Robert Stevens - de Londres
O governo do Reino Unido, uma coalisão entre os partidos Conservador e
Liberal Democrata, em contradição com a máxima do liberalismo de um
Estado distante dos assuntos privados, anunciou nesta segunda-feira os
termos de uma revisão para a London Interbank Offered Rate (Libor),
após a descoberta do maior escândalo de corrupção mundial das últimas
décadas. A revisão foi encomendado pelo chanceler George Osborne, e será
liderada por Martin Wheatley, diretor da autoridade financeira
britânica, a Financial Services Authority (FSA, na sigla em inglês), e
diretor-executivo da Autoridade Financeira de Conduta, instituição que
fiscaliza a atividade financeira no país.
A Libor é uma taxa diária que cobre dez moedas ao redor do
mundo e é aplicada no cálculo dos juros médios cobrados nos empréstimos
de curto prazo entre os grandes bancos. A taxa é calculada com base nos
contratos de 16 bancos e gerida pela Associação de Bancos Britânicos
(BBA, na sigla em inglês). As taxas de juros para dezenas de trilhões de
dólares em hipotecas, empréstimos estudantis e cartões de crédito estão
atrelados à Libor, assim como derivados financeiros avaliados em US$
350 trilhões e títulos futuros no valor de 564 trilhões de eurodólares,
próximo à significativa casa de R$ 1 quatrilhão.
No mês passado, o Barclays Bank, um dos maiores do mundo, foi multado
em um total de £ 290 milhões (R$ 900 milhões) por manipular ilegalmente
o movimento diário da Libor, entre 2005 e 2009. A revisão a ser
realizada por Wheatley deverá impor uma limitação de danos para
“proceder a uma revisão do quadro à fixação da Libor”, embora considere
possível examinar “o potencial para alternativas de fixação de uma nova
taxa”, de forma que os interesses dos bancos estejam priorizados. A
missão de Wheatley também é a de considerar “as conseqüências da
estabilidade financeira de uma mudança para um novo regime e como uma
transição poderia ser adequadamente gerenciada”.
Wheatley reconheceu que a manipulação da Libor foi algo “extremamente
grave”, mas antes de se pronunciar sobre qualquer ação penal contra os
culpados, deixou claro que sua maior preocupação será uma “reforma
urgente do processo de compilação da Libor”. A revisão de Wheatley evita
lidar com qualquer das práticas ilegais do Barclays, que estão na
origem do escândalo. Os termos da revisão não devem levar em conta todas
as questões relacionadas “com as medidas ou ações específicas de
supostas instituições financeiras na tentativa de manipular a Libor ou
outras taxas de referência. Estas questões continuarão a ser
investigadas pela FSA e outros reguladores ao redor do mundo”, diz a
nota.
A revisão ainda levará cerca de um mês para indicar as mudanças na
legislação, incluída no Projeto de Lei de Serviços Financeiros,
atualmente em curso no Parlamento. Nesta sexta-feira, os escritórios do
Barclays em Milão, Norte da Itália, foram alvo de uma batida policial em
um processo ligado à crise da Libor. Oficiais da polícia italiana
apreenderam documentos, e-mails e outras comunicações eletrônicas
durante o procedimento autorizado pela Justiça daquele país. Segundo o
diário econômico conservador londrino Financial Times, a batida
foi “parte de uma investigação que procura ver se os consumidores
italianos foram atingidos pela manipulação do banco britânico na Libor e
na sua equivalente, a Euribor euro”. Analistas calculam que 2,5 milhões
de famílias italianas com hipotecas ligada à Euribor sofreram graves
prejuízos financeiros, no total aproximado de € 3 bilhões, com a
manipulação da Euribor.
As consequências do escândalo, no entanto, aumentam dia após dia, em nível global.
Principal banco da Alemanha, o Deutsche Bank reconheceu o
envolvimento de alguns de seus funcionários no aparelhamento da Libor.
Alegou, porém, que apenas um “número limitado” de empregados estava
envolvido e disse que uma investigação interna tinha afastado a alta
direção do banco de qualquer delito. Mas o Deutsche Bank já responde a
processo por denúncias de que manipulava o iene, a taxa Libor e o preço
dos derivados vinculados à referência euro-yen, por litigantes
norte-americanos.
Neste fim de semana, chegou-se a ventilar nos meios financeiros
suíços a existência de uma operação global para se verificar a
regularidade dos serviços financeiros do banco UBS, que também estaria
envolvido na manipulação da Libor. No sábado, a agência inglesa de
notícias Reuters, especializada em Economia, informou que os
bancos Barclays, RBS e UBS “desempenharam um papel central” na
manipulação das taxas. Com base na revisão de documentos judiciais e de
outras fontes, a Reuters também afirma que “entre eles, os três bancos empregaram mais de uma dezena de traders
que buscavam influenciar as taxas tanto em dólar, euro ou yenes. Alguns
deles, que estão sob investigação, têm trabalhado para vários bancos
elevando a possibilidade de que a fixação da taxa se tornou mais
enraizada”.
Antigo funcionário do Barclays, Jay V. Merchant, por exemplo, supervisionou o dólar norte-americano na mesa de operações de swaps
do Barclays, em Nova York, entre março de 2006 e outubro de 2009. Ele
agora ocupa uma posição semelhante do UBS em Stamford, Connecticut, EUA,
segundo a Reuters.
Demandas judiciais
Na última terça-feira, o Deutsche Bank e o UBS aumentaram as suas
estimativas sobre risco de processos em € 580 milhões. Até o final de
junho, o Deutsche Bank aumentou a sua estimativa a partir de € 2.1
bilhões para € 2,5 bilhões. UBS adicionou mais 210 milhões de francos
suíços na conta de litígios. A exposição dos principais bancos
envolvidos no escândalo da Libor para potenciais pagamentos resultantes
de demandas judiciais coletivas chega a US$ 1 trilhão.
Nesta segunda-feira, verificou-se que o banco New York Berkshire está
processando 21 bancos, incluindo o Bank of America, o Barclays e o
Citigroup por danos causados pela manipulação Libor. O Berkshire alega
que o aparelhamento da Libor “teve um impacto negativo sobre os
pagamentos dos juros em dezenas, senão centenas de bilhões de dólares de
empréstimos com taxas vinculadas à Libor”.
Professor da escola de Direito da Harvard, o professor John Coates
disse que o litígio resultante da crise Libor “tem o potencial para ser o
maior conjunto único de casos fora da crise financeira mundial, porque a
Libor é utilizada em tantas transações, e é tão importante para tantos
contratos, que este escândalo significa o mesmo que dizer que os
relatórios sobre a taxa de inflação estavam errados”.
Os bancos só poderiam estar envolvidos em tais práticas ilegais porque lhes foi dada carta branca para fazê-lo pelo establishment
político e os reguladores da banca internacional. Como o relatório de
junho acusando Barclays demonstrou, a Autoridade de Serviços Financeiros
do Reino Unido era nada além do que um facilitador para as práticas do
banco consideradas necessárias para fazer “um dinheirinho rápido”.
Com raiva do público contra os bancos crescendo, o escritório do
Reino Unido para Fraudes Financeiras Graves (SFO, na sigla em inglês)
foi forçado a reconhecer que tinha poderes para agir contra os bancos
envolvidos na manipulação de Libor, mas ainda não os exerceu. Como as
investigações sobre Libor continuam em dezenas de instituições bancárias
ao redor do mundo, por pelo menos 10 autoridades reguladoras
financeiras, em três continentes, espera-se que alguns deles terão de
enfrentar acusações pesadas por atividade criminosa.
Executivo-chefe do RBS, Stephen Hester disse ao diário britânico The Guardian,
nesta segunda-feira, esperar que o banco venha, em breve, a enfrentar
acusações relativas à Libor e ser atingido com uma multa ainda sem um
valor definido. Uma investigação do banco pela FSA estava em andamento,
disse ele, acrescentando: “O RBS é um dos bancos atrelados à Libor”.
– Nós vamos ter o dia em que os holofotes irão se direcionar na nossa direção – prevê.
Robert Stevens é articulista da Global Articles.
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