há uma modelo que foi assassinada e um advogado que
diz ter sido vítima de atentado. Pode ser verdade, pode ser algo tão
fantasioso quanto as versões criadas em torno da morte de Celso Daniel.
De qualquer modo, durante algum tempo, Marcos Valério mostrou uma
preocupação genuína ao enfatizar que jamais delataria alguém. Para quem
ele falava? Para os réus do mensalão petista ou do mensalão mineiro?
- 4. Agora, analise a seguinte hipótese: uma peça relevante na
montagem do esquema Valério em Minas, alguém que sinta-se ameaçado por
futuras delações de Valério sobre o mensalão mineiro, que já tenha sido
indiciado ou que ainda não tenha aparecido nas investigações. Tem-se uma
ameaça potencial – Marcos Valério -, que já se diz ameaçado e lança as
suspeitas de ameaça sobre o lado petista. Qualquer atentado que sofra
será debitado automaticamente ao lado petista. Não é prato cheio?
- 5. É apenas uma hipótese que estou formulando, mas perfeitamente
factível. Ao tornar público o pedido de proteção a Valério, insinuando
que sua vida está em risco, e ao direcionar as suspeitas para o caso
Celso Daniel, Marcelo Leonardo expõe seu cliente a possíveis atentados.
- 6. Aguardo uma explicação de Marcelo Leonardo, pelo respeito que dedico, até agora, à sua competência de advogado.
A resposta
Diante dos questionamentos, o advogado de Valério enviou a seguinte mensagem:
Prezado Luis Nassif,
Em primeiro lugar agradeço as referências elogiosas feitas ao meu trabalho profissional. Fiquei lisonjeado.
Sobre matérias veiculadas pela revista Veja e pelo jornal
Estadão, contendo referências a suposto pedido de delação premiada,
suposto pedido de proteção pessoal e suposto depoimento de Marcos
Valério em setembro do corrente ano, não tenho nada a declarar, uma vez
que tenho por hábito cumprir meus deveres ético-profissionais. Se alguém
“vazou” de forma seletiva, parcial e ilicitamente alguma providência
jurídico-processual que está sujeita a sigilo, eu não tenho
absolutamente nada a dizer, a confirmar ou não confirmar. Obviamente,
não tornei público nada sobre este tema sobre o qual não falei a nenhum
veículo de comunicação.
Quanto a AP 470 o processo já se encontra em fase final de
julgamento. A defesa de Marcos Valério desde suas alegações finais
escritas, apresentadas em setembro do ano passado, vem pleiteando a
redução de suas penas, em caso de condenação, pela sua condição de “réu
colaborador”, em face das atitudes tomadas pelo mesmo desde as suas
primeiras declarações ao Ministério Público, em julho de 2005, em
virtude de haver fornecido, voluntariamente a lista com nomes e valores
de todos os beneficiários dos repasses feitos a pedido de partido
político para integrantes da base aliada e fornecedores da campanha
eleitoral de 2002, acompanhada dos respectivos documentos e recibos, bem
como, na mesma época, ter fornecido as informações e dados sobre os
empréstimos bancários. Tudo isto possibilitou as investigações da
Polícia Federal e viabilizou a denúncia do Procurador Geral da República
que, apesar do exagero dos quarenta acusados, não foi além dos nomes e
dados fornecidos naquela atitude de colaboração com a Justiça, o que
assegura direito à redução de pena. Não há nada de novo sobre este
assunto, até porque a instrução na AP 470 está encerrada faz tempo.
Quanto ao chamado “mensalão mineiro”, o andamento do caso está em
fase bem mais adiantada do que se imagina. A etapa das investigações já
foi concluída e nela Marcos Valério forneceu todas as informações ,
inclusive os nomes dos políticos ligados ao PSDB (deputados e
ex-deputados) que receberam, em contas bancárias pessoais, recursos
financeiros para custear as despesas do segundo turno da tentativa de
reeleição do então Governador Eduardo Azeredo, em 1998, tendo entregue
as cópias dos depósitos bancários realizados.
É importante saber que o ex-Procurador Geral da República, Dr.
Antônio Fernando, ao oferecer denúncia no caso chamado de “mensalão
mineiro” contra Eduardo Azeredo (hoje deputado federal), Clésio Andrade
(hoje Senador) e outras quatorze pessoas, deixou de propor ação penal
contra os deputados e ex-deputados que receberam os valores, porque
entendeu, expressamente, que o fato seria apenas crime eleitoral (artigo
350 do Código Eleitoral – “caixa dois de campanha”), que já estava
prescrito. Este entendimento não foi adotado no oferecimento da denúncia
e no julgamento da AP 470.
Sobre o “mensalão mineiro”, atualmente, correm três ações penais
distintas. Duas no STF, uma contra Eduardo Azeredo e outra contra Clésio
Andrade. A terceira, na qual é acusado Marcos Valério, tramita perante a
9ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte (Justiça Estadual),
contra todos os demais denunciados que não tem foro por prerrogativa de
função, pois neste caso o STF deferiu o pedido de desmembramento do
processo, o que não ocorreu na AP 470. Aquela última ação penal
encontra-se na etapa adiantada destinada a inquirição de testemunhas de
defesa. Nela meu único cliente é Marcos Valério. Não atuo na defesa de
qualquer outro acusado em nenhuma destas ações.