Grifei uma das respostas por considerá-la uma das mais objetivas e claras diante da dicotomia cotas raciais ou sociais
Cotas raciais e sociais na faculdade e em concursos: por que não debater?
Por: Vanessa Ramos e Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual
3,27% dos pretos e pardos concluíram o ensino superior,
contra 10,12% dos demais grupos étnicos (Foto: Bruno Spada. Agência
Brasil)
São Paulo – No debate sobre políticas de ações afirmativas no Brasil,
especialmente no estado de São Paulo, onde as universidades paulistas
são contrárias a medidas de cotas com recorte étnico-racial, a Rede Brasil Atual
fez entrevistas com diferentes representantes do poder público,
entidades, movimentos, estudantes e professores para indagar qual
alternativa avaliam ser mais adequada como medida inclusiva no ensino
superior. A pergunta foi apenas uma: "As políticas de inclusão,
especialmente as cotas, deveriam existir apenas para pobres ou também
para negros e indígenas?"
O tema é quente. A decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF)
de rejeitar ação do DEM contrária à política de cotas, raciais ou
sociais, deu segurança jurídica à continuidade das ações afirmativas no
ensino superior. Com isso, estudantes, professores e integrantes de
movimentos sociais retomaram movimento para pressionar as universidades
estaduais paulistas a mudarem a visão em torno do tema. O Conselho
Universitário da USP terá de debater a questão até o fim do ano. No
plano federal, o governo prepara a adoção de cotas em concursos
públicos, outro tema que deve ter desfecho ainda em 2012.
Enquanto a polêmica prossegue, o fosso de distância entre brancos e
negros diminui, mas continua imenso. O total de negros no ensino
superior aumentou quase oito vezes em dez anos, passando de 790 mil em
2000 para 6,2 milhões em 2010, segundo dados do Censo Demográfico do
IBGE antecipados pela Rede Brasil Atual. Apesar do
avanço, enquanto 3,27% dos autoidentificados como pretos e pardos têm
ensino superior completo, esse porcentual atinge 10,12% nos demais
grupos étnicos da população. Números que mostram que é necessário, no
mínimo, debater a questão.
Acompanhe as respostas a seguir.
Luiza Bairros,
ministra da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial
"O critério
social por si só não tem o poder de atingir diretamente os negros. Com as cotas
raciais você toma as desigualdades étnicas como um parâmetro importante, como
algo para ser efetivamente superado dentro da educação brasileira. As cotas
raciais provocam, do ponto de vista do alunato negro, outro tipo de estímulo,
pois eles percebem que há um espaço na universidade que está aberto também para
eles.
Assim, as
cotas raciais têm o poder de ampliar a expectativa dos estudantes negros. Eles
nem sempre são pegos nas escolas públicas. Temos várias evidencias, através de
discussões feitas com professores, que em muitas classes onde predominam alunos
negros, os professores passam todo do ensino médio sem nem tratar com eles a
questão do vestibular. Então, a cota racial faz os negros serem percebidos como
potenciais estudantes das universidades brasileiras."
Maíra Coraci Diniz, defensora pública do
estado de São Paulo e coordenadora do Núcleo de Combate
a Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública estadual
"Política afirmativa de cotas está intimamente
ligada à questão racial. Trata-se de uma compensação diante de séculos
de exclusão em razão do preconceito. É óbvio que o fator econômico é um
dos motivos que impedem o ingresso de estudantes de baixa renda nas
universidades, porém é fato que o estudante negro ou indígena tem em seu
caminho, além da questão econômica, uma carga de racismo secular que o
impede de ascender aos bancos acadêmicos. Se analisarmos as
possibilidades ofertadas a esses estudantes, diante daquelas ofertadas
ao estudante branco, é certo que este último tem muito mais chance."
Tamiris Nascimento, estudante negra do curso de Pedagogia da USP
"Sou extremamente favorável a todo e qualquer
projeto de cotas raciais que exista. Se existirem projetos que possam
contemplar as questões socioeconômicas e dos deficientes, melhor ainda.
Mas o que não pode se perder de vista é que as cotas têm de ser antes de
tudo raciais.
As cotas servem para denunciar o quão descabido é
o sistema de ingresso na universidade, o quão ineficiente é o sistema
de assistência estudantil dentro das universidades, o quão eurocêntrico e
racistas são os cursos da universidade. Elas servem para dizer à
sociedade: nós negros existimos e pasmem, somos maioria no Brasil."
Jorge Mota,
chefe de gabinete da deputada Nice Lobão (PSD-MA), autora do Projeto de Lei
180, de 2008
"Com cotas
sociais os negros e os índios serão beneficiados porque eles são a maioria dos
pobres, que estão na escola pública. Impor cotas étnicas despertará o racismo e
os brancos pobres passam a se considerarem descriminados. Recebi o e-mail de
uma estudante falando que é branca, de uma família pobre, que estudou com muito
sacrifício, e que se sentia prejudicada por não ter direito a reserva de vagas
na universidade."
Silvio Luiz de Almeida, advogado,
professor universitário, doutor em direito pela USP e presidente do
Instituto Luiz Gama, uma das entidades da Frente Pró-Cotas
"Por não aceitarem políticas de promoção de
igualdade com corte étnico-racial, algumas pessoas falam de 'cotas
sociais', ou seja, de cotas para 'pobres'. Mas para mim parece claro que
o combate à pobreza e a garantia de acesso à educação de qualidade
devem ser políticas universais. Desse modo, o que os defensores das
'cotas sociais' querem é restringir ainda mais o acesso às políticas
universais, ao mesmo tempo em que criam obstáculos às políticas
afirmativas. E isso é absolutamente inaceitável. 'Cotas sociais' não
querem dizer absolutamente nada. Os defensores das 'cotas sociais' devem
ser desmascarados e seus reais propósitos antidemocráticos devem ser
revelados."
Antônio Carlos Arruda, responsável pela
Coordenadoria de Políticas Públicas para a População Negra e Indígena de
São Paulo, da Secretaria da Justiça estadual
"A pobreza no Brasil tem cor. Pobre e negro são
sinônimos. Assim como indígena e pobre também são. As universidades que
resistem a políticas de ações afirmativas refletem espaços
conservadores da burguesia, branca e brasileira. Esse é o verdadeiro BBB
no país. E, nisso, a USP é um vexame. Deve-se levar em consideração a
questão racial. Não precisar sem cotas, indicamos que se implemente uma
política de pontuação acrescida, como um bônus a mais na nota do
vestibular."
Frei Davi, diretor da Educafro - Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes
"A questão
social é grave, mas mais grave é a inclusão étnica. São duas doenças diferentes
que exigem remédios diferentes. Nenhum país do mundo ousou ficar tanto tempo
adotando escravidão com uma parte da sociedade e depois sair dela e querer que
as coisas se resolvam naturalmente. O Brasil não teve essa sensibilidade com o
povo negro, por isso defendemos cotas nas universidades.
Conseguimos que a prefeitura de Nova Iguaçu (RJ)
abrisse cotas para negros em concursos públicos. Então, em uma seleção
para 1244 médicos 20% dessas vagas eram para negros.O problema é que o
Brasil nunca se preocupou em formar médicos negros e como resultado
apenas uma pessoa se inscreveu nessa categoria do concurso. Isso
demonstra a irresponsabilidade da nação em preparar os negros para
várias áreas de atuação, justamente no Brasil, que tem mais da metade da
sua população negra. Esse dado é suficiente para dizer que é um grande
equívoco ter postura contrária às cotas étnicas-raciais."
Roberta
Kaufmann, advogada do partido DEM
"Depois da
decodificação do genoma humano, em 2003, sabe-se que a classificação racial não
existe. Com o PL 180/2008 acabamos incentivando a crença no mito da raça. É
necessário fazer a integração dos negros, que de fato são vítimas de
preconceito e racismo, mas a ideia é fazê-la por meio de critérios sociais
objetivos, como renda e formação em escola pública. No Brasil a pobreza tem
cor."
Júlio César Silva Santos, advogado e coordenador do Coletivo de Combate ao Racismo, do Sindicato dos Bancários
"Ao defender as cotas, é preciso transversalizar
o tema, pois a questão social está consecutivamente relacionada com a
questão racial, pois é visível, que a população negra, no âmbito social,
é a mais prejudicada. O grande entrave de tratar como cota racial, é
porque o nosso país vive ainda nos dias atuais a pseudo-democracia
racial, e ao distinguir a questão racial da social, damos visibilidade a
um problema que muitos não querem discutir de forma explícita."
Danilo Nunes Mello da Cruz, estudante negro do curso de direito da USP
"Dados do Ministério da Educação afirmam que
ainda que tenha havido uma melhora constante no nível de educação do
Brasil nos últimos 20 anos, o abismo entre negros e brancos se manteve.
Só as cotas raciais se pretendem enquanto política de combate ao
racismo. Se a inserção do negro e indígena na universidade é objetivo
das cotas, por que não ser claro com a intenção e reservar uma
quantidade de vagas de acordo com a população relativa nos estados?
Políticas com recorte somente social demostraram-se insatisfatórias."
Benedito Prezia, doutor em antropologia
pela PUC-SP, coordenador do Projeto Pindorama da PUC-SP de bolsas de
estudo para indígenas
"Penso ser fundamental a introdução de cotas
raciais nas universidades estaduais paulistas. São Paulo é um dos poucos
estados (talvez o único) em que as estaduais não têm programas de
inclusão sócio-étnico-raciais. É de se admirar que foram as
universidades privadas e confessionais-católicas, que iniciaram esses
programas, como a Universidade do Sagrado Coração, em Bauru, e a PUC-SP"
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