sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Pastoral da Juventude

Tive a honra de receber na semana passada um exemplar de dois livros de JOSÉ RENATO POLLI: Sonhos de Juventude e Do Etéreo ao Imanente: a transcendência como fraternidade. Renato, hoje doutor em educação, foi companheiro de caminhada nos tempos da Pastoral da Juventude, pelos anos de 1980/1986.

Seu primeiro livro (Sonhos de Juventude), devorei no dia seguinte ao recebimento. Por um motivo muito simples: fez acordar em minha memória recordações de uma etapa vivida que pela dureza da vida já estavam bastante esquecidas. Aliás, esse é um dos meus maiores defeitos: o que me machuca, esqueço rapidamente.

Não pensem que Renato ou minha vivência na Pastoral da Juventude é que me machucaram. Em absoluto. Foi um período intenso e rico em conhecimento e ações concretas. Um período que seu livro reserva para analisar parte dele, a saber o movimento de encontros que dominaram a pastoral em Jundiaí entre 1969 e 1981. O movimento de encontros tinha como características principais a conversão, a resignação e o assumir de culpas (pecados) por indivíduo. Todos eram culpados, todos tinham que se reconciliar com Deus, já que haviam-no esquecido. E o livro mostra com bastante detalhe como isso aconteceu em nossa Diocese de Jundiaí. Os exageros, os extremos, a total desvinculação do movimento com o que acontecia à sua volta. É bom recordar que o período histórico é o mais tenebroso que tivemos em nossa história recente. E nossa Igreja não estava preocupada com isso. Renato mostra com muita clareza que isso não acontece por acaso: era uma influência direta dos bispos que comandaram a diocese. Fala sobre a característica contemplativa de D. Gabriel (primeiro bispo da diocese) e da não comprometedora e espiritualista de D. Roberto, seu sucessor e os bispos do período estudado por Renato. Fala dos extremos com exemplos que assustam àqueles menos avisados. E fala da transição desse caminhar para a Pastoral da Juventude alinhada com as orientações da CNBB. A transição aconteceu entre 1981 e 1986, período em que tivemos a Assembleia das Igrejas na diocese, coordenada pelo Padre Paulo André Labrosse (recentemente vigário de nossa Igreja de Nsa. Senhora do Monte Serrat) e o 1º Congresso Diocesano da Pastoral da Juventude (onde fui um dos coordenadores).

Salto teve uma vida de militância jovem católica muito intensa naquele período. Muitas de nossas lideranças atuais (por ex. Juvenil) fizeram parte de seus grupos. Inclusive eu. Muito cedo (com 9 anos) ingressei no grupo de coroinhas da Igreja de São Benedito. Lá fiquei até me tornar jovem e ajudar a construir o GUS – Grupo Unido Saltense – que muito fez na paróquia e na cidade. Uma de suas grandes marcas foi o FEMUJO – Festival de Musica Jovem – realizado por sete anos seguidos. Outra marca foi o questionar. Tivemos o privilégio de ter padres bastante abertos em suas pastorais, o que provocou aprofundamentos grandiosos. Também passamos pela etapa dos encontros de jovens, que hoje vejo como uma verdadeira “lavagem cerebral” dos que por eles passavam. Quantas vezes não fiz palestras onde apontava meu dedo indicador para os jovens, acusando-os de pecadores (não porque eram, mas porque em nossa visão naquele período, todos eram e todos precisavam se converter). Até que surgem movimentos transformadores na Igreja sul americana. A partir de dois grandes encontros de bispos (Medellin e Puebla) surge a Teologia da Libertação. Dela derivam várias atuações concretas que tem no olhar coletivo para o sofrimento do povo, sua maior preocupação. Um olhar que deixa de ser contemplativo para ser questionador, militante e transformador de realidades. Nesse período surgem as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base – que tem forte militância inclusive na derrubada da ditadura brasileira, gerando grandes lideres e grupos para nossa sociedade. Na Pastoral da Juventude, a grande revolução foi o método VER-JULGAR-AGIR, que propunha conhecer a realidade, analisá-la à luz do evangelho e propor alternativas de mudanças. O Congresso Diocesano que citei foi todo construído nessa metodologia.

Começamos em Salto a nos aprofundar nessa prática. Nosso grupo fez muitos estudos e elaborou ações a partir do método. Isso começou a tomar corpo na diocese e as pressões para a mudança ocorreram, até que D. Roberto nomeia uma coordenação que tinha como característica maior a Teologia da Libertação, e eu era o coordenador geral (isso em 1985). Em 1983 já estava na coordenação, que era um colegiado e que realizou o Congresso Diocesano. Quando me vi coordenador da Pastoral da Juventude – espaço onde poderíamos ter a preparação de muitas lideranças para nossa sociedade – intensifiquei (e o Renato estava junto) os princípios e práticas da Teologia da Libertação em documentos e orientações para os grupos da diocese. E nesse momento acontece o que me fez retirar da memória os momentos ricos e intensos daquele período: nosso bispo D. Roberto (isso não está no livro) exigiu de mim uma mudança de princípios, ordenando que voltasse a prática da pastoral espiritual e contemplativa. Por conta disso, em meados de 1986 deixei a coordenação.

O livro me fez um bem danado. Espero que o Renato leia esse meu artigo. Fez bem não só por recuperar um período muito intenso de minha vida, como também por perceber que coordenei um grupo que quis e lutou por grandes transformações. Uma das frases de Renato, na página 73 do livro, quando fala que assumi a coordenação da Pastoral, calou-me fundo: “Foi o momento mais democrático da Pastoral da Juventude local. Tudo o que foi possível fazer para organizar este trabalho foi feito.” Depois joga para a falta de apoio das comunidades e a persistência de lideranças no modelo tradicional como os fatores que “fizeram água” (expressão minha) na proposta. A democracia é um princípio enraizado em minha vida (ainda bem…).

Muitas são as belas passagens daquele período. Muitas são as raízes que ficaram pelo resto da vida. Muitas, também as feridas. Mas a vida em comum unidade foi, está e estará sempre presente em meus objetivos. Obrigado Renato por ter ressuscitado em mim maravilhosas recordações, marcas e inspirações. Espero sempre ser coerente com elas.


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