sábado, 27 de novembro de 2010

Rio de Janeiro: Cicatrizes Curadas ou Abertas?

Brasília Confidencial No 391

A ofensiva desfechada contra o narcotráfico pelas tropas da polícia militar e civil do Rio de Janeiro, com o apoio de tanques de guerra da Marinha e dos fuzileiros navais, entra hoje (sexta-feira) no seu sexto dia. É uma resposta aos atentados e incêndios em ônibus e carros promovidos pelos bandidos desde domingo. Ontem (25), os policiais, com reforço federal, ocuparam a Vila Cruzeiro, na Penha, zona norte do rio, expulsando os traficantes que se refugiaram na região vizinha do Complexo do Alemão. Nesta sexta-feira, 300 homens da Polícia federal devem se juntar ao esforço contra o crime. Até a noite de quinta-feira, o saldo extraoficial da batalha entre as forças do Estado e as quadrilhas de narcotraficantes era de 70 veículos incendiados e 30 mortos.

Apenas na favela do Jacarezinho, o confronto deixou sete mortos na quinta-feira -- seus nomes não haviam sido divulgados. No mesmo dia, 11 pessoas foram presas. Dez ônibus, quatro caminhões e duas motos foram incendiados. Também havia ocorrido dois ataques a postos ou dependências policiais, um deles em Mesquita, na região da Baixada Fluminense, e outro no Jardim América, zona norte da cidade.

“Vamos atrás deles”

Horas após a arremetida contra a Vila Cruzeiro, o subchefe operacional da Polícia Civil, delegado Rodrigo Oliveira, proclamou que “a comunidade hoje pertence ao Estado”. O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, avisou que as tropas não sairão da Vila Cruzeiro. “É importante prender essas pessoas, mas é mais importante tirar território. Ações de repressão como as de hoje são importantes como parte de um projeto maior que é a retomada de território pelo Estado", disse. Indagado sobre se não seria possível prever a fuga dos criminosos para o Complexo do Alemão, o comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, advertiu que “vamos atrás deles seja onde for”. A caçada aos foragidos que se esconderam no Complexo do Alemão poderia prosseguir à noite com o apoio de helicópteros dotados de equipamento de visão noturna.

Para o sociólogo e especialista em violência Gláucio Soares, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado/RJ (Iesp/Uerj), a reação das organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas já era esperada depois que o governo estadual começou a ocupar comunidades em que esses grupos atuavam, com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Ele comparou a crise carioca com o episódio de 2006, em São Paulo, quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) também realizou ataques violentos em represália à prisão e remoção de seus líderes para presídios de segurança máxima em outros estados. Na época, houve ataque a postos policiais e unidades dos bombeiros com assassinatos de agentes da lei.

Questionando a lei

Soares acha impossível prever por quanto tempo a onda de incêndios a veículos será mantida. Ele acredita, no entanto, que o tráfico não tem a estrutura necessária para sustentar indefinidamente as ações. Entende que “os custos dessas ações para o tráfico são muito altos, tanto em termos financeiros, como de material e de vidas”. Considerou que a cúpula da segurança pública do Rio está agindo de maneira adequada, investindo mais em inteligência policial, retomando áreas que eram dominadas pelo tráfico e fazendo investimentos sociais. Avaliou como acertada a transferência dos presos que supostamente ordenaram os ataques a presídios de segurança máxima mas questionou a legislação que favorece o contato pessoal direto entre detentos e advogados ou parentes, sugerindo que ela deve mudar.

Até Blindados

Seis tanques da Marinha e seis blindados entraram em ação na ocupação da Vila Cruzeiro, região carioca da Penha, zona norte do Rio. Usados na guerra do Iraque, os carros de assalto, cada um capaz de transportar 11 homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope), começaram a se movimentar na manhã de quinta-feira. A mobilização ainda incluiu viaturas da polícia e do Corpo de Bombeiros.

Quatrocentos homens, entre agentes do Bope, policiais militares e civis participaram do ataque aos traficantes.

Segundo o chefe do Estado-maior da Polícia Militar (PM) do Rio, coronel Álvaro Garcia os fuzileiros navais contribuem apenas com os pilotos e co-pilotos dos veículos cedidos pela Marinha.

400 mil moradores

“Sabemos – disse o militar -- que aqui tem um reduto muito grande de marginais oriundos das facções criminosas”. Destacou que a operação de guerra baseou-se em informações do serviço de inteligência da PM. Notou que os criminosos expulsos das favelas onde foram implantadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) haviam se instalado na Vila Cruzeiro e suas imediações.

No momento do ataque com os blindados, imagens de TV mostraram dezenas de bandidos armados batendo em retirada pelo meio da mata rumo ao vizinho Complexo do Alemão. A região concentra dez favelas e cerca de 400 mil moradores.

O coronel admitiu que o Rio está em guerra, mas negou a necessidade de armamento de maior porte. Explicou que, devido às avarias causadas nos blindados da polícia, o apoio dos veículos da Marinha servirá justamente para recompor o quadro logístico nas operações. “É um tipo diferente dos nossos. Esses blindados não têm problemas de furar pneu, porque eles usam esteiras, então vai facilitar a nossa ação”, acentuou. Foram convocados todos os policiais de folga e aqueles que trabalham internamente nos batalhões para reforçar a presença e as ações.

"Um dia histórico"

Nas ruas, a ofensiva contra os traficantes tem sido comemorada, reação pouco freqüente em situações do gênero. Apesar da tensão e do cenário de guerra, muitas pessoas aplaudiram a chegada dos blindados. Outros ofereceram água aos policiais. “Esse dia vai ser histórico. A Penha vai virar um lugar de paz”, disse a dona de casa Elisângela Balbino, 41 anos, moradora há 20 da Vila Cruzeiro.

Governador Agradece

A ocupação bem sucedida da Vila Cruzeiro com o apoio de blindados da Marinha e o cerco ao complexo do Alemão foi saudada pelo governador Sérgio Cabral (PMDB) como uma evidência de que “o Estado Democrático de Direito se uniu e está presente”.

Ele agradeceu o apoio recebido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da futura presidente Dilma Rousseff que “ligou manifestando seu entusiasmo e alegria pelo que está acontecendo no Rio”.

Em entrevista coletiva, acentuou que o investimento nas favelas da cidade, incluindo escolas, postos de saúde e outros melhoramentos atingiu “volume nunca visto na história deste país”, algo em torno de R$ 2 bilhões, metade dos recursos do Estado, metade do governo federal. Mas, segundo ele, nada disso adiantará se não houver uma presença permanente do Estado, no caso através das Unidades de Polícia Pacificadora  (UPPs). E deu o exemplo: “No Pavão/Pavaozinho já existe uma UPP. Lá, a população dorme em paz”.

O confronto como “necessidade”

Na mesma entrevista, o ministro Nelson Jobim, da Defesa, assinalou que, agora, o confronto (com os traficantes) tornou-se “uma necessidade”. E enalteceu a operação como meio de defender “os direitos humanos”.

Cumprimentou Cabral por encarar o confronto e aceitar o risco. “Estamos virando uma página importante na história do Rio”, ressaltou o governador.

No mesmo dia, a rede hospitalar federal do Rio iniciou um plano de contingência para atender as vítimas do confronto. “Nossa função agora é apoiar a Secretaria de Saúde no que for necessário”, disse o ministro José Gomes Temporão, da Saúde. “Estamos na expectativa de que isso termine, que seja apenas um momento conjuntural de um processo importante para o Rio, que é a consolidação dessa política inovadora de instalação das UPPs”, afirmou.

Diante do possível aumento da demanda nas emergências, foi determinada a suspensão de cirurgias eletivas nos hospitais de Bonsucesso, Andaraí, Cardoso Fontes, Ipanema, Lagoa e dos Servidores, além de aumentar a oferta de leitos. As ações de apoio incluem a manutenção dos estoques dos bancos de sangue para atender possíveis emergências.

Hospital de campanha

O papel de central de socorro às vítimas dos confrontos está situado em uma unidade estadual, o Hospital Getúlio Vargas (HGV), no bairro da Penha, zona norte do Rio. Vizinha à Vila Cruzeiro, a unidade é considerada referência no atendimento a baleados, devido ao grande número de ocorrências policiais na região ao longo dos últimos anos. A unidade teve sua emergência reforçada desde quinta-feira através, inclusive, da suspensão das folgas dos funcionários. O plano de contingência também suspende, por tempo indeterminado, as férias e licenças de equipes da área cirúrgica dos seis hospitais federais do Rio de Janeiro.


Do Luis Nassif

Por Luiz Gonzaga da Silva

ONG propõe mediação da rendição dos traficantes do Complexo do AlemãoJornal do Brasil

A ONG Rio de Paz divulgou uma proposta, feita ao governo do Estado, nesta sexta-feira (26), para mediar a rendição dos traficantes do Complexo do Alemão. Inicialmente, a organização pretende dar um prazo aos criminosos para deporem as armas e se entregarem à polícia, antes de uma provável operação no local.  

Nota oficial da ONG Rio de Paz com os motivos para sua mediação:

1.   O possível efeito emocional e dissuasório da ação inédita, realizada no dia de ontem, pelas forças policiais em parceria com a Marinha brasileira, sobre a vida dos membros da facção criminosa que atua naquela localidade.  

2.   A preservação de centenas de vidas, uma vez que, a probabilidade de banho de sangue é concreta, caso haja resistência por parte dos narcotraficantes. O   Rio de Paz   quer evitar, entre outras coisas, cenas de pais e mães carregando no colo corpo ensangüentado de filho morto.

3.   O aspecto moral da questão. Oferecer-lhes a proposta de rendição, que preservaria vidas humanas, é atitude que melhor se harmoniza ao espírito que deve reger as relações humanas no Estado Democrático de Direito.

Em seu blog, o presidente da organização, Antônio Carlos Costa, também parabenizou as medidas tomadas pelo Poder Público após a crise instaurada no Rio de Janeiro. Antõnio ressaltou a retomada da comunidade da Vila Cruzeiro, a união das forças armadas brasileiras e a transparência das autoridades na área de segurança.

  “O mundo está de olho no Rio de Janeiro, torcendo para que encontremos solução para a crise da segurança pública, mas atento a fim de saber se o nosso procedimento será de povo civilizado. Estamos diante de grande aceno à democracia: nunca tantos anelaram pela vitória sobre o crime organizado. Estamos diante de grande ameaça à democracia: nunca tantos quiseram a vitória sobre o crime organizado a qualquer preço. A mínima possibilidade de vitória sem derramamento de sangue impõe o dever imperioso de darmos chance à solução pacífica. Pode parecer romântico, mas antes de tudo trata-se de uma demanda da razão e do amor” , declara Antônio C. Costa, presidente do Rio de Paz.

 http://www.jb.com.br/rio/noticias/2010/11/26/ong-propoe-mediacao-da-rendicao-dos-traficantes-do-complexo-do-alemao/

 Do Luis Nassif

Por raq_uel

Não é só o Rio de Paz que pensa assim.

Observatório de Favelas: http://www.observatoriodefavelas.org.br

Segurança - 26/11/2010 17:01

Nota do Observatório sobre acontecimentos no Rio

Em virtude dos últimos acontecimentos na região metropolitana do Rio de Janeiro, o Observatório de Favelas repudia todo e qualquer ato de violência, seja ele oriundo das organizações criminosas ou de instituições do Estado. Consideramos um retrocesso na política de segurança pública uma retomada da intervenção policial pautada pela lógica do confronto e pelo discurso da “guerra”. Diante do quadro atual, é fundamental que a polícia atue priorizando a inteligência, a estratégia e, sobretudo, a valorização da vida de toda a população, sem exceção.

A sensação de insegurança generalizada tem provocado um clamor, por parte de diversos setores sociais, por intervenções duras das forças policiais. Parte da população espera inclusive que a polícia entre nas favelas para matar. O risco que corremos diante desse quadro é o da legitimação social de práticas como o uso abusivo da força, execuções sumárias e outras formas de violações de direitos.

O número de mortes registrado nos últimos dias e o uso ostensivo de equipamentos bélicos aponta para um panorama extremamente preocupante. A letalidade não pode de forma alguma ser apresentada como critério de eficiência da atuação policial, nem como "dano colateral" de uma operação. Nada justifica a perda de vidas em uma intervenção do Estado. Não podemos ver a repetição de ações como a ocorrida em junho de 2007, na operação que ficou conhecida como “Chacina do Alemão”. Na ocasião, 19 pessoas morreram, muitas com indícios de execuções sumárias.

Em um momento como este, os moradores das áreas atingidas pela atuação das forças de segurança sofrem uma série de violações de direitos. Têm cerceados direitos fundamentais como o de ir e vir e o acesso às escolas, por exemplo. .

É imprescindível que a ação do Estado tenha como foco a garantia da segurança e a proteção da vida dos moradores de todas as áreas da cidade. Infelizmente, o que presenciamos é que os efeitos da violência atingem de forma mais contundente a população que reside nas áreas mais pobres da cidade, o que tem sido um traço histórico das operações policiais realizadas no Rio de Janeiro. E isso tem que acabar.

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