Lei Rouanet, desprezada aqui, fazendo revoluções lá....
De Campos & Bravo
BARRA MANSA, A CIDADE DA MÚSICA: 22 MIL ALUNOS E ORQUESTRA SINFÔNICA COMPLETA
Mozart mostrou
habilidade musical para violino e piano já na infância. Notório também
com o piano, Beethoven exibia seu talento já nos primeiros anos de vida.
Entre os brasileiros, Carlos Gomes ainda criança revelou seu dom
musical, incentivado pelo pai e depois pelo irmão. Heitor Villa-Lobos
foi, desde cedo, doutrinado em estudos de instrução musical. Violoncelo
foi seu primeiro instrumento.
O que a biografia dos gênios da
música instrumental ensina é que, quando mais cedo se reconhece e
incentiva o talento precoce, maiores as chances de se trilhar uma
carreira musical. E o município de Barra Mansa, a 110 quilômetros do Rio
de Janeiro, soube colocar isso em prática. Criado inicialmente pela
prefeitura em 2003 e mantido com ajuda da iniciativa privada com
incentivo da Lei Rouanet, o projeto "Música nas Escolas” é o orgulho dos
170 mil habitantes da localidade, que tem a impressionante marca de um
estudante de música para cada grupo de oito moradores.
Na verdade
o projeto se antecipou em cinco anos à criação da lei nº 11.769, de
agosto de 2008, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), nº 9.394, tornando obrigatório, no prazo de três anos, o ensino
de música no ensino fundamental e médio em todo o País. As contas da
prefeitura dizem que todos os 22 mil alunos das 72 escolas da rede
municipal têm aulas de música, do pré-escolar ao nono ano do ensino
fundamental.
Além disso, Barra Mansa é o único município do
interior fluminense que ostenta uma orquestra sinfônica com cem músicos
contratados. No ano passado o grupo acompanhou o balé russo Kirov pelo
País e, de 9 a 22 de julho, vai estar junto com a turnê nacional do balé
do Teatro Alla Scala de Milão. "O que começou como um projeto social
passou para um novo estágio, de profissionalização dessa mão de obra
formada em música. Barra Mansa quer se tornar a capital na música
erudita no Brasil”, afirma o maestro Vantoil de Souza, diretor do
projeto e controlador geral do município, também responsável pela
criação de polos de formação nas escolas. "Os que têm aptidão destacada
nas salas de aula vêm aqui para o centro”, continua.
O "centro” -
ou sede do "Música nas Escolas” - é a antiga vila militar, arrendada
pela prefeitura para abrigar dezenas salas de aula, agora revestidas com
todo cuidado de acústica, ar condicionado e mobiliário apropriado. Com
tanta gente formada em música, foi preciso criar vários seguimentos
musicais. Além da Orquestra Sinfônica de Barra Mansa, há também a
Orquestra Infanto-Juvenil, a banda Sinfônica, a Banda Sinfônica
Infanto-Juvenil, a Orquestra de Jazz, a Orquestra de Metais e o grupo
Drum-Latas (com objetos reciclados). "Não queríamos um projeto social,
porque depois que o jovem chega aos 18 anos, é posto de volta nas ruas,
sem perspectiva. Queríamos uma capacitação permanente e valorizada no
mercado de trabalho”, define Vantoil.
INICIAÇÃO MUSICAL
Na
escola Doméstica Cecília Monteiro de Barros, que funciona como
semi-internato para crianças carentes, o primeiro contato dos jovens com
a música é através do pífaro. . A partir dos 6 anos, as crianças
aprendem a ler partituras e manusear o instrumento de sopro. O professor
Felipe Prudente, formado pelo projeto, salienta que neste momento
inicial de aprendizagem, eles aprendem as coordenadas necessárias para
as próximas lições. "Aqui já ganham noções de coordenação motora,
desenvolvimento físico e mental, respiração, escuta auditiva e percepção
musical”, lista.
A reportagem do iG acompanhou algumas aulas em
diferentes escolas da rede pública do ensino. Constatou que,
diferentemente da algazarra normal pelos corredores no intervalo das
aulas, por lá os alunos se mantêm mais disciplinados. "A música traz
maior socialização, hábito de leitura e disciplina. É nítida a queda
brusca de repetência desde que o projeto foi implantado. É uma média de
duas repetências por ano em toda a escola, número baixíssimo”, diz
Edilene Reis, diretora da instituição.
Além do pífaro, os alunos
também têm, uma vez por semana, aula de canto. Dezesseis escolas do
município selecionam dez estudantes cada para formar um coral de 1600
vozes. "O maior desafio, logo de início, é ensinar como a música
funciona. As aulas precisam ser divertidas, para que haja prazer naquilo
que estão aprendendo. Tanto que há fila de espera nas aulas de coral.
Todo mundo quer ser cantor”, continua a diretora.
O "berçário” de
novos músicos está no pré-escolar, como os professores gostam de dizer.
Na escola municipal Belo Horizonte, bairro pobre do município, voltada
ao ensino de crianças de até 5 anos, as turmas se dividem em aulas de
iniciação musical. Com auxílio de um rádio, a professora repassa canções
e distribui pequenos instrumentos para que a garotada tenha contato com
o que, mais à frente, servirá de base para as aulas específicas.
DE OBOÉ A TUBA
Pontualmente
às 14h, todas as quartas e sextas, os integrantes da Orquestra
Sinfônica de Barra Mansa se reúnem no salão principal da vila militar.
No ensaio que a reportagem do iG acompanhou, estavam presentes: dois
fagotes, um contra fagote, dois trompetes, quatro trompas, um tímpano,
nove contrabaixos, dez violoncelos, 11 violinos de primeira, 12 violinos
de segunda, oito violas, dois oboés, duas flautas, duas clarinetas,
três trombones e uma tuba.
O maestro Guilherme Berstein passa
trechos da primeira sinfonia de Brahms. Nas salas ao redor, acontecem
aulas individuais. Em uma delas, Jeferson Souza, de 20 anos, ensaia com o
fagote. "Comecei com clarineta, aos 11 anos, ainda na escola. Mas
fagote é o meu instrumento”, comenta o jovem, que cursa graduação em
música na UFRJ. "Três vezes por semana vou ao Rio para as aulas da
faculdade. É bom porque complemento aqui o que aprendo lá”, continua.
Os
músicos da Orquestra Sinfônica têm carteira assinada e ganham salários
que variam de R$ 800 a R$ 1600. Ainda é um valor muito aquém do que paga
a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), por exemplo. Um músico da OSB
ganha, em média, salário de R$ 10 mil. "Mas aos fins de semana tem um
pedaço da orquestra em cada igreja, em cada festa. Todo mundo contrata a
gente para tocar nos casamentos, aniversários de 15 anos. É bom porque
aumenta a renda”, diz Lucas dos Santos, dono de uma clarineta de R$ 7
mil. Os instrumentos, aliás, são todos doados. Uma trompa não sai por
menos de R$ 18 mil. Um violino varia de R$ 4,5 mil a R$ 6 mil.
FOLCLORE IRLANDÊS
O
pequeno Guilherme Portilho, de 9 anos, não toca os pés no chão ao se
sentar diante do piano. Mas dá conta do recado. Há dois anos estuda com a
professora Sulamita Lage duas vezes por semana. "Assim como outros de
sua idade, Guilherme já detém grande percepção musical e, por isso, está
passando por várias aulas diferentes”, diz a professora. Entusiasmado
para mostrar o que sabe fazer, enquanto é fotografado Guilherme toca a
canção "Gaita de Foles”, típico folclore irlandês. Entre as suas aulas
preferidas, está a de harpa. O instrumento é o xodó do projeto. Custou
R$ 250 mil e foi doado, recentemente, por uma das empresas apoiadoras.
Jonathan
Nicolau, de 20 anos, se orgulha de falar que é músico por profissão.
Toca trompa há sete anos. "Tocava trompete, mas meu irmão me incentivou e
achei bonito este som. Meus pais, que nunca tiveram oportunidade de
completar os estudos, me incentivaram a seguir em frente”, conta ele.
Única da família a seguir carreira musical, Bruna Feliz, de 22 anos,
enche os olhos de lágrimas ao falar da alegria que é tocar violino para a
mãe. "Quando chego em casa, ela sempre pede para eu fazer uma
apresentação. Ela fica me vendo ensaiar também, adora. É um incentivo a
mais”, diz.
MENOS VIOLÊNCIA
Andando pelas praças e pelo
comércio local, as histórias mais ouvidas são relacionadas à música. "A
cidade mudou desde que os jovens passaram a se envolver com os
violinos”, conta a bióloga Isabela Gomes. Vantoil de Souza, diretor do
projeto, diz que há outros ganhos embutidos nesta cadeia musical.
"Estamos
formando um público exigente para a música, com bons ouvidos. Nem todos
que estudam música terão aptidão para seguir em frente, mas vão saber
diferenciar os tipos de acordes. É um ganho para a sociedade”, afirma.
Dados da prefeitura mostram redução de 90% de casos de violência
envolvendo menores desde 2003, quando o programa foi implantado.
A
cidade, que não tem teatro e conta apenas com duas salas de cinema,
ainda não oferece ao público uma sala de concertos. As apresentações são
em igrejas e praças públicas. E para quem acha estranho que a população
almeje primeiro a sala de concertos do que mais opções de cinema, a
resposta vem em uníssimo. "É pensamento antigo achar que música clássica
é da elite. Elite é carnaval carioca, que custa uns R$ 500 para
assistir. Vá ao Theatro Municipal do Rio e pagará R$ 30 para ver uma boa
ópera”, contabiliza o maestro Guilherme Berstein, que também é
professor de regência da Uni-Rio.
O empenho dos jovens de Barra
Mansa já começa a render resultados internacionais. Saído do projeto,
Marcos Lemes hoje é violinista da Academia Filarmônica de Israel. "Não
tenho dúvidas de que em alguns anos teremos esta garotada toda compondo.
Não podemos sonhar com um segundo Villa Lobos se antes não for dado o
primeiro passo. É uma longa caminhada”, diz Berstein.
http://www.ig.com.br/
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