sábado, 20 de novembro de 2010

O Dia da Consciência Negra - II - João Candido

Do A Trincheira

João Cândido

Ao batizar o primeiro navio montado em seu governo com o nome de João Cândido, o presidente Lula prestou um grande serviço ao resgate da memória do líder da Revolta da Chibata, o marinheiro negro imortalizado num samba de João Bosco e Aldir Blanc.
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Poderia ser apenas um detalhe sem importância, mas esta homenagem tem o peso de milhares de cadáveres com as costas lanhadas pelo chicote. Ver a luta de João Cândido expressa simbolicamente em um navio com a sua mesma grandeza é motivo de orgulho.
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Às vésperas do Dia da Consciência Negra, quando prestamos nossa reverência aos povos africanos que ajudaram a civilizar o Brasil, o nome de João Cândido deve ser sempre lembrado. É o que pretendo fazer aqui, modestamente, admirador que sou de sua história.
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Cândido liderou a revolta contra os castigos físicos na Marinha, em 1910. Cansados de tantos maus tratos, os marujos se insubordinaram, tomaram o comando dos navios de guerra e apontaram seus canhões para o centro do Rio de Janeiro, então sede do governo federal. Eles exigiam simplesmente que fossem tratados como homens e não como animais.
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Durante quatro dias, as bandeiras vermelhas dos rebeldes tremularam nos mastros dos navios. Segundo nos conta
Luiz Antonio Simas, a frota comandada por João Cândido tinha 2.379 marinheiros. Acuado, o Congresso Nacional aprovou a anistia dos revoltosos e o fim dos castigos corporais dentro da Marinha.
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Mas o acordo era um blefe. Ao deixar os navios, os marinheiros foram presos e fuzilados. Outros foram mandados para os seringais do Acre, onde trabalharam como escravos para os barões da borracha. João Cândido passou anos encarcerado numa masmorra imunda da Ilha das Cobras, bebendo a própria urina para não morrer de sede. De lá saiu velho e louco, terminando sua vida como indigente nas ruas do Rio. A Marinha nunca o reconheceu como herói.
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Eu estava no Rio quando Lula inaugurou a estátua de João Cândido na velha Praça XV, palco da Revolta da Chibata, e vi um trecho de seu discurso arrebatador. Naquele mesmo dia, jornais repercutiram a ameaça de uns milicos de pijama que prometiam implodir o monumento caso estivesse voltado em direção à Marinha. É por isso, minha gente, que dá um orgulho danado ver o nome de João Cândido estampado no casco do navio que é um dos símbolos do governo Lula.
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Ao batizar o navio com o nome de um marinheiro rebelde, Lula politizou (no sentido positivo) um evento que poderia ser somente econômico. O renascimento da indústria naval brasileira, para sempre, será lembrado como o renascimento da história de João Cândido, o primeiro marinheiro a nomear um navio.
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Ah, como é bom ver o Estado brasileiro romper a tradição estamental. Vocês conseguem imaginar José Serra, ou mesmo Fernando Henrique Cardoso, comprando briga com os almirantes para reparar uma injustiça histórica? Vocês imaginam um governo tucano escolhendo como madrinha do navio uma simples funcionária do Estaleiro Atlântico Sul, a Mônica Roberta de França (foto abaixo)?
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O primeiro navio made in Pernambuco não teve uma madrinha-celebridade para lançá-lo ao mar no dia 6 de maio de 2010. Teve uma mulher comum, do povo. E o fato de também ser negra, como João Cândido, enaltece a consciência racial do homenageado. São detalhes que nada têm de aleatório ou desimportante. Eles carregam a carga simbólica de uma visão de mundo especial.
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Filho do PAC, programa comandado por Dilma Rousseff, o navio petroleiro João Cândido tem 247 metros de comprimento e levou a Pernambuco a indústria naval, criminosamente destruída pela privataria tucana. Com isso, empregou milhares de operários nordestinos que agora não precisam mais perder a mocidade nos canaviais insalubres ou tentar a sorte em São Paulo.
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Vi, na televisão, depoimentos emocionantes dos trabalhadores do navio João Cândido, como o da mulher que antes estava desempregada e hoje chefia uma equipe de soldagem no estaleiro; ou do ex-pescador de caranguejo que sempre viveu na incerteza e hoje se orgulha da carteira assinada; ou do ex-cortador de cana, que não depende mais da temporalidade insegura da colheita e de uma carga horária de trabalho desumana. É a luta de João Cândido vencendo a opressão.
.O navio João Cândido inaugura uma nova era na economia brasileira. Agora, a Petrobras não será mais obrigada a desembolsar R$ 2,5 bilhões anuais com o afretamento de navios estrangeiros. Fabricaremos nossos próprios navios. E serão esses navios que irão ajudar na extração e no transporte do petróleo do pré-sal. Um novo tempo se avizinha. Nele há um pouco do sonho de liberdade e justiça dos marinheiros açoitados em 1910.
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[O presidente e o navio João Cândido, símbolo da era Lula].

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