Mídia sente efeito de críticas e deixa empregados divergirem
Vai passando despercebido um fenômeno poucas vezes visto na década
passada e que era raro até há pouco tempo, mas que parece estar
crescendo. Colunistas e comentaristas de renome na grande mídia estão
eventualmente divergindo dos patrões – ou, se preferirem, da “linha
editorial” dos veículos nos quais trabalham.
Ao longo dos últimos anos uma voz se levantou contra as posições
monolíticas que aprisionavam todos os colunistas e comentaristas da
grande mídia, sem qualquer exceção de relevo. Paulo Moreira Leite,
colunista da Época, em seu blog hospedado no portal da Globo passou a
divergir abertamente da ideologia e das posições políticas dos patrões.
Recentemente, mais dois jornalistas da Globo passaram a divergir da
empresa pontualmente, coisa que não faziam em questões nas quais a
grande mídia “fechava questão”. Ricardo Noblat e Miriam Leitão se
rebelaram, em alguma medida.
Noblat, por exemplo, chegou a reconhecer a inexistência de provas ou
indícios contra o governador petista Agnelo Queiróz e a existência de
fartura de provas contra o tucano Marconi Perillo no que diz respeito às
relações de ambos com Carlinhos Cachoeira. Além disso, tem se
posicionado claramente contra o golpe no Paraguai.
Miriam Leitão, por sua vez, apóia a Comissão da Verdade sem
investigação “dos dois lados”, farsa que pretende nivelar os crimes da
ditadura à resistência a ela. E também condenou o golpe no país vizinho,
ainda que tenha estragado tudo comparando a situação do Paraguai à da
Venezuela, onde a democracia funciona de forma impecável no que diz
respeito à vontade eleitoral do povo.
Já na Folha de São Paulo, Jânio de Freitas, que era o único a
divergir de verdade da linha editorial e com frequência menos pífia, vem
aumentando o próprio tom em um coro de divergentes do qual, talvez,
tenha sido pioneiro. Também reconheceu a farsa contra Agnelo e foi
peremptório ao condenar o golpe no Paraguai, no que teve a companhia de
Clóvis Rossi.
Nessa questão do golpe paraguaio, aliás, contabilizam-se as maiores
divergências com os editoriais dos jornalões que se viram nos últimos
anos. Folha de São Paulo, O Globo, Estadão e Veja cerraram fileiras em
torno dos golpistas, mas um contingente menos pífio de seus colunistas
desmontou os editoriais dos patrões nesse sentido.
O que aconteceu com esses colunistas? Por que decidiram fazer um
pouco de jornalismo? Pela primeira vez, em muito tempo, vejo divergência
de alguma expressão na grande mídia.
Claro que, em questões como o golpe no Paraguai ou a “culpa” forjada
de Agnelo Queiróz, a posição oficial dos grandes meios é avassaladora.
Os “editoriais” pró-golpe de Arnaldo Jabor no Jornal da Globo, por
exemplo, esmagam os textos discretos dos colunistas supracitados, QUASE
sempre publicados SÓ em seus blogs.
Todavia, nunca antes na história deste país se viu tamanha divergência no PIG…
Esse fenômeno, com certeza, é uma vitória da blogosfera e das redes
sociais. Não era mais possível que esses grandes veículos não
oferecessem nada a quem pensa e tem algum conhecimento de política. As
opiniões de Arnaldo Jabor, Reinaldo Azevedo e outros animadores da
platéia reacionária estão deixando de ser exclusividade.
Análises de melhor qualidade sobre a escandalosa deposição do
presidente do Paraguai como as que vêm fazendo Clóvis Rossi, Miriam
Leitão, Jânio de Freitas, Paulo Moreira Leite e Ricardo Noblat sugerem
que esses jornalistas ainda nutrem aspirações quanto à própria imagem
entre as pessoas de melhor nível intelectual. Mas será isso mesmo?
Já um Arnaldo Jabor, um Reinaldo Azevedo, um Augusto Nunes ou um Elio
Gaspari abdicaram há muito tempo do jornalismo. Só isso explica as
teses espantosas que formularam sobre um processo que jogou no lixo os
votos de um presidente legitimamente eleito, com grande apoio popular em
seu país e não menos apoio formal da comunidade internacional.
Nesse aspecto, chegam a ser incríveis os editoriais dos maiores
jornais do país. Isso e o espaço que a Globo deu a um palhaço de circo
como Arnaldo Jabor para ficar insultando os presidentes dos países com
os quais o Brasil mantém intensas relações institucionais e de amizade,
mas, claro, sem conseguir explicar o rito sumário que expurgou Lugo em
horas.
Todavia, o fato é que não confio nessa repentina conversão desses
colunistas ao bom jornalismo. Basta ver o que disse Miriam Leitão, que
haveria alguma contradição entre o Mercosul suspender o Paraguai e
aceitar a Venezuela como sócio pleno do organismo. Ela dá uma no cravo e
outra na ferradura.
Qual foi a ruptura institucional que a Venezuela promoveu? Chávez
está no poder pela vontade do povo. Todas as eleições foram auditadas
pela ONU, pela OEA e por centenas de observadores internacionais. E é
mentira que não se pode criticar o governo. Para comprovar, basta ir até
lá e comprar um jornal ou ver tevê.
A Globovisión, entre outras tevês, continua fustigando abertamente
Hugo Chávez. Seu adversário nas próximas eleições tem todo espaço na
mídia e apoio financeiro de que precisa. Quem praticou ruptura
institucional na Venezuela – ou tentou praticar – foi a oposição a
Chávez, não ele. Acusam Chávez de manter o povo ao seu lado.
Não existe uma só notícia de constrangimento da candidatura de
oposição venezuelana. Usam a recusa dessa oposição de participar das
eleições, há alguns anos, para acusar de despotismo um governo que
adquiriu maioria avassaladora, naquele pleito, porque seus adversários
se suicidaram eleitoralmente. E por vontade própria. Daí Chávez aprovou o
que quis, claro.
Ao comparar a situação paraguaia à venezuelana, portanto, Miriam
Leitão mostra que há algo errado em sua conversão e de seus pares ao
jornalismo. Parece que a grande imprensa sentiu as críticas de que
praticamente não se via divergência em suas páginas e, assim, escalou
alguns empregados para divergirem.
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