Paraguai explica a política hoje
Em primeiro lugar, deixemos registrado que a Folha de São Paulo, em
sua edição do primeiro dia útil da semana, logo depois de sua “porta”
ter sido “arrombada” pela internet, publicou as fotos da aliança que
fizeram Paulo Maluf e Fernando Henrique Cardoso em 1998, aliança que
teve direito até a outdoor. Aliás, vale mencionar que a foto do outdoor
que os dois políticos dividiram naquele ano, essa não foi parar na Folha
porque, também, ninguém é de ferro…
Mas as fotos mostram a tônica da política de nosso tempo, o tempo da Realpolitik,
que, aliás, de novo não tem nada, haja vista que nada difere do que foi
teorizado há séculos pelo formulador florentino Nicolau Maquiavel após
ter sido usada durante toda a história da humanidade, quando impérios
em guerra, que colocaram seus cidadãos para se matarem uns aos outros,
casavam os próprios filhos entre si e, assim, estabeleciam paz que, de
repente, seria rompida de novo. Ou pela primeira vez. Muitas vezes, até
por uma traição conjugal.
O que se pode dizer do mundo contemporâneo é que ficamos mais cínicos
e passamos a nos valer da Realpolitik por razões concretas em vez de
por birras de reis ou rainhas corneados (as) por seus consortes. E só.
Todavia, após séculos (ou milênios?), os sucessores de uma
aristocracia que não entendia nada de política – simplesmente porque
nada entendia de povo –, os quais saíram das massas para comandar o
Estado, passaram a exercer a política com maior competência, evitando
guerras desnecessárias, sendo, assim, maquiavélicos sem culpa, sob a
premissa do bem maior que alianças e rompimentos poderiam gerar ao bem
comum.
Alguém disse, recentemente, que faltou um PMDB ao presidente
defenestrado Fernando Lugo. Ou um Maluf. Talvez tenham faltado ambos.
Certamente faltaram alianças. Possivelmente por o deposto não ter
querido ceder “filhos” para o matrimônio, o que se entende por ceder em
programas sociais e interlocução com sem-terras.
A deposição extemporânea e apressada de Lugo remete ao medo do
processo de sua sucessão que estava à porta, sugerindo que os golpistas
não sentiram-se seguros em disputar com ele a formação do novo
congresso, que poderia lhe ser menos hostil.
Transfiram para o Brasil as eternas acusações de “corrupção” e
“incompetência” que a direita faz à esquerda quando ela sobe ao poder –
ou quando ameaça subir. Imaginem se Lula não tivesse alianças da
esquerda à direita, passando pelo centro. As investigações exaustivas
sobre seu envolvimento no mensalão deram em nada, mas as forças
políticas esperaram as investigações terminarem. Não se pediu seu
impeachement.
Até porque, em 2005 o processo eleitoral estava às portas, no ano
seguinte, e as forças políticas que se assanharam com um só mandato para
Lula acharam que o jogo estava jogado, após o bombardeio que fizeram da
imagem dele durante a eclosão de um escândalo em que era abertamente
acusado de mentor.
Se tivesse PMDB, PP e outras legendas menores de direita e
centro-direita na oposição aberta a si, Lula teria sucumbido em questão
de semanas, talvez um pouco mais de tempo do que Lugo. Mas,
provavelmente, não tanto mais.
O golpe no Paraguai desnuda o que acontece sem alianças políticas e
concessões. As acusações de “pragmatismo excessivo” e “endireitamento”
aos governos Lula e Dilma partiram e partem de forças que sabiam e sabem
que a Realpolitik é inevitável para manter o poder, para não ser destruído moralmente e, em casos extremos, até fisicamente.
É aceitável discutir esse império da conveniência sobre o direito e a
dignidade na política, mas só é aceitável se for uma discussão honesta.
A crítica a um dos que se valem da Realpolítik sendo feita pelos que
sempre se valeram, valem-se e não pretendem deixar de se valer dela
nunca é inaceitável, desonesta, hipócrita e atenta contra o bem comum.
Vejam Obama. Tinha tudo para revolucionar as Américas e o mundo.
Negro, ascendência africana, ainda que adotado pela aristocracia, era a
aposta no fim da supremacia branca, com a chegada de um negro ao cargo
de maior poder na Terra.
O que será que aconteceu com Obama? Será que se rendeu ou será que
entendeu? Talvez tenha descoberto que governar uma nação deixou de ser
submetê-la aos próprios desejos, nem quando são os mais nobres, até
quando são abjetos, meros caprichos como os de reis e imperadores de
outrora que detinham o poder de impor a própria vontade.
Governar, hoje, é tomar decisões amparadas em sentimentos coletivos,
tentando, ao máximo, sobrepor a justiça à injustiça, o que está longe de
ser o ideal, mas que é melhor do que era dado à aristocracia, àqueles
que, à diferença do que acontece no regime democrático, não precisavam
demonstrar coerência ou se explicar.
É confuso. Haveria que discutir a Realpolitik, haveria que discutir a
influência de grupos de pressão sobre governos, haveria que discutir a
autonomia de mandatários para deliberarem. Haveria que discutir muita
coisa.
O escritor e político alemão do século XIX Ludwig August von Rochau,
seguindo a idéia de Klemens Wenzel von Metternich de achar caminhos para
equilibrar as relações de poder, formulou a teoria da Realpolitik, da política “real”, a qual vige, prepondera ou, do contrário, gera o que se viu no Paraguai recentemente. Gostemos ou não.
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