Reproduzo abaixo texto de ROSELY SAYÃO, conhecida psicóloga dos meios educacionas. Não vou dizer que concordo com tudo o que ela diz ou escreve. Mas a respeito e o texto abaixo, gostaria muito de ter escrito. Para registro, quem enviou-me este texto foi meu filho, Tiago, que também como eu está muito preocupado com o direcionamento que se faz do debate do famigerado "Toque de Recolher". Os negritos são observações minhas. Leiam:
"Educação em poder do estado"
"Algumas cidades do interior paulista adotaram o toque de recolher para crianças e adolescentes e outros municípios já estão interessados na medida. Fiquei perplexa quando li a primeira notícia que tratava do assunto, mas logo percebi que há todo um quadro que sustenta essa medida. Em primeiro lugar, já faz tempo que desertamos as ruas das cidades porque perdemos a confiança de que sejam lugares onde se pode ter uma vida boa.
As ruas são consideradas locais inseguros que provocam medo; transformaram-se em depósitos de problemas originados por nossos estilos de vida. Todo o aparato de segurança que usamos - de condomínios fechados a travas de segurança nas portas dos carros - servem para nos colocar fora das ruas. Vivemos em pequenos "quartos de pânico", não parece?
Em segundo lugar, também já faz tempo que nós, adultos, perdemos a mão de como nos postar diante dos adolescentes. Em parte porque eles têm aquilo que mais desejamos, perseguimos e fazemos de conta ter: a juventude. Por isso, passamos a tratá-los como iguais, como se ocupassem lugares simétricos aos nossos.
A questão da educação democrática é um capítulo à parte. Passamos a acreditar que os adolescentes devem ser respeitados em seus direitos sem saber ao certo o que são tais direitos e sem também ensiná-los sobre os deveres correlatos. Sim: cada direito - o de ser respeitado, por exemplo - exige um dever - o de respeitar. Mas isso serviu mesmo a mais uma deserção: de nossa autoridade.
Em nome dessa ideia de educação, sentimo-nos sem o direito de ocupar um lugar legítimo para conter, restringir, coibir ou suspender, mesmo que temporariamente, os quereres impulsivos e impositivos deles. Finalmente, vivemos um período em que, voluntariamente e em nome de causas aparentemente nobres, temos abdicado de nossa autonomia. Vivemos em tempos de terceirizar nossas vidas, lembra-se? E é isso que abre espaço para a entrada do estado. Basta enumerar, como exemplo, quantos decretos proibitivos que envolvem a vida social já foram editados.
Voltemos ao toque de recolher. Muitos pais são favoráveis à medida. Imagino que seja mais fácil, para eles, segurar o filho em casa pela força do estado do que pela própria autoridade. Mas é bom lembrar que essa medida restringe a liberdade de escolha dos pais de como educar seus filhos.
Em relação aos jovens, diretamente atingidos, a medida é preconceituosa. Afinal, qual a porcentagem de adolescentes nas ruas que comete delitos, envolve-se em confusão ou entra em contato com drogas, por exemplo? E a dos que não fazem nada disso? E a dos que fazem tudo isso dentro de casa? Mais uma vez, optamos por demonizar a juventude e retirá-la de cena.
Cada vez mais, permitimos - e queremos - a intervenção do estado em nossas vidas. Parece mesmo que buscamos nele um pai que as governe. Quem precisa de pai e de mãe são as crianças e os jovens. Que sejam eles a governar a vida dos filhos, e não o estado, a polícia etc."
Neste final de semana, o pior dos resumos que podemos fazer das notícias é a ligação da tragédia ocorrida com as nossas duas jovens à necessidade do toque de recolher. Pior: buscar um culpado, quando todos somos culpados. Evidente que a cidade está em sentimento de dor e de comoção pela tragédia, abominável no seio de qualquer sociedade. Mas está muito fácil para todos e cada um de nós, transferir as responsabilidades. Não resta nenhuma dúvida que a tragédia em si é fruto de muito do que Rosely Sayão diz em seu artigo. Existe um silêncio que machuca entre as gerações. Parece que uma geração resolveu deixar a outra a margem de sua própria sorte. E quando os efeitos disso aparecem, a culpa é do estado, é da prefeitura, é do prefeito, é da polícia... é de todo mundo, menos dessa opção que a cada dia mais se consolida em nosso meio de fechamento em nós mesmos, de transferência de responsabilidades.
Evidente que a cada um o seu papel: o estado precisa melhorar e muito sua política de segurança; a prefeitura precisa agir com mais consistência em determinadas regiões; mas a família (tenha ela o desenho que tiver) precisa assumir seu papel de educadora.
Enfim, é um debate profundo que exigiria muitos outros argumentos e outras análises. No momento o que me preocupa é o uso dessa tragédia para fortalecer a falta de liberdade e a omissão de muitos responsáveis em seu papel de construir os caminhos de seus jovens.
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