sábado, 25 de fevereiro de 2012

A revolução inacabada - Entrevista

Da Carta Capital

Por J.R. Penteado

Mais de duas centenas de pessoas se aglomeram para ver uma jovem egípcia falar num auditório em Londres em 1º de fevereiro. Maquiagem no rosto, ela discorria sobre seu país para um público atento. “O que está acontecendo hoje no Egito é uma revolução em andamento.”

Rosto da revolução egípcia, Gigi Ibrahim fala sobre o futuro político no Egito e critica nações ocidentais. Foto: J.R. Penteado

Aos 25 anos, Gihan Ibrahim, conhecida como “Gigi”, é membro da organização trotskista Revolucionários Socialistas e se tornou conhecida graças à Internet. Da linha de frente dos protestos que estremeceram o Egito desde o ano passado, ela transmite ao público informações que nenhum outro correspondente de um grande veículo consegue transmitir – munida apenas de um Blackberry e de sua conta no Twitter (@gsquare86).

Por meio do seu blog (http://theangryegyptian.wordpress.com), Gigi publica vídeos e fotos de manifestações na Praça Tahrir, confrontos com as forças de segurança e textos críticos em relação aos novos mandatários egípcios. Virou assunto e matéria de capa em algumas das principais publicações internacionais.

A ativista deu duas palestras, no início de fevereiro, na Universidade de Londres e na Goldsmiths College. Pouco antes do último evento, ela concedeu entrevista a Carta Capital. Fazia menos de 24 horas que o país voltara ao centro do noticiário mundial: mais cedo, cerca de 70 pessoas haviam morrido após uma partida de futebol em Port Said.

Por que você foi escolhida como um dos rostos da Revolução Egípcia?
A mídia ocidental me retratou como esse rosto aceitável porque não uso véu, falo inglês, e pareço adequada aos valores do Ocidente. Isso apenas mostra ignorância e os estereótipos. Creio que adquiri atenção por estar nos protestos o tempo todo. Mas foram os egípcios que não se vestem como eu e não parecem comigo que foram o coração dessa revolução. Olhando dessa perspectiva, me torno irrelevante. Sou só a ponte que relata as histórias para a esfera internacional.

O que achou da cobertura dessa mídia durante os protestos?
Os países ocidentais apoiaram os ditadores, e isso foi ignorado. E, agora que as pessoas têm se revoltado e expulsado os ditadores amparados pelo EUA e os países ocidentais, eles [a mídia ocidental] falam sobre a “Revolução do Twitter” ou a “Revolução Facebook”. Isso deixa as coisas totalmente superficiais.

A blogueira, antes da palestra. Foto: J.R. Penteado

Ignoraram as raízes dessa Revolução e lutaram contra ela ao apoiar os ditadores por tanto tempo. Então agora eles estão tentando dizer a nós que são amigos da Revolução, quando na verdade eles ainda estão apoiando o Conselho Militar ao conceder 1,5 bilhão de dólares por ano. Esse dinheiro é usado para matar egípcios. O fato, com a participação nas lutas e passando as informações necessárias da realidade, nos contrapomos à ignorância e à superficialidade do preconceito da mídia e fazemos as pessoas pensar diferente.

Qual o verdadeiro papel desempenhado pelas redes sociais nos protestos no Egito?
As redes sociais só têm sido usadas como uma ferramenta – e isso não significa que todo mundo vai se comunicar com essa ferramenta. Quando você tem censura de imprensa, você tenta achar caminhos alternativos, no YouTube, Facebook, Twitter. São apenas algumas mídias, mas elas não mobilizam pessoas. No fim das contas, as pessoas vão para as ruas como lutadoras e não por causa de um evento do Facebook.

Mas elas foram cruciais?
Foram importantes. As pessoas poderiam passar informações precisas de pessoas que elas conheciam e estavam presentes in loco durantes os confrontos. Isso deu muita credibilidade. É jornalismo cidadão. As pessoas não sabiam como uma revolução funcionava até eles virem a revolução na Tunisia. Essas imagens mexem com suas memórias históricas. E é através de fotos e clipes e vídeos que você realmente toca as pessoas.

Um dia antes da queda, Mubarak fez um discurso na TV assegurando sua manutenção no poder. No dia seguinte, foi derrubado. O que aconteceu nesse meio tempo?
O que foi crucial foi o que aconteceu nos últimos 3 dias dos 18 dias de protestos, quando os trabalhadores entraram em greve. Eles não estavam apenas saindo da praça Tahrir e voltando para os locais de trabalho.

Após levante, futuro político no Egito ainda é incerto. Foto: Odd Andersen/AFP

Eles entraram em greve demandando a queda de Mubarak, e foi isso o que derrubou o regime. Não foi só apenas Tahrir, foram os trabalhadores, as greves de massa nas fábricas. E é isso que será necessário para completar essa revolução e derrubar o regime inteiro.
Fomos capazes de derrubar a cabeça do regime, mas não o regime próprio, ele ainda está vivo e se mexendo pelo Egito inteiro. E serão necessárias greves e mobilização geral, na praça Tahrir, nas universidades e nas fabricas pra essa Revolução se completar.

Muitas pessoas foram mortas. Você perdeu alguém próximo?
Perdi muitos amigos. Vi pessoas serem mortas na minha frente. Eu tenho um grande amigo que perdeu os dois olhos. Outro grande companheiro perdeu seu olho direito. A contra-revolução está deliberadamente cegando a revolução, eles estão deliberadamente mirando suas munições menos letais nos olhos dos manifestantes, e apesar de tudo isso, a mobilização está crescendo. Também vem crescendo um sentimento muito forte contra os militares, especialmente depois do que aconteceu na partida de futebol entre Al Ali x Port Said. Eles estavam tentando criar caos e não preveniram nenhum daqueles agressores contratados de atacar os manifestantes ao abrir os portões para eles e fechando o portão das pessoas que estavam sendo atacadas para evitar que elas fugissem. É por isso que mais de 70 pessoas morreram.

Você culpa o Conselho Militar pela tragédia?
O Conselho Militar e a policia orquestraram isso. Você não vai a nenhuma partida de futebol sem ser revistado. Como essas pessoas tinham armas brancas? Tudo aconteceu bem debaixo dos olhos da policia e dos militares, e eles não evitaram.

Qual sua opinião sobre a Irmandade Muçulmana?
A Irmandade Muçulmana tem tanta participação do antigo regime, que ainda existe, quanto o próprio Conselho Militar. Eles têm sido um grupo cooptado desde o começo. Muitas das pessoas nas lideranças são homens de negócios e profissionais com interesses escusos. Eles só usam a retorica islâmica para mobilizar as massas e isso é normal num pais conservador.

A blogueira concede entrevista em Londres. Foto: J.R. Penteado

Mas quando olhamos as suas práticas políticas, vemos que eles não são melhor que a NDP [partido de Mubarak], e na verdade eles são a NDP com barba.
São homens de negócios, capitalistas oportunistas que farão negócio com quem quer que esteja no poder.
Entretanto, a juventude deles tem participado ativamente nessa revolução. Para mim, o maior exemplo do quão oportunista e antirrevolucionária é a Irmandade Muçulmana foi o que aconteceu na sexta-feira 27 (de janeiro), quando seus membros formaram uma corrente humana ao redor do Parlamento evitando que milhares de manifestantes protestassem. Eles foram oprimidos por anos no regime de Mubarak e agora eles estão fazendo a mesma coisa.


Como estão as forças políticas no Egito?
É um espectro muito bom, acredito. E está ganhando estrutura, na medida que a revolução progride. Tem na extrema direita os salafistas e a Irmandade Muçulmana. E os partidos liberais e seculares no centro, como os apoiadores Baradei. Há os sociais democratas e os liberais democratas.
E um bom número de grupos na esquerda, incluindo os Revolucionários Socialistas, novas correntes socialistas e algumas outras fragmentações de grupos de esquerda.
Também tem grupos anarquistas e isso é um bom sinal. Mesmo que eu não concorde com eles, e minha ideologia e atuação política não sejam alinhadas com os anarquistas, tê-los lá, como uma força política, definitivamente equilibra as coisas. Pois você tem a extrema direita e você precisa da extrema esquerda para equilibrar as coisas. Então isso é bom

A Revolução vai triunfar?
Não tenho duvida. Claro que tenho algumas preocupações. Mas toda revolução demora 3 ou 4 anos. Não seremos capazes de ver o que essa Revolução tem feito senão daqui anos. Porque não terminou. Alguns momentos haverá altos e baixos, derrotas e vitórias, e algumas vezes nós estaremos em exilio e em prisão, e em outras vezes vamos tentar tomar o controle. Mas até os trabalhadores estarem organizados e a revolução social começar, nada vai estar pronto. Então essa é nossa esperança para que essa Revolução se torne uma revolução social para então se tornar uma revolução permanente.

Como você se tornou uma ativista política?
Eu sempre fui interessada em política. Desde o colegial eu sabia que queria estudar ciências politicas. E meu pai não pagaria pra que eu estudasse ciência políticas, então tive que ir pra uma universidade comunitária, porque eu queria estudar politica de qualquer forma.

Foto: J.R. Penteado

Por causa da diferença politica que eu e meu pai temos, a gente sempre está em desacordo, e criamos um monte de lutas internas, além das minhas lutas externas. Mas essa é a minha escolha agora.
Mesmo tendo vindo de uma família capitalista, a gente sempre tem uma escolha. Eu sou uma adulta agora, eu posso escolher, eu não preciso seguir os passos do meu pai.
Eu amo ele, claro, ele é meu pai, e é por isso que eu tento separar politica das questões pessoais pessoal, mas é duro, e não é sempre uma coisa fácil de lidar.

Houve um acontecimento específico que a fez se tornar uma ativista política?
Eu morei nos Estados Unidos de 2001 a 2008, e durante aquele tempo eu não sabia exatamente o que acontecia no Egito. Eu estava totalmente concentrada em ativismo na Califórnia, militando nas causas dos direitos dos imigrantes ilegais ou nos movimentos antiguerra, antiguerra do Iraque, e essas causas particularmente não eram muito relevantes pro Egito.
Mas então eu pedi transferência para a Universidade Americana do Cairo e comecei a estudar as mobilizações do Egito e entender as coisas, a história que ocorreu no país, com as revoltas e as lutas trabalhistas.
E o que me realmente me inspirou foi a Intifada de Mahala, em 2008 [revolta na cidade de Mahala contra o preço do pão, duramente reprimida pela polícia], e foi quando eu entrei para os Revolucionários Socialistas e a “revolução” aconteceu (risos).

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