sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Presidente da Alemanha renunciou

Da Carta Maior


Num movimento algo surpreendente, algo não, o presidente da Alemanha Christian Wulff anunciou num pronunciamento ao vivo na TV, às 11 horas da sexta-feira (08 horas em Brasília), 17 de fevereiro, sua renúncia ao cargo. Curiosamente, no momento em que a 62ª edição da Berlinale chega ao seu apogeu, o caso tem a ver com cinema. Diante da gravidade da crise, a chanceler Ângela Merkel cancelou viagem que faria à Itália para reunião com o primeiro ministro Mario Monti e o presidente Giorgio Napolitano.

A surpresa veio do motivo imediato da renúncia. Num movimento inédito na história pelo menos da República Federal da Alemanha (do pós-Segunda Guerra), a Promotoria (o Ministério Público, em termos brasileiros) do estado de Nieder-Sachsen (Baixa Saxônia), com sede em Hannover, pediu ao Bundestag (Parlamento Nacional) que suspendesse a imunidade do presidente para investigá-lo e eventualmente processá-lo por corrupção ativa e passiva.

A denúncia se prende à relação do atualmente já ex-presidente com um produtor cinematográfico seu amigo, David Groenewold ao tempo em que aquele era primeiro ministro do estado. Wulff teria favorecido a obtenção de empréstimos para financiamento de filmes para seu amigo, e depois este ofereceu àquele férias gratuitas em hotel de sua propriedade, numa praia alemã. Para complicar, a Promotoria levantou que durante quase um ano Wulff usou um celular de propriedade do amigo, e que, depois das férias, quando o caso começou a se avolumar, Wulff pediu ao hotel recibos forjados como se ele mesmo tivesse pago pela temporada.

Esse último capítulo do drama seguiu-se depois de uma verdadeira batalha campal entre Wulff e parte considerável da mídia alemã, sobretudo com o jornal sensacionalista Bild, mas também com a vetusta revista Der Spiegel, em torno do seu comportamento.

Tudo começou ao final de 2011, quando a Bild preparou reportagem sobre um empréstimo de 500 mil euros que Wulff recebeu de um outro amigo para a compra de uma casa, quando era chefe de governo da Baixa Saxônia. Ocorre que, na época, questionado por um deputado estadual do Partido Verde, Wulff negara ter recebido o empréstimo.

Inicialmente, Wulff tentou 1) impedir a publicação da matéria, segundo a direção do Bild; 2) retardar a sua publicação, segundo o ex-presidente.
Ocorre que isto foi feito através de um telefonema ao diretor do jornal, que promovera a carreira política de Wulff, em que este se destemperou e disse cobras e lagartos ao ex-parceiro. Que cobras e lagartos, não se sabe; mas devem ter sido pesados, algo incompatíveis com o linguajar em público de um presidente. Para azar deste, seu destempero foi feito na caixa postal do telefone, ficando gravado. Embora a gravação não tenha sido divulgada (tratava-se de um telefonema privado do ex-presidente), ela ficou pendurada como uma bola de ferro no pescoço de Wulff.

A partir desse telefonema, que não impediu nem retardou a publicação da denúncia, uma parte da mídia alemã assumiu o caso como uma “ameaça à liberdade de imprensa”, e passou não só a denunciá-la, como a esquadrinhar a vida de Wulff.

Wulff se divorciara de sua primeira esposa diretamente para casar-se com a segunda, Bettina. Como Wulff é católico, isso foi explorado como um comportamento “excêntrico”, digamos. Ele levava uma vida de luxos e freqüentadora de altas rodas sociais da burguesia alemã e européia: isso desagradava o “padrão ético weberiano e protestante (luterano)” que um presidente alemão deveria supostamente seguir.

Para complicar, Wulff foi se enredando em “declarações esclarecedoras” que nunca esclareciam completamente o caso, e assim foi se desgastando numa batalha midiática. As pesquisas de opinião, que inicialmente o favoreciam, foram progressivamente se voltando contra ele e pondo em dúvida sua honestidade pessoal.

Certamente contribuiu para esse desenvolvimento a situação peculiar que a Alemanha vive diante da crise financeira e das dívidas públicas que varre a Europa. Para boa parte da mídia boa parte das pesquisas de opinião, a Alemanha, ao impor a política dos “planos de austeridade” que vão devastando vários países do continente, tornou-se um “exemplo”, uma espécie de “reserva moral” da Europa. Um presidente de vida luxuosa e declarações dúbias algumas, falsas outras (sobre o empréstimo, Wulff, que já o negara, afirmou ainda te-lo recebido da mulher do amigo, o que não era verdade: fora deste mesmo), tornou-se incompatível com esse novo “nacionalismo germânico”, não baseado mais (felizmente) em superioridades raciais ou culturais, mas numa superioridade moral.

O desgaste se avolumou, e culminou neste episódio da Promotoria pedir a suspensão de sua imunidade. Na sua renúncia, Wulff declarou que nos últimos dois meses ele e sua esposa tinham sido muito e repetidamente “feridos” pelas denúncias, que ele sempre se comportara “dentro da lei”, embora com erros que reconheceu (como no caso do telefonema), mas que um presidente ameaçado de investigação e processo era incompatível com o efetivo exercício do cargo em nome do bem estar dom país. Saindo da sala da entrevista, no Palácio Bellevue, Wulff parecia mais amargurado do que aliviado.

Wulff é o segundo presidente consecutivo da Alemanha que renuncia. O primeiro foi Horst Köhler, que renunciou em 2010 depois de declarações consideradas improcedentes sobre a presença militar alemã (que ela serviria aos interesses comerciais do país). Tal repetição fez com que alguns analistas questionassem a manutenção do cargo. Além disso, a renúncia de Wulff é um novo duro golpe para a chanceler Ângela Merkel, cuja coalizão de governo, apesar de sua popularidade pessoal como “condutora da crise”, está combalida, pela falência de seu parceiro FDP, que hoje não ultrapassaria a cláusula de barreira de 5% dos votos para ter assento no Parlamento.

Num pronunciamento logo após a renúncia, Merkel cometeu uma gafe para alguns analistas. Não sei se foi descuido ou algo de caso pensado. Acontece que logo depois da renúncia de Wulff, o primeiro partido a se pronunciar sobre o momento foi a Linke, cujo porta-voz declarou que era imediatamente necessário, na circunstância, pensar num candidato suprapartidário (o Colégio Eleitoral previsto na Constituição tem 30 dias para eleger um novo presidente). Logo após o SPD e o Partido Verde concordaram com a posição da Linke.

No seu pronunciamento, Merkel, depois de agradecer a Wulff e sua esposa Bettina, disse que iria, primeiro, se reunir com os correligionários FDP e CSU (da Baviera) e depois com os partidos de oposição: o SPD e os Verdes. Omitiu a Linke, que é um partido que tem 76 cadeiras no Bundestag, e não pode ser tapado com nenhuma peneira. A declaração pegou mal, numa situação em que a Linke tem várias de suas lideranças, no Bundestag e fora dela, cujas atividades vem sendo investigadas pela Polícia Secreta alemã, e cuja existência tem sido questionada por políticos da CSU e da própria CDU.

Para a sucessão de Wulff, até o momento, vários nomes vêm sendo cogitados. O mais citado – inclusive como suprapartidário, é o de Klaus Töpfer, um político da CDU, mas que se notabilizou como membro do Comitê da ONU para o Meio Ambiente e como membro da Comissão de Ética sobre Energia Atômica na Alemanha.

Também são citados os nomes de:

1) Joachim Gauck, pastor protestante da ex-DDR, considerado um militante anti-comunista, que foi candidato do SPD e dos Verdes, em oposição a Wulff, mas sem o apoio da Linke.

2) Norbert Lasmmert, presidente do Parlamento Nacional.

3) Wolfgang Schäuble, atual ministro das Finanças.

4) Usula von der Leyen, atual ministra do Trabalho, apontada como uma possível sucessora de Ângela Merkel.

5) Thomas de Mazière, atual ministro da Defesa.

6) Katrin Göring-Eckardt, liderança do Partido Verde no Parlamento.

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