Golpe de Estado no Paraguai é afronta aos países democráticos da América Latina
Em menos de 30 horas, o Parlamento paraguaio conseguiu derrubar o presidente da República, Fernando Lugo,
e empossar o vice-presidente, Frederico Franco, principal opositor ao
mandatário deposto. Nenhum ministro da Suprema Corte se pronunciou
acerca do golpe de Estado em curso. Nenhum setor militar se rebelou
contra o retrocesso democrático. Pela expressão de surpresa do líder
impedido, nenhum informe dos setores de inteligência daquele país o
informaram que 99% do Congresso o estavam prestes a lhe puxar o tapete.
A desestabilização de Lugo, iniciada desde a eleição dele mas
intensificada há uma semana, por um massacre de sem-terra nos rincões do
país, perto da fronteira com o Brasil, não serviu de alerta ao
presidente para mobilizar a sociedade organizada e as instituições.
Sequer comentou com aliados de primeira hora como o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, amigo pessoal, da situação tensa em que vivia. Lugo,
ao que tudo indica, foi tragado em um bem engendrado plano para
afastá-lo, aproveitando-se de uma posição aparentemente isolada,
distante das bases que sustentaram sua vitória nas urnas.
Um país dividido entre dois partidos, ambos de direita, mostra à
América Latina o quanto é frágil a democracia no continente. A reação
popular dos paraguaios, de espanto, primeiramente, não pode ser avaliada
ainda, mas deixa para os próximos dias um suspense no ar, que torna
irrespirável a atmosfera de frustração e incredulidade que ora inunda o
país vizinho. A aparente tranquilidade do inquilino, despejado do
Palacio de los López por interesses aos quais não respondeu, durante
seus quase três anos por lá, deve-se ao adestramento nas décadas de
serviços prestados à Igreja Católica, de onde saiu como bispo. Apesar do
olhar fixo no horizonte, porém, apontou em seu discurso que as forças
do narcotráfico e do grande capital foram os principais algozes do seu
fracasso. Fracasso ao qual parece ter respondido muito prontamente. Sem
luta. Sem resistência.
Lugo, de saúde tão frágil quanto a sua capacidade de levantar os
movimentos sociais em defesa das conquistas democráticas, diz que sai
pela porta principal dos corações paraguaios. Mas sai. Não cogitou,
sequer um minuto, mobilizar a nação para assegurar uma trincheira que
não apenas ele representava, mas às forças populares submetidas a mais
de seis décadas de abusos por parte da elite. A mesma elite, branca e
rica, que festeja aos abraços, nos acordes do hino nacional, protegida
pela polícia que a defende e mantém a salvo da fúria popular,
concentrada a poucos metros dali, na Plaza de Armas.
Um golpe de Estado assim, às claras, não pode ficar sem resposta dos
países que respeitam a vontade legítima das urnas e sabem que a ameaça
ora concretizada naquele pequeno país sul-americano pesa sobre os
governos eleitos democraticamente. Exige uma resposta dura. Eficaz. É
evidente que os Estados Unidos estarão na primeira fila de cumprimentos à
nova administração, ao lado de seus asseclas. As tais ‘forças ocultas’,
que andam soltas ao Sul do Equador, conseguiram cravar a baioneta –
disfarçada de maioria parlamentar – em uma nação estratégica para seus
interesses na região. Mas precisam saber que não será fácil mantê-la.
Têm que aprender, de uma vez por todas, a se curvar diante a soberania
dos eleitores, e não à vontade dos dólares e do latifúndio.
A União das Nações Sul Americanos (Unasul) terá que dizer, agora, ao
que veio. Ao que se propõe. Se a um clube de ótimos convescotes ou a
organização dos países dispostos a enfrentar os desmandos da minoria
vendida aos interesses inconfessáveis do imperialismo.
Ou repudia o golpe, ou vira geleia.
Gilberto de Souza é editor-chefe do Correio do Brasil.
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