Tive a honra de receber na semana
passada um exemplar de dois livros de JOSÉ RENATO POLLI: Sonhos de
Juventude e Do Etéreo ao Imanente: a transcendência como fraternidade.
Renato, hoje doutor em educação, foi companheiro de caminhada nos tempos
da Pastoral da Juventude, pelos anos de 1980/1986.
Seu primeiro livro (Sonhos de
Juventude), devorei no dia seguinte ao recebimento. Por um motivo muito
simples: fez acordar em minha memória recordações de uma etapa vivida
que pela dureza da vida já estavam bastante esquecidas. Aliás, esse é um
dos meus maiores defeitos: o que me machuca, esqueço rapidamente.
Não pensem que Renato ou minha vivência
na Pastoral da Juventude é que me machucaram. Em absoluto. Foi um
período intenso e rico em conhecimento e ações concretas. Um período que
seu livro reserva para analisar parte dele, a saber o movimento de
encontros que dominaram a pastoral em Jundiaí entre 1969 e 1981. O
movimento de encontros tinha como características principais a
conversão, a resignação e o assumir de culpas (pecados) por indivíduo.
Todos eram culpados, todos tinham que se reconciliar com Deus, já que
haviam-no esquecido. E o livro mostra com bastante detalhe como isso
aconteceu em nossa Diocese de Jundiaí. Os exageros, os extremos, a total
desvinculação do movimento com o que acontecia à sua volta. É bom
recordar que o período histórico é o mais tenebroso que tivemos em nossa
história recente. E nossa Igreja não estava preocupada com isso. Renato
mostra com muita clareza que isso não acontece por acaso: era uma
influência direta dos bispos que comandaram a diocese. Fala sobre a
característica contemplativa de D. Gabriel (primeiro bispo da diocese) e
da não comprometedora e espiritualista de D. Roberto, seu sucessor e os
bispos do período estudado por Renato. Fala dos extremos com exemplos
que assustam àqueles menos avisados. E fala da transição desse caminhar
para a Pastoral da Juventude alinhada com as orientações da CNBB. A
transição aconteceu entre 1981 e 1986, período em que tivemos a
Assembleia das Igrejas na diocese, coordenada pelo Padre Paulo André
Labrosse (recentemente vigário de nossa Igreja de Nsa. Senhora do Monte
Serrat) e o 1º Congresso Diocesano da Pastoral da Juventude (onde fui um
dos coordenadores).
Salto teve uma vida de militância jovem
católica muito intensa naquele período. Muitas de nossas lideranças
atuais (por ex. Juvenil) fizeram parte de seus grupos. Inclusive eu.
Muito cedo (com 9 anos) ingressei no grupo de coroinhas da Igreja de São
Benedito. Lá fiquei até me tornar jovem e ajudar a construir o GUS –
Grupo Unido Saltense – que muito fez na paróquia e na cidade. Uma de
suas grandes marcas foi o FEMUJO – Festival de Musica Jovem – realizado
por sete anos seguidos. Outra marca foi o questionar. Tivemos o
privilégio de ter padres bastante abertos em suas pastorais, o que
provocou aprofundamentos grandiosos. Também passamos pela etapa dos
encontros de jovens, que hoje vejo como uma verdadeira “lavagem
cerebral” dos que por eles passavam. Quantas vezes não fiz palestras
onde apontava meu dedo indicador para os jovens, acusando-os de
pecadores (não porque eram, mas porque em nossa visão naquele período,
todos eram e todos precisavam se converter). Até que surgem movimentos
transformadores na Igreja sul americana. A partir de dois grandes
encontros de bispos (Medellin e Puebla) surge a Teologia da Libertação.
Dela derivam várias atuações concretas que tem no olhar coletivo para o
sofrimento do povo, sua maior preocupação. Um olhar que deixa de ser
contemplativo para ser questionador, militante e transformador de
realidades. Nesse período surgem as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
– que tem forte militância inclusive na derrubada da ditadura
brasileira, gerando grandes lideres e grupos para nossa sociedade. Na
Pastoral da Juventude, a grande revolução foi o método VER-JULGAR-AGIR,
que propunha conhecer a realidade, analisá-la à luz do evangelho e
propor alternativas de mudanças. O Congresso Diocesano que citei foi
todo construído nessa metodologia.
Começamos em Salto a nos aprofundar
nessa prática. Nosso grupo fez muitos estudos e elaborou ações a partir
do método. Isso começou a tomar corpo na diocese e as pressões para a
mudança ocorreram, até que D. Roberto nomeia uma coordenação que tinha
como característica maior a Teologia da Libertação, e eu era o
coordenador geral (isso em 1985). Em 1983 já estava na coordenação, que
era um colegiado e que realizou o Congresso Diocesano. Quando me vi
coordenador da Pastoral da Juventude – espaço onde poderíamos ter a
preparação de muitas lideranças para nossa sociedade – intensifiquei (e o
Renato estava junto) os princípios e práticas da Teologia da Libertação
em documentos e orientações para os grupos da diocese. E nesse momento
acontece o que me fez retirar da memória os momentos ricos e intensos
daquele período: nosso bispo D. Roberto (isso não está no livro) exigiu
de mim uma mudança de princípios, ordenando que voltasse a prática da
pastoral espiritual e contemplativa. Por conta disso, em meados de 1986
deixei a coordenação.
O livro me fez um bem danado. Espero que
o Renato leia esse meu artigo. Fez bem não só por recuperar um período
muito intenso de minha vida, como também por perceber que coordenei um
grupo que quis e lutou por grandes transformações. Uma das frases de
Renato, na página 73 do livro, quando fala que assumi a coordenação da
Pastoral, calou-me fundo: “Foi o momento mais democrático da Pastoral da
Juventude local. Tudo o que foi possível fazer para organizar este
trabalho foi feito.” Depois joga para a falta de apoio das comunidades e
a persistência de lideranças no modelo tradicional como os fatores que
“fizeram água” (expressão minha) na proposta. A democracia é um
princípio enraizado em minha vida (ainda bem…).
Muitas são as belas passagens daquele
período. Muitas são as raízes que ficaram pelo resto da vida. Muitas,
também as feridas. Mas a vida em comum unidade foi, está e estará sempre
presente em meus objetivos. Obrigado Renato por ter ressuscitado em mim
maravilhosas recordações, marcas e inspirações. Espero sempre ser
coerente com elas.
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