sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Egito> O Dia do Acerto de Contas

Grandes convulsões acontecendo no Egito. As duas reportagens e notícias abaixo nos dão um  quadro dos acontecimentos de lá.

Do VioMundo

Enquanto os aliados observam…
Egito: o dia do acerto de contas
28/1/2011, Robert Fisk: The Independent, UK

Dia de orações ou dia de ira? Todo o Egito está à espera do sabbath muçulmano hoje – para nem falar dos assustados aliados do Egito –, enquanto o envelhecido presidente do país agarra-se ao poder depois de noites de violência que já fazem os EUA duvidarem da estabilidade do regime de Mubarak.

Até agora, há cinco mortos e mais de 1.000 presos, a polícia bateu em mulheres e, pela primeira vez uma das sedes do Partido Nacional Democrático reinante foi incendiada. Aqui, os boatos são perigosos como granadas de gás lacrimogêneo. Um diário do Cairo publicou que um dos principais conselheiros do presidente Hosni Mubarak fugiu para Londres com 97 malas de dinheiro; outros falam de um presidente enfurecido, que grita com os comandantes da polícia, exigindo mais força na repressão das manifestações.

Mohamed ElBaradei, líder da oposição, Prêmio Nobel e ex-funcionário da ONU retornou ao Egito ontem à noite, mas ninguém acredita – exceto talvez os norte-americanos – que venha a converter-se em ímã que dê foco aos movimentos de protesto que se alastram por todo o país.

Já aparecem sinais de que muitos, cansados do governo corrupto e antidemocrático de Mubarak, tentam persuadir os policiais que patrulham as ruas do Cairo a unir-se a eles. “Irmãos! Irmãos! Quanto eles pagam a vocês?” um grupo de manifestantes pôs-se a gritar para os policiais no Cairo. Mas ninguém negocia coisa alguma – não há o que negociar, exceto a partida de Mubarak, e o governo egípcio nada diz e nada faz, mais ou menos exatamente como nos últimos trinta anos.

Há quem fale de revolução, mas não há ninguém para ocupar os lugares dos homens de Mubarak – jamais houve sequer um vice-presidente – e um jornalista egípcio disse-me ontem que conversou com amigos de Mubarak, preocupados com ele, presidente, isolado, solitário. Mubarak está com 82 anos e deu sinais de que se candidatará novamente à presidência – o que é ultraje para milhões de egípcios.

A dura verdade, porém, é que, exceto pela força policial brutal e um exército escandalosamente dócil – o qual, aliás, não apoia a indicação de Gamal, filho de Mubarak – o governo está impotente. Essa é revolução pelo Twitter e revolução pelo Facebook, e a tecnologia, já há muito, derrubou as regras da censura.

Os homens de Mubarak parecem ter perdido toda a noção de iniciativa. Os jornais do partido governista vêm carregados de falsas ilusões autoimpingidas, empurrando as vastas manifestações de rua para os rodapés, como se bastasse a diagramação para esvaziar as ruas – e como se, de tanto esconder os fatos, conseguissem convencer-se de que as manifestações não existiram.

Mas ninguém precisa dos jornais, para ver o que não deu certo. A sujeira das ruas e das favelas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todos os funcionários do estado, as prisões sobrecarregadas, as eleições risíveis, o vasto, esclerosado edifício do poder, tudo isso, afinal, arrastou ou egípcios para as ruas das cidades.

Amr Moussa, presidente da Liga Árabe, observou ponto interessante, na recente reunião de cúpula dos líderes árabes no resort de Sharm el-Sheikh, no Egito. “A Tunísia não está longe de nós”, disse ele. “Os árabes estão quebrados”. Mas… será que estão? Um meu velho amigo contou-me história assustadora sobre um egípcio pobre, que lhe disse que não tinha interesse algum em arrancar os líderes corruptos das fortalezas superprotegidas onde vivem no deserto. “Hoje, pelo menos, sabemos onde eles moram” – disse o homem. O Egito tem hoje mais de 80 milhões de habitantes, 30% dos quais com menos de 20 anos. E perderam o medo.

Nas manifestações, observa-se uma espécie de nacionalismo egípcio – mais do que algum islamismo. 25 de janeiro é Dia Nacional da Polícia – dia em que se homenageia a força policial que morreu em combate contra o exército britânico em Ishmaelia – e o governo não poupou discursos, para dizer à multidão que estariam traindo os próprios mártires. A multidão gritou “Não. Os policiais que morreram em Ishmaelia eram valentes, nada a ver com os policiais de hoje.”

Mas o governo não é completamente cego. Há uma espécie de inteligência na gradual liberação da imprensa e das televisões, nessa pseudodemocracia em cacos. Os egípcios ganharam uma lufada de ar fresco, o suficiente para respirarem, para que se acalmem e calem-se, e voltem à docilidade de sempre, nessa terra de pastores. Pastores e agricultores não fazem revoluções, mas quando são amontoados aos milhões nas grandes cidades, nas favelas, nas casas e nas universidades em ruínas, que lhes dão diplomas, mas não dão trabalho, alguma coisa pode ter acontecido.

“Os tunisianos ensinaram aos egípcios o que é poder orgulhar-se do que se faz” – disse-me ontem outro jornalista egípcio. “São inspiração para nós, mas o regime egípcio é mais esperto que o de Ben Ali na Tunísia. Lá foi preservada uma semente de oposição, ao não meterem na cadeia a Fraternidade Muçulmana, mas, ao mesmo tempo, dizerem aos EUA que o grande inimigo seria o Islã, e que Mubarak ali estava para proteger os EUA do “terror” – mensagem que os EUA sempre gostam de ouvir já há dez anos”.

Há vários indícios de que o poder no Cairo percebeu que algo estaria para acontecer. Ouvi de vários egípcios que dia 24 de janeiro já havia soldados arrancando cartazes de Gamal Mubarak dos muros das favelas – para evitar mais provocações. Mas o alto número de prisões, a violência policial – que espancou homens e mulheres pelas ruas – e o virtual colapso da Bolsa de Valores no Cairo mais sugerem pânico, que astúcia política.

Um dos problemas foi criado pelo próprio regime; foram sistematicamente afastados do poder todos que tivessem algum carisma, mandados para o interior, castrando politicamente qualquer possível oposição verdadeira, muitos, diretamente para a prisão. Hoje, EUA e União Europeia dizem ao regime que ouçam o povo – mas que povo? Onde estão as vozes de liderança?

O levante no Egito não é – embora possa vir a converter-se em – levante islâmico, mas, além do grito em massa de milhões de egípcios que despertam de décadas de humilhação e fracassos, só se ouve nas manifestações o discurso de rotina da Fraternidade Muçulmana.

Quanto aos EUA, a única coisa que parecem capazes de oferecer a Mubarak é uma sugestão de reformas – conversa que os egípcios ouvem há muito tempo. Não é a primeira vez que a violência toma conta das ruas do Cairo, é claro. Em 1977, ouve manifestações imensas de gente que pedia comida – eu estava no Cairo, e vi multidões famintas, de mortos de fome –, mas o governo de Sadat conseguiu controlar a revolta mediante preços mais baixos e muitas prisões e tortura. Também houve motins nas forças policiais – um deles reprimido a ferro e fogo pelo próprio Mubarak. Mas, agora, está acontecendo algo de diferente.

Interessante de observar, não há nenhuma animosidade contra estrangeiros. Várias vezes aconteceu de a multidão proteger jornalistas e – apesar do vergonhoso apoio que os EUA garantem aos ditadores no Oriente Médio – nenhuma bandeira dos EUA foi queimada. Já se vê que há aí alguma novidade. Talvez a multidão que amadurece – e descobre que vive sob um governo que é, ao mesmo tempo, senil e imaturo.
Ontem à noite as autoridades egípcias cortaram todos os serviços de internet e de transmissão de texto por celulares, na tentativa de impedir que os manifestantes se organizassem através de redes sociais. A medida foi tomada no mesmo momento em que uma unidade policial de elite, de forças antiterrorismo, recebeu ordem para tomar posição em pontos estratégicos em toda a capital, preparando-se para o que se estima que sejam as maiores manifestações até agora, previstas para hoje.

Dentre os pontos estratégicos selecionados pelas forças antiterrorismo está a Praça Tahrir, cenário das maiores manifestações até agora. Facebook, Twitter, YouTube e outros sites de contato social tiveram papel vital nos protestos no Egito, exatamente como na Tunísia, para manter os manifestantes em contato e planejar a movimentação dos grupos.


Abaixo as notícias mais atualizadas de hoje, inclusive a prisão do Nobel da Paz

Do Luis Nassif

Por André
Ainda sobre os protestos na terra dos faraós, acaba de ser preso o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei:

Do UOL
28/01/2011 - 10h17 / Atualizada 28/01/2011 - 11h46 
Governo do Egito enfrenta nova onda de protestos e detém prêmio Nobel da paz

Do UOL Notícias*
Em São Paulo

Apesar das tentativas do governo do Egito de desarticular a "sexta-feira da ira", convocada por manifestantes que desde terça-feira protestam contra o presidente Hosnik Mubarak, pelo menos um confronto entre manifestantes e policiais já foi registrado hoje em Cairo, segundo a AFP.

Cerca de 2.000 pessoas estavam reunidas para uma oração na mesquita de Guiza, no centro de Cairo, entre elas, o opositor egípcio e Nobel da paz Mohamed ElBaradei. Os fiéis oravam e gritavam "Abaixo (o presidente) Hosni Mubarak!”. A polícia disparou para o ar e usou gases lacrimogêneos e jatos de água para dispersar a multidão ao término da oração, tentando evitar novas manifestações.

Segundo a rede de TV "Al Jazeera", ElBaradei teria sido detido pelas autoridades egípcias ao tentar deixar a mesquista ao lado de outro dirigente da oposição, Ossama Ghazali. Quatro jornalistas francesas também teria sido detidos durante as manifestações.

No quarto dia de protestos contra o regime do presidente Mubarak, o governo do Egito montou um esquema de segurança no Cairo e bloqueou sites da Internet e o sistema de telefonia celular para tentar desarticular a "sexta-feira da ira" convocada por manifestantes. Desde terça-feira, os confrontos já deixaram pelo menos cinco mortos e centenas de pessoas foram presas.

O bloqueio à internet, que começou à meia-noite, priva os ativistas de uma ferramenta essencial para a mobilização - durante a semana, a rede social Facebook foi o principal instrumento para a convocação dos protestos para esta sexta-feira, ao lado do celular e das mensagens de texto.

A companhia telefônica Vodafone disse que recebeou ordens do governo para suspender todos os serviços para celulares em "áreas selecionadas" no país. Em nota, a empresa disse que "sob a legislação do Egito as autoridades têm o direito de fazer tal solicitação e nós somos obrigados a cumpri-la".

O policiamento também foi reforçado nas ruas. Caminhões de bombeiros capazes de disparar jatos de água estão estacionados em locais que podem reunir manifestantes, como os arredores da mesquita Al Azhar, do palácio presidencial e nas ruas que dão acesso à praça Tahrir, no centro do Cairo.

Além de protestarem contra a ditadura de Mubarak, há 30 anos no poder, os jovens manifestantes se queixam do desemprego, da inflação, da corrupção e do autoritarismo do governo. São queixas semelhantes às que levaram à rebelião na Tunísia, e que também desencadearam protestos em países como Argélia e Iêmen.

"A inflação exauriu o povo. Os preços da comida, do combustível, da eletricidade e do açúcar estão subindo... Os ricos ficam mais ricos, e os pobres, mais pobres", disse um taxista, que não quis dizer seu nome. "Só Deus sabe o que vai acontecer hoje. Após a Tunísia, tudo é possível."

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, fez um apelo nesta sexta-feira para que os líderes e o povo do Egito não permitam uma maior intensificação da violência, pedindo respeito pela liberdade de associação e de expressão.

"Todos os envolvidos -- povo ou líderes -- deveriam garantir que a situação naquela região, particularmente no Egito não conduza a uma violência maior", disse Ban em coletiva de imprensa no Fórum Econômico Mundial. "Eu venho pedindo às autoridades para que encarem isso como uma oportunidade para abordar as preocupações legítimas de seu povo."

Membros do proscrito grupo oposicionista Irmandade Muçulmana, inclusive oito dirigentes e seus principais porta-vozes, foram detidos durante a noite. Uma fonte oficial de segurança disse que as autoridades ordenaram que o grupo seja reprimido.

O governo acusa a Irmandade de tentar explorar os protestos juvenis em prol da sua "agenda oculta". O grupo islâmico afirma estar sendo usado como bode expiatório.

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