terça-feira, 9 de março de 2010

Discussão das Cotas

Temos que dar a mão à palmatória: o DEM (antigo PFL) conseguiu provocar um debate nacional. Ao entrar com uma ação de inconstitucionalidade diante da política de cotas raciais usadas por universidades públicas, não só confirmou sua marca de elite preconceituosa como também provocou uma bela produção no debate do assunto.

O STF - Supremo Tribunal Federal - deverá julgar a ação brevemente. E para procurar elementos para sua decisão, provocou audiências públicas nos dias 03 a 05 de março deste ano. E os debates estão interessantes. Se você quiser acompanhar com detalhes o que foi discutido no STF, entre aqui para ler.

Um artigo que expressa muito o que penso foi publicado no portal da CARTA CAPITAL. Peço licença para reproduzí-lo abaixo.

Uma verdade irrelevante.

Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa

Sim, as diferenças genéticas entre as chamadas “raças humanas” são insignificantes e a cor da pele é determinada por apenas algumas dezenas de genes entre os trinta mil que formam o genoma humano. Mas e daí?

O argumento "biologicamente não há raças, então não pode haver cotas raciais", mais que falho, é desonesto. Foi o mesmo usado por S. E. Castan, editor de livros antissemitas e neonazistas ao ser condenado em 1998 com base nas leis que punem manifestações de preconceito racial: “os judeus são uma etnia, e não uma raça, portanto, antissemitismo não é racismo”. O STF não aceitou o argumento e confirmou a condenação a dois anos de prisão.

Não há porque levar mais a sério um Ali Kamel. Que as diferenças étnicas sejam geneticamente irrelevantes não impediu que milhões morressem em genocídios nos campos de extermínio alemães, na Bósnia ou em Ruanda e que um número muito maior de pessoas tenha sofrido ou ainda sofra humilhações e discriminações por serem negros nos EUA ou no Brasil.

Uma verdade irrelevante, uma desconversa. É o que se pode dizer das lições de genética com as quais se quer desmerecer a discussão sobre políticas de ação afirmativa. O racismo brasileiro é um fato social e histórico que não há como negar de boa fé. Ignorar isso e falar de genética é apenas uma tentativa de mudar de assunto, tanto quanto seria recorrer à química para afirmar que negros e brancos são feitos das mesmas moléculas. Ou quanto filosofar sobre a irrelevância ética dos valores monetários e o caráter ilusório da felicidade para negar que há diferenças entre ricos e pobres.

A diferença de renda entre brancos e negros é grande e está aumentando: de 2004 a 2008, segundo a PNAD, a diferença entre as rendas médias dos negros (incluindo “pardos”) e dos brancos no Brasil se ampliou. A renda média dos brancos aumentou 115% em termos nominais, chegando a renda média familiar per capita de R$ 791 e a dos negros apenas 99%, ficando em R$ 398.

Isso embora a diferença de escolaridade entre as duas populações tenha diminuído: na verdade, os efeitos da discriminação mostram-se mais importantes quando se considera negros e brancos mais escolarizados. Em São Paulo, um branco com fundamental incompleto ganha 19% mais que um negro com igual instrução, enquanto um branco com curso superior completo ganha 41% mais que um (raro) negro nas mesmas condições.

Para os racistas, tanto os poucos que recorrem a teses biológicas para justificar seus preconceitos quanto para a maioria que discrimina sem pensar, não importa o fato biológico de que há mais genes envolvidos em variações genéticas individuais do que na diferença entre etnias. Nem a consequência óbvia de que, caso precisem de uma transfusão ou transplante, é perfeitamente possível que o sangue ou órgão de uma pessoa de outra raça se mostre mais compatível com o seu do que o de um parente.

A maioria deles simplesmente não se sente confortável em compartilhar os mesmos espaços e ter de tratar de igual para igual alguém de diferente cor de pele, que “não deveria estar ali”, concorrendo com seus filhos ou com sua própria carreira. Não é preciso que se ponham cartazes para dizer explicitamente “white only”, não é preciso que se organize uma Ku-Klux-Klan: basta o consenso silencioso de que o negro deve ficar “em seu lugar”.

Dito isso, é cabível discutir se favorecer negros e indígenas na seleção dos candidatos ao ensino superior é a melhor forma, de combater o preconceito racial a curto prazo, ou a que deveria receber maior prioridade aqui e agora. As estatísticas mostram que a discriminação continua a existir entre negros e brancos portadores de iguais diplomas: talvez seja mais importante combater o preconceito na seleção profissional, na disputa de vagas no mercado de trabalho e na pós-graduação. Também é perfeitamente razoável discutir se é preferível que o preconceito racial seja compensado por meio de cotas ou de diferenças de pontuação e como isso deve ser combinado com a consideração de outros fatores, como a renda. Mas falar de genética para fingir que o problema não existe é desconversar para desinformar.

Para o jurista Fábio Konder Comparato, a adoção de cotas raciais nas universidades públicas “não apenas é constitucional, como a ausência desse tipo de política representa uma inconstitucionalidade por omissão”. Confira a íntegra da entrevista concedida à CartaCapital.

Na própria página do artigo de Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa, outras reportagens a respeito são indicadas. Vale a pena conferir.

E o debate está aberto!!!


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