sexta-feira, 20 de maio de 2011

Polêmica Desnecessária

Do Portal Cenpec

Teve início na semana passada polêmica em torno do livro “Por uma Vida Melhor”, que integra a coleção Viver,Aprender, direcionada à educação de jovens e adultos. A obra, previamente avaliada por uma comissão de especialistas, foi distribuída a 484.195 alunos de 4.236 escolas de todo o País pelo Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional do Livro Didático para essa modalidade.

O trecho do livro que gerou debates acalorados na imprensa trata das diferenças entre a língua oral e a culta. O texto afirma que é possível falar, dependendo da situação, “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. Mas adverte que “corre-se o risco de ser vítima de preconceito lingüístico”. E conclui que “o falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião”.

No Portal do IG, o primeiro a levantar a polêmica, a questão foi abordada em notícia do dia 12/05 intitulada “MEC usa livro que ensina aluno a falar errado”. Ouvido pela Folha de S.Paulo, o linguista Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, critica o material: "Se o professor diz que o aluno pode continuar falando 'nós vai' porque isso não está errado, então esse é o pior tipo de pedagogia, a da mesmice cultural", diz. Em editorial da edição desta quarta (18/05), O Estado de S.Paulo acusa o MEC de "falta de rigor  no processo de escolha" das publicações didáticas que distribui e conclui que "ao impor a pedagogia da ignorância a pretexto de defender a linguagem popular, as autoridades educacionais prejudicam a formação das novas gerações".

Em nota, a Ação Educativa, ONG responsável pela coordenação pedagógica da publicação, reitera que “a abordagem é adequada, pois diversos especialistas em ensino de língua, assim como as orientações oficiais para a área, afirmam que tomar consciência da variante linguística que se usa e entender como a sociedade valoriza desigualmente as diferentes variantes pode ajudar na apropriação da norma culta”.

Defende ainda que “uma escola democrática deve ensinar as regras gramaticais a todos os alunos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e sem destituir a língua que falam de sua gramática, ainda que esta não esteja codificada por escrito nem seja socialmente prestigiada”.

A coordenadora geral da Ação Educativa, Vera Masagão, critica o modo como o assunto vem sendo abordado na imprensa. “Os jornalistas devem promover um debate educativo, que não leve os professores a um retrocesso no ensino da língua. Também é importante que esse debate seja contextualizado e não baseado em um trecho da obra, e sem que os autores sejam desrespeitados, que é o que vem acontecendo na imprensa. Vale enfatizar que o livro é voltado para adultos e em nenhum momento ensina a falar ou escrever errado”, afirma.

“Os comentários e opiniões sobre a questão sequer levam em consideração que se trata de um livro de EJA. Foi se produzindo uma série de confusões sobre o tema. Em momento algum, o livro está questionando se a norma culta deve ser ensinada. O debate foi evoluindo de uma forma que as questões ficaram emboladas, contribuindo muito pouco para esclarecer o assunto”, analisa o pesquisador do Cenpec, Maurício Ernica.

O MEC também se pronunciou oficialmente em nota, esclarecendo que “os livros apresentam objetivos coerentes e compatíveis com as Diretrizes Gerais da Educação de Jovens e Adultos. Propõem uma abordagem que considera uma situação de interlocução socialmente contextualizada, procurando levar em conta os saberes prévios dos alunos”. Afirma ainda que a obra segue os parâmetros curriculares nacionais, de 1997, que recomendam que “a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala”.

Para o professor do Departamento de Linguística da PUC-SP, Egon Rangel, trata-de se uma “falsa polêmica”, já que o livro segue rigorosamente as orientações oficiais para o ensino de Língua Portuguesa. “Os PCNs, as diretrizes curriculares, todos esses documentos afirmam que a variação lingüística deve ser objeto de ensino e que a norma culta deve ser introduzida na escola como uma das variantes da língua portuguesa, dentre outras”, lembra. “O livro faz exatamente isso: ensina a norma culta, esclarecendo que ela é uma das variantes da língua e que a variante de origem que o aluno eventualmente tenha – uma variante popular, por exemplo – é tão legítima quanto a norma culta”, salienta.

Um outro ponto levantado pelo pesquisador do Cenpec importante nesse debate está relacionado a um certo anacronismo da nossa gramática normativa. “Existe uma idealização da gramática, documentos que normatizam a língua e não correspondem à língua falada por ninguém. Diante disso, parece que todos erramos. Isso não é levado em conta nesse debate. Segundo ponto: a língua varia entre os grupos sociais e as regiões. E não é só no sotaque ou no vocabulário, mas nas construções que remetem a estruturas antigas da língua e a suas misturas com outras línguas. A língua não é homogênea. Cabe reconhecer isso. A variante culta não é a única”, enfatiza Ernica.

Por fim, ele ressalta ainda o viés político dessa polêmica. "Envolve quais saberes legitimamos, queremos ensinar, e o que consideramos menos importante”, analisa. “A posição do Cenpec desde sempre é a de reconhecer a diversidade cultural, sem perder de vista a importância que a cultura letrada tem”.

- Leia artigo assinado pela presidente do Conselho do Cenpec, Maria Alice Setubal, e pelo pesquisador, Mauricio Ernica, sobre a polêmica

Fabiana Hiromi

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