domingo, 28 de novembro de 2010

As Cicatrizes Abertas do Rio de Janeiro

Do VioMundo

por Eduardo Guimarães, no Cidadania.com

Sábado, fim da manhã, dou uma escapada do escritório. Fui trabalhar em um dia que costumo dedicar ao descanso porque precisava “preparar” a viagem de negócios que começo a fazer no dia seguinte.

Preciso almoçar. Café e cigarros, ininterruptamente – consumo um e outro sem perceber, quando trabalho ou escrevo –, fizeram-me cair a pressão.

O bar serve uma das feijoadas mais honestas da região da Vila Mariana. De carro, chego lá em 5 minutos.
Gasto mais cinco esperando pela comida e mais dez para comer. Antes da uma estarei de volta.

Meu escritório está na região há quase 15 anos. Vários conhecidos freqüentam o estabelecimento em que matarei a fome. Ao chegar lá, cumprimentam-me e me convidam a sentar à mesa repleta de garrafas de cerveja vazias.

Hesito. São pessoas que têm por costume fazer comentários que me desagradam. A educação, porém, fala mais alto e aceito. Encaro a turma que têm os olhos injetados pelo álcool.

Alguns dos homens, estando todos na mesma faixa etária que eu, mencionam a entrevista com Lula e começam a fazer piadinhas próprias da mentalidade política e ideológica que infesta a parte de São Paulo em que vivo.

Permaneço impassível e calado. Percebem que não estou achando graça. Um deles, menos grosseiro, resolve mudar de assunto:

– E o Rio, hein! Que tragédia!

Percebo que é outro tema que não vai prestar e me abstenho de comentários. Dedico-me à excelente batidinha de limão que servem ali.

Um outro decide escancarar a bocona: “Sabe qual é o problema do Rio?”. Percebendo que vem pedrada, mas já começando a me irritar, pergunto qual seria o “problema do Rio”.

– Pretos, cara. Notou que são todos pretos?

– Todos, quem, cara-pálida?

– Todos. Bandidos, moradores da região. Tudo preto. Esse é o problema do Rio.

Reflito, antes de responder. Ao menos em uma coisa esse demente tem razão: a tragédia carioca tem cor. Realmente, bandidos e população atingida por eles são negros em expressiva maioria. Então respondo:

– Mas a culpa não é deles, é sua. São racistas como você que fizeram com que mesmo depois de mais de um século do fim da escravidão os negros continuassem mergulhados nessa tragédia…

– Mas…

– Aqueles traficantes quase todos negros, um dia foram crianças que se inebriaram pelo poder que os bandidos exercem sobre essas comunidades.

A mesa com seis homens de meia idade fica em silêncio, perplexa com o que acabara de ouvir. Levanto-me, vou até o caixa, pago pela comida que não comi, subo no carro, sem me despedir de ninguém, e vou embora sem almoçar.

Já não havia mais fome.

Levo comigo, porém, uma certeza: a tragédia no Rio tem cor. Existe por conta dessa cor.

Aquelas populações, pela cor da pele, foram mantidas em guetos miseráveis, longe das preocupações dos setores exíguos e preconceituosos da sociedade que fingem que a culpa é dos governantes.

 Do VioMundo


Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública do Rio terá de passar pela garantia dos direitos dos cidadãos da favela

por Marcelo Freixo, na Folha de S. Paulo, via Vermelho


Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.

Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.

Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.

As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.

O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.

Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.

Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz.

Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.

Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?

É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.

Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza – onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna “guerra” entre o bem e o mal.

Como o “inimigo” mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da “guerra”, enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.

É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.

O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.

Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente — com as suas comunidades tornadas em praças de “guerra”– não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.

Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário…

*Marcelo Freixo é deputado estadual (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Respostas ao Artigo

Margarida · 1 hora atrás
Sr Marcelo Freixo,

O senhor começa sua crônica assim:
Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.

Não se trata de uma macha revolucionaria, se trata de uma fuga de pessoas que não pensa duas vezes antes de matar qualquer pessoa do bem, antes de matar um pai ou uma mãe que vê seus filhos sendo assediado pelas drogas por estes marginais.

Porque as pessoas acham que a educação é a solução de tudo? É a solução em parte. Porque tem muitas pessoas que estudam e são marginais do mesmo jeito.

Pergunte a quem teve seu filho arrastado em um carro, o q eles acham destes assassinos.

Vá de encontro a forma de pensar deles para vc ver o que acontece com vc mesmo.

Tente persuadir estes caras a não serem mais traficantes, para vc ver o que acontece.

Eu fico pensando, quantas pessoas vivem no sertão brabo, sem água, vivem na pobreza e não vieram a ser traficantes, ou jovens assassinos q matam por um punhado de cocaína.

Este Brasil só esta pior por causa de pessoas como você que acha que os direitos humanos foram feito para defender criminosos. E quando eles praticam a ação e mata pessoas inocentes e de bem, pessoas que paga impostos, pessoas que produzem e fazem bem ao mundo. Onde esta os direitos humanos destas pessoas?

Você não me convence, Você para me não passa de um intectualoide de 5 categoria, este discurso, é mais do que ridículo.

Se estas pessoas deixasse de existir, pode ter certeza que muita gente que merece estar vivas, pq não saem por ai matando com o primeiro impulso que tiverem, pq tem uma arma, estariam vivas.

Quando digo as pessoas do bem, incluo ate seus parentes, q podem estar passando por uma rua e serem cruelmente assassinadas por pessoas que vc esta com pena e defendendo

Renato · 2 horas atrás
Mas que pessoal cabeçudo, meu Deus!!!!

Quem falou em acabar com o tráfico??!!!??? Só os pangarés dos relações públicas... O que se quer mesmo é o território. Todos nós sabemos que a droga vai continuar rolando, mas agora com a presença da polícia, para despistar, dizer que tem gente olhando... o alvo é a guerra ENTRE o tráfico, orelhas. Aquelas trassantes a gente não vai ver mais... é isso que se quer evitar. Afinal, não dava mais pra dizer que no Rio não havia um quadro de exceção. 
 
maria abadia · 4 horas atrás
 
Sou professora e não da area de segurança: não concordo a defesa de matar os traficantes que tenho lido, ao mesmo tempo entendo que a situação chegou a esse ponto pela ausência do Estado nestas areas em todos os sentidos, deixou essa população a mercê de bandidos. Tenho lido também defesa dos direitos humanos contra a tomada, eu sou fa favor isso tinha que ser feito, melhor do que São Paulo que fez acordo com o PCC. Também essa união das forças militares e polciais é muito importante. Vai ser preciso establecer nessas comunidades com a participação da mesma em todos os setores fundamentais, sou a favor das UPPs e mais um combate nacional em termos de enfrentamento da entrada de armas e drogas nas nossas fronteiras, combate as milicias e a corrupção em todos os niveis. Salario melhor para policiais, inteligência, investigação, opções para essas comunidades carentes e abandonadas, ou seja, direitos de cidadaia.
 
DO BLOGUEIRO> Tem mais respostas no link
 
Aqui, você acompanha informações diretas do Complexo do Alemão. Não sei por quanto tempo ficará no ar.
 
 


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