Do Correio do Brasil
A revista semanal de ultradireita
Veja e o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o
Carlinhos Cachoeira,
desenvolveram, ao longo de metade da década passada, um esquema
rentável para a promoção de uma lista de crimes que a Polícia Federal
(PF) investigou nas operações
Monte Carlo e
Vegas. Ambas
já resultaram na prisão do contraventor e na cassação do mandato de
senador de Demóstenes Torres (ex-DEM-GO). Os fatos foram demonstrados em
reportagem da revista semanal de esquerda
Carta Capital, aqui reproduzida no blog
Limpinho & Cheiroso, do jornalista Miguel Baia Bargas.
A revista traz, em minúcias, a relação do diretor da sucursal de Veja com a quadrilha de Cachoeira. Assinado pelo jornalista Leandro Fortes, o texto mostra quão profundo era o pântano em que se meteram.
Nesta quarta-feira, o deputado Dr. Rosinha (PT/PR) irá ao plenário da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira
para denunciar esta faceta adjacente da quadrilha. Com base em um
documento construído com base no material enviado à comissão pela PF, o
parlamentar apresentará um requerimento de convocação do jornalista
Policarpo Jr., diretor da revista Veja em Brasília.
“O parlamentar tem em mãos um quadro completo das ligações escusas do
jornalista e da semanal da Editora Abril com a quadrilha do bicheiro
Carlinhos Cachoeira. Um relicário de quase uma centena de interceptações
telefônicas feitas pela PF nas operações Vegas (2009) e Monte Carlo,
realizada em 29 de fevereiro deste ano. A conclusão é devastadora. Da
encomenda de um grampo ilegal contra um deputado federal à subordinação
da sucursal de Veja ao esquema criminoso de Cachoeira,
as informações repassadas à CPI revelam uma ligação pessoal ostensiva
entre o repórter e o bicheiro. A avaliação de mais de 100 páginas
preparada para o deputado, à qual Carta Capital teve acesso, demonstra como Cachoeira
fornecia fotos, vídeos, grampos e informações privilegiadas do mundo
político e empresarial ao jornalista. O bicheiro usava, sem nenhum
escrúpulo, a relação íntima que mantinha com Policarpo Jr. para plantar
notícias contra inimigos. Em contrapartida, a revista protegia políticos
ligados a ele e deixava, simplesmente, de publicar denúncias que
poderiam prejudicar os interesses da quadrilha”, afirma a reportagem de
Leandro Fortes.
Leia, daqui em diante, a íntegra da matéria de Carta Capital
As interceptações da PF provam o que a revista nega desde o primeiro
momento em que teve seu nome ligado ao bicheiro. Não se trata
simplesmente do ecumênico trabalho jornalístico em busca da notícia que
obriga repórteres a se relacionarem com anjos e bandidos, gregos e
troianos. É algo muito mais profundo, uma ligação na qual os interesses
“comerciais” do contraventor estavam umbilicalmente ligados aos
interesses políticos da revista, a ponto de estimular uma cobertura
seletiva e levar a publicação a promover ostensivamente um político, o
senador Demóstenes Torres, que colocou seu mandato a serviço da
bandidagem.
Cachoeira costumava escalar a dupla de arapongas Jairo Martins e
Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, para levantar informações e
negociá-las com a Veja. O jornalista, por sua vez, mantinha encontros
periódicos com o bicheiro e alguns de seus capangas, a fim de confirmar,
encomendar e reunir informações para reportagens da revista. As
informações da PF com histórico de textos publicados pelo semanário
demonstram que Policarpo Jr. tinha conhecimento do funcionamento da
quadrilha e usufruía dos métodos ilegais de captação de informações.
O
objetivo básico dessa relação para a revista contra alvos específicos.
Em troca, Policarpo Jr. informava o grupo de Cachoeira sobre o que seria
publicado, uma sinergia viciante iniciada em 2004 e, ao longo dos
últimos oito anos, transformada numa relação de dependência mútua sem a
qual esse inédito esquema de crime organizado não teria se concretizado.
Nem Cachoeira teria o poder que chegou a ter nem Veja teria as
informações, quase nunca embasadas em provas reais, para produzir
escândalos.
Há um momento crucial em que a participação de Policarpo Jr. no
esquema criminoso tornou-se inquestionável, impossível de ser
interpretada como mera relação entre um jornalista e sua fonte. Em 26 de
julho de 2011, uma terça-feira, uma interceptação telefônica flagrou
uma conversa entre o repórter e o bicheiro. Sem mais delongas, o
jornalista pede ao contraventor para grampear um parlamentar da base
governista.
Policarpo – É o seguinte, não, eu queria te pedir uma dica, você pode falar?
Carlinhos – Pode falar.
Policarpo – Como é que eu levanto aí uma ligações do Jovair Arantes, deputado?
Carlinhos – Vamos ver, uai. Pra quando, que dia?
Policarpo – De imediato, com a turma da Conab.
Carlinhos – O Neguinho.
Policarpo – Hã?
Carlinhos – Deixa eu ver com ele, o Neguinho, vou falar para ele te procurar aí.
Em suma, o diretor da sucursal da Veja queria saber com quem o
deputado Jovair Arantes (PTB/GO) andava conversando ao telefone entre os
dirigentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao
Ministério da Agricultura. Para tal missão, segundo a íntegra do áudio,
Cachoeira avisou que iria destacar “Neguinho”, apelido do delegado da
Polícia Federal Deuselino Valadares, informante da quadrilha preso
durante a Operação Monte Carlo. Ou seja, Policarpo Jr. não apenas sabia
das atividades de arapongagem clandestina do bicheiro com fazia
encomendas específicas para alimentar o noticiário da Veja.
Três dias depois, em 29 de julho de 2011, outro grampo detectou uma
conversa entre um certo “Paulo Abreu” e Jairo Martins. Como jamais
apareceu outra interceptação, “Paulo” deve ser Cláudio Abreu, ex-diretor
da Delta Construções no Centro-Oeste. No áudio, o araponga avisa a
Abreu que, naquela semana, a revista da Abril iria sair com uma
reportagem da Conab. Diz ainda que Veja iria “bater” em seis diretores
do órgão. Informação realmente de primeira: no mesmo dia, a revista
estampou uma entrevista com Oscar Jucá Neto, o Jucazinho, irmão do
senador Romero Jucá (PMDB/RR), então líder do governo no Senado.
Ex diretor financeiro da Conab, Jucá Neto havia sido demitido na
semana anterior por supostamente ter autorizado o pagamento de R$8
milhões a uma empresa fantasma, segundo denúncia veiculada pela própria
Veja. Na nova edição da revista, Jucazinho destilou seu fel contra a
Conab e acusou o então ministro da Agricultura, Wagner Rossi, do PMDB,
de comandar um esquema de corrupção na pasta. Rossi seria demitido um
mês depois.
Só no meio da reportagem é possível compreender o interesse de
Policarpo Jr. no deputado Jovair Arantes, então líder do PTB na Câmara. O
parlamentar aparece como beneficiário do dinheiro de campanha doado
pela Caramuru, de Goiás, uma das maiores empresas de armazenagem de
grãos do País. A companhia estaria negociando o recebimento irregular de
uma dívida de R$20 milhões por parte da Conab, em troca de distribuir
R$5 milhões em propinas entre os diretores do órgão, segundo Jucazinho.
A reportagem da revista não trouxe, porém, uma única prova para
sustentar as declarações do ex-diretor da Conab, muito menos para
incluir Arantes como das supostas negociações de propina com a Caramuru.
Ao que parece, ou a encomenda de Policarpo Jr. não foi entregue a tempo
ou o delegado Deuselino Valadares não fez o dever de casa. O deputado
do PTB goiano acabou envolvido na Operação Monte Carlo por outro
caminho. Arantes foi flagrado em grampos da PF quando negociava dinheiro
de campanha com Cachoeira em troca de apoio ao projeto de legalização
do jogo no Brasil.
O marco inicial da relação do bicheiro e o jornalista, a quem
Cachoeira e alguns capangas chamavam eventualmente de “Poli”, “PJ” ou
“Júnior”, pode ser determinado em 22 de fevereiro de 2005. Naquela data,
Policarpo Jr. foi depor de forma voluntária ao Conselho de Ética da
Câmara dos Deputados e defendeu Cachoeira. O depoimento serviu para
vitimizar e inocentar o bicheiro de suas ligações espúrias com o
Congresso Nacional. À época, o contraventor alegou ter sido chantageado
pelo ex-deputado André Luiz (PMDB/RJ). O parlamentar teria exigido
propina para não incluí-lo no relatório final da CPI da Loterj, a
conturbada estatal de loterias do Rio de Janeiro.
Segundo Cachoeira, André Luiz havia pedido R$4 milhões, mas queria um
adiantamento de R$200 mil para pagar dívidas de campanha de um filho. O
bicheiro gravou a conversa, pegou um laudo do perito paulista Ricardo
Molina e deu para Policarpo Jr. produzir uma reportagem. A reportagem de
Veja, intitulada “Vende-se uma CPI”, foi publicada em 27 de outubro de
2004.
No depoimento que deu á Comissão de Ética da Câmara, Policarpo Jr.
afirmou ter sido procurado por Cachoeira porque este, segundo ele, tinha
interesse em conversar com um veículo “independente” e um jornalista de
“boas referências”.
A gratidão do bicheiro não tardaria a se manifestar. Em maio de 2005,
por meio de um trabalho de arapongagem de Jairo Martins, viria à tona o
vídeo onde Maurício Marinho, então diretor dos Correios indicado pelo
PTB, recebia propina para facilitar licitações na estatal. A denúncia
levaria o deputado Roberto Jefferson a denunciar a existência do chamado
“mensalão”.
Em 22 de março deste ano, em entrevista à mídia, o ex-prefeito de
Anápolis (GO) Ernani de Paula jogou um pouco de luz nessa trama. Segundo
ele, em 2003, Demóstenes Torres, senador cassado recentemente, era
cotado para assumir a Secretaria Nacional de Segurança Pública do
Ministério da Justiça. Para tal, precisaria migrar do DEM para o PMDB,
partido da base aliada. O movimento iria permitir ainda que a ex-mulher
de Ernani de Paula, suplente de Demóstenes, ganhasse um mandato no
Senado. O ex-prefeito diz ter convicção de que o flagrante a Marinho nos
Correios foi armado por Cachoeira e Demóstenes para atingir o então
ministro José Dirceu.
Hoje se sabe que os planos de Cachoeira dependiam da construção da
imagem de Demóstenes, proposto da quadrilha no Senado, como paladino da
moralidade pública. A partir desse personagem, falso como uma nota de
R$3,00, o bicheiro conseguiu agregar apoio na mídia. A participação de
Veja foi fundamental. “Não há dúvidas de que o mito de Demóstenes foi
construído na Veja e replicado pelo resto da mídia”, avalia Dr. Rosinha.
Aos poucos, foi possível à PF mapear, desde 2009, por meio da
Operação Vegas, como se construir a curiosa disputa entre Cachoeira e
Demóstenes pela atenção e a amizade de Policarpo Jr. Estrategicamente, a
revista cuidou de consolidar a relação com o bicheiro por meio de
reportagens laudatórias sobre o senador do DEM.
A mais marcante foi publicada em 4 de julho de 2007. Intitulada “Os
mosqueteiros da ética”, trazia uma série de parlamentares que
supostamente representariam a defesa de valores republicanos e
democráticos no Congresso contra as torpezas e a corrupção. Demóstenes
era um dos destaques. O ex-senador ainda iria brilhar em uma entrevista
nas páginas amarelas da revista, na qual foi vendido como o escolhido do
povo brasileiro na luta contra a corrupção.
As informações passadas à CPI demonstram que Cachoeira e Demóstenes
eram consultados antes de as notícias serem publicadas, não se sabe se
com ou sem a autorização da redação de Veja em São Paulo. Também atuavam
para impedir a publicação de notícias consideradas prejudiciais à
quadrilha.
Em uma conversa gravada em 13 de maio de 2009, Demóstenes pede a
Cachoeira para convencer Policarpo Jr. a entrevistar o delegado Aredes
Correia Pires, então corregedor-geral de Segurança Pública de Goiás no
governo de Marconi Perilo, do PSDB. Pires havia sido subordinado do
ex-senador do DEM na Secretaria de Segurança Pública. “Ele [Policarpo] é
de confiança, você sabe que ele nunca furou com a gente”, insiste
Demóstenes. O bicheiro promete resolver o problema.
Em outro grampo, de 19 de maio de 2009, Demóstenes se desespera com a
possibilidade de Policarpo Jr., por ter desprezado o delegado, se
voltar contra a quadrilha. “Poli me ligou dizendo que vai estourar o
diretor-geral aí [corregedor-geral Aredes Pires]”, choraminga o
ex-senador a Cachoeira. Em seguida, pede para o bicheiro conseguir “umas
fotos” para calar a boca do jornalista. “Mas pelo menos as fotos vê se
consegue, senão [Policarpo] acaba arrancando a cabeça do Aredes e fica a
pior situação do mundo.” A PF não identificou de quais fotos o
ex-senador e o bicheiro falavam, mas a estratégia deu certo. Veja nunca
publicou qualquer denúncia contra o delegado Pires, mas tarde apontado
pela Monte Carlo como informante da quadrilha.
Entre os dias 9 e 16 de maio de 2011, a PF flagrou outro conjunto de
conversas que revelam a articulação de Cachoeira e Cláudio Abreu para
evitar a publicação de reportagem sobre a suposta ligação da Delta com o
governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Obviamente, para
preservar a empreiteira de Fernando Cavendish. Como pode ser verificado
na interceptação de 9 de maio, Abreu conta a Cachoeira que Cavendish
“já tem um discurso” para resolver a crise e revela que estão todos
satisfeitos com a atuação de Demóstenes no Senado. O bicheiro avisa que
vai encontrar o diretor de Veja em “20 minutinhos” no prédio da
empreiteira para resolver a questão.
Em um grampo de 10 de maio de 2011, Cachoeira conversa com Abreu
sobre um almoço que teve com Policarpo Jr. para tratar de um suposto
encontro, em Itajubá (MG), de José Dirceu com Cavendish. O encontro
teria sido intermediado pelo ex-governador do DF José Roberto Arruda,
defenestrado do cargo por denúncias de corrupção.
Cachoeira diz a Abreu que a fonte é “furada” e garante que o assunto
vai morrer na revista. “O Policarpo confia muito em mim”, diz o
bicheiro. “Vou te mostrar a mensagem que ele passou pra mim antes, 10
horas da manhã, pra eu me encontrar com ele aqui em Brasília.” A
confiança de Policarpo Jr., neste caso, mostrou-se mesmo inabalável.
Nada saiu a respeito do suposto encontro.
Em conversa interceptada em 16 de maio de 2011, Demóstenes comemora
aliviado o recuo de Policarpo Jr. em relação ao tem. “Morreu o assunto,
né? Tranquilo. Então, beleza, isso aí resolveu, então, 100% resolvido”,
diz Cachoeira. O bicheiro esclarece: “Foi a conversa que eu e o Cláudio
[Abreu] tivemos lá com o Policarpo. Foi bom demais, valeu.”
Em outra conversa, ainda em 10 de maio de 2011, Cachoeira conta a
Abreu, em linguagem chula, como fez para convencer o jornalista a não
publicar nada contra a Delta. “Enfiei tudo no rabo do Pagot! Aquela
hora, Policarpo estava na minha frente.”
Em seguida, dá a dica definitiva ao diretor da Delta de como se
comportar nesses casos: “Você me fala, então, depois, porque por fora eu
posso ajudar demais plantando em cima dele [Policarpo], igual plantei
do Pagot naquela hora. Ele anotou tudo, viu? Uma beleza. Pagot tá fodido
com ele.”
E estava mesmo. Luiz Antônio Pagot, ex-diretor-geral do Departamento
Nacional de Infraestrutura de Transportes, foi demitido dois meses
depois da conversa entre o bicheiro e o repórter. Exatos 26 dias após o
almoço, Veja denunciaria um suposto esquema de cobrança de propinas para
beneficiar o Partido da República (PR) nos contratos do Dnit.
A partir da Monte Carlo e das revelações nos diálogos entre Cachoeira
e Policarpo Jr. foi possível descobrir o que realmente ocorreu. Pagot
pode não ser um beato, mas sua queda tem mais a ver com o fato de ele
ter contrariado interesses da Delta e da quadrilha. O ex-diretor cometeu
o erro de criar problemas para a construtora em licitações. Em uma
delas, por exemplo, a Delta foi investigada pelo Dnit por ter
subcontratado uma empresa para obras de recuperação de um trecho de 18
quilômetros da BR116, no Ceará, sem autorização pra tal. Em uma conversa
captada pela PF em 20 de março de 2011, Cachoeira revela a Demóstenes
que Policarpo Jr. teria censurado uma entrevista feita em setembro de
2010, véspera das eleições, por Diego Escosteguy, então repórter da
sucursal de Brasília. Na entrevista, Arruda, ex-governador cassado por
corrupção, envolvia figurões nacionais do DEM e do PSDB no esquema de
propinas no Distrito Federal. A entrevista só seria publicada em 18 de
março de 2011, mas pela concorrente Época, para onde Escosteguy se
transferira (
clique aqui).
Ainda assim, o diretor de Veja tentou dar uma rasteira no
ex-subordinado. Na quinta-feira anterior à publicação da entrevista em
Época, Policarpo Jr. vazou diversos trechos da entrevista para o site da
semanal da Abril na internet. Uma tentativa pueril de atingir a
concorrência e, principalmente, de tentar camuflar a censura anterior.
“O Policarpo ajudou também, viu? Ia foder todo mundo. Mas você viu que
ele ficou com medo e recuou. Tenho certeza que recuou por causa de seu
nome”, revelou o bicheiro, para a satisfação do ex-senador do DEM.
Dono da situação, Cachoeira passou a pautar todo tipo de reportagem, a
fim de favorecer os negócios da Delta. Em um grampo de 29 de junho de
2011, o bicheiro conversa sobre uma notícia encomendada a Veja por
Abreu. Tratava-se de uma reunião de 70 construtoras da Associação
Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) para encaminhar a
licitação de uma obra na BR280, em Santa Catarina. A reunião, marcada
para acontecer em Curitiba, segundo Cachoeira, seria em 1º de julho de
2011.
O evento era um prato cheio. Naquela mesma semana, a sucursal de
Brasília preparava uma reportagem sobre supostos esquemas de corrupção
no Ministério dos Transportes. Os alvos eram o então titular da pasta,
Alfredo Nascimento, presidente do PR, e Pagot. Em uma conversa captada
pela PF, Cachoeira e Abreu combinam a infiltração de alguém da revista
na reunião e a retirada estratégica dos representantes da Delta do
evento. O bicheiro e o diretor da empreiteira mal conseguem se segurar
de tanta excitação:
Carlinhos Cachoeira – Teve com Policarpo?
Cláudio Abreu – Cara, show de bola, achei que ele ia beijar minha boca.
Em seguida, traçam a estratégia de infiltração de um repórter, de preferência Policarpo Jr.
Cláudio Abreu – Já mandei o pessoal da Delta sair, né? Que nós não
vamos participar da obra. Então falei para eles ir (sic) lá. Ele
[Policarpo] vai lá. Falou: “Tem jeito de entrar?”. Falei:”Tem, cara,
você infiltra lá e grava a conversa, o sorteio, vão sortear duas obras.”
Ele tem de falar que é de uma empreiteira. Talvez, dar caução.
Carlinhos Cachoeira – Ele vai fazer o trem? Vai tá lá?
Cláudio Abreu – falou que ia mandar gente.
No dia seguinte, 30de junho, Cachoeira apressa-se em ligar para
Demóstenes para contar sobre a reunião da Aneor, em Curitiba. “Passei um
trem para o Policarpo aí hoje, que ele vai bamburrar, viu?”, conta o
bicheiro ao ex-senador do DEM. “Só guarde para nós aí, que ele vai
infiltrar lá.” Demóstenes não se contém: “Show de bola, show de bola! Aí
vai ser de derruba.” Cachoeira dá os últimos detalhes e pede sigilo
sobre a operação: “Não conta pra ninguém, ele vai com filmadora e tudo.”
A reportagem “O mensalão do PR” gerou uma crise imediata na cúpula do
Ministério dos Transportes, mas não conseguiu derrubar o ministro
Alfredo Nascimento. Um dia depois, em 2 de julho de 2011, Cachoeira
voltou a conversar com Abreu para falar da repercussão.
Cláudio Abreu – Rapaz, o [Policarpo] Junior, o amigo nosso em
Brasília, é mais forte que Aldrin 40 (agrotóxico inseticida). Você
chegou a ler a matéria dele hoje, não é?
Carlinhos Cachoeira – Não. O que ele falou? Foi boa?
Cláudio Abreu – “Agora, às 15 horas e 12 minutos, a presidente Dilma
Rousseff convoca o ministro dos Transportes e manda afastar todos os
citados na reportagem da Veja.” Entra no site do UOL que você vai ver. A
matéria ficou boa pra caralho, ele citou a reunião [da Aneor, em
Curitiba], cara.
Carlinhos Cachoeira – Você é forte também, hein, Cláudio!
Cláudio Abreu – Você que é forte, amigo. Ainda bem que sou seu amigo.
Eu já mandei uma mensagem pra ele [Policarpo], manda uma pra ele. Ele
tem um Viber [aplicativo de mensagens para celular], manda um Viber pra
ele. Eu botei assim: “Sua matéria já deu repercussão, você é mais forte
que Aldrin 40.” Ele respondeu: “Já? Já teve repercussão?” Falei: “Veja o
site do UOL.” Falou: “Vou ver, abraço.”
Um dia após a saída de Nascimento dos Transportes, em 7 de julho de
2011, Cachoeira falava como se fosse chefe de Policarpo Jr. Naquele dia,
o bicheiro iniciou um forte lobby para promover um apadrinhamento
político instalado no governo Perilo, o secretário estadual de Educação,
Thiago Peixoto. Em mais uma conversa interceptada pela PF, Cachoeira
diz para Abreu: “Você está com Policarpo Junior? Fala para ele
fazer uma reportagem aí. O Thiago tá fazendo uma revolução na educação
aqui. Manda ele designar um repórter pra cobrir.”
Havia um interesse comercial. Em uma conversa de 9 de junho de 2011,
Cachoeira fala com um comparsa da quadrilha, Gleyb Ferreira da Cruz,
sobre um projeto de construção de escolas de baixo custo em Goiás.
“Comenta com ninguém não, mas o Thiago [Peixoto, secretário de Educação]
passou o modelo pra nós, tá? Vai alugar várias escolas no estado,
entendeu? E vamos construir, porque na hora que sair [a licitação], tá
pronta, é só fornecer”, diz o bicheiro. Em dezembro do mesmo ano, a capa
da Veja seria inspirada em um projeto de educação “de qualidade e baixo
custo” na China.
Não foi surpresa nenhuma para a PF e para CPI, portanto, quando a 15
dias a mulher de Cachoeira, Andressa Mendonça, tentou chantagear o juiz
federal Alderico Rocha Santos com um dossiê, segundo ela produzido por
Veja. Andressa teria dito, contou o juiz: “O senhor conhece Policarpo Junior?
O Carlos [Cachoeira] contratou o Policarpo para fazer um dossiê contra o
senhor. Se o senhor soltar o Carlos, não vamos soltar o dossiê.”
O bicheiro continua preso e Andressa teve de pagar uma fiança de R$100 mil para não acabar no xadrez (
clique aqui).
Policarpo Junior corre o risco de ser convocado, na qualidade de indiciado, à CPMI do
Cachoeira.