quinta-feira, 7 de abril de 2011

Hoje Não me Sinto Cidadã - Artigo

Do Luis Nassif - vale a pena ler os comentários

Eleonora Ducerisier

Hoje não me sinto cidadã. Cidadã de nação alguma, de país algum. Desejo esquecer o idioma que falo. Desejo me desfazer de qualquer coisa que me caracterize e que indique, mesmo que de forma remota, que eu compactuo com o mundo ao meu redor.

Enlouquecemos.

Essa é uma carta de repúdio. Repúdio à atrocidades, repúdio à conivência, repúdio à impossibilidade de se viver em paz. Peço que nenhum filósofo de plantão se levante esclarecendo que a paz é um conceito relativo e que isso e que aquilo. Respeitem a minha condição de ser vivo apenas, não quero racionalizar, não posso elevar meu medo à transcendência. Calem-se todos os que dirão que o ser humano é imperfeito e que nossa angústia é lírica. Vocês também sentem dor, também sentem medo e tenho certeza que correm ao ouvir um disparo. É ao estampido, à corda no pescoço, ao abuso sexual, ao desvio de verba destinada a erguer um hospital, ao mau professor, a falta de empatia e compaixão que eu dirijo minhas palavras.

Não é possível não se fazer nada.

Não é um problema da nossa pátria amada tão desgarrada e que nos pari aos milhões, é global. É a única coisa realmente democrática nesse mundo: a selvageria e a estupidez humana. Culpem quem quiserem culpar, isso não altera em nada. Se não é o governo, é a desigualdade, a condição humana. É tudo.

Não vamos culpar ninguém, foi dito, não fará diferença. Vamos nos responsabilizar pelo quinhão que nos cabe. Cada um de nós, brasileiros, americanos, suíços, japoneses, congoleses, e todos os outros adjetivos pátrios que há, somos os responsáveis pelas dores individuais e coletivas. Em grande e pequena proporção.

Hoje me doeu ler que crianças foram mortas numa escola. E não sou uma fútil de me emocionar com o que é relatado, de forma sensacionalista e clichê, pela grande imprensa. Nem uma simplória de achar que essa é a pior coisa que possa acontecer. Sou uma hipócrita. Que hoje sentiu as bases de sua hipocrisia abalada, já que a dissolução de nossa sociedade é tão clara, que nem mesmo eu posso fingir que não a vejo.

É evidente demais, é claro demais, é triste demais e é o suficiente. Não é possível viver de olhos fechados o tempo todo.

Ouvi culparem os islâmicos, a pobreza no país, a falta de segurança nas escolas, a existência de armas, mas alguém por favor desperte! Armas não se disparam sozinhas! Não é um problema terceirizado, não é um problema do lado de fora. É algo interno, é um problema humano, de conduta, de escolhas. Somos nós os problemas. Nossas escolhas, nossas postura enquanto indivíduos. Seria impossível descrever a bola de neve que uma atitude impensada pode ter. Mas são essas atitudes que nos remetem de volta à barbárie. De que adianta qualquer passo em direção a um futuro, se ele representa um retrocesso? Sociedades anteriores a era cristã eram mais equilibradas do que a nossa... E sociedades são compostas por indivíduos. O desequilíbrio é nosso. É seu, é meu, é de todo mundo. Nos tornamos um arremedo da evolução, crescemos ao contrário. Tecnologia nunca foi e nunca será sinônimo de evolução. É apenas poder. Somos boçais.
Não há um único culpado por situações de atrocidades. Nada justifica o indizível. Hoje eu demonstro meu repudio ao indivíduo humano, à unidade transformadora que aperta o gatilho, que viola um outro ser, que se compraz na falta alheia, que se compraz com a dor alheia.

E a todos os organismos formados por essas unidades, aos meios de comunicação, aos governos e aos sistemas, às elites e massas dominantes, aos dominados e servis, aos bancos,aos mercados, aos carros, às sacolas plásticas, às igrejas, aos ignorantes, aos desumanizados, aos intelectuais, aos artistas, às artes, às necessidades, aos egoísmos, às instituições, a todos e todas: espero que daqui 500 anos quem olhe pra trás se arrepie com nossa brutalidade.

Eleonora Ducerisier

Um comentário:

  1. Olá, eu sou a tal Eleonora, muito obrigada pela atenção. Como eu já disse, gostaria que esse texto fosse ficcional... um grande abraço!

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