Encontro entre Gilmar Mendes e Lula aumenta chances de Veja ser convocada à CPMI
Ao publicar matéria neste fim de semana sobre um encontro entre o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Gilmar Mendes, ocorrido há um mês, nesta capital,
no escritório do ex-ministro da Defesa no governo Lula e ex-integrante
do STF Nelson Jobim, na qual Mendes acusa Lula de pressioná-lo a
adiar o julgamento do processo conhecido como ‘mensalão’, em troca de
não revelar supostas provas de envolvimento entre o ministro da mais
alta Corte de Justiça do país e o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO),
personagem central da Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI)
por suas ligações com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, a revista Veja está mais perto de uma convocação para falar aos parlamentares.
Após a entrevista de Mendes, cresce o número de contradições sobre os
fatos. Traduzidos ao pé da letra, os acontecimentos significariam uma
tentativa de chantagem por parte de um ex-presidente da República contra
o integrante do STF ou, sob outro ângulo, trata-se de uma notícia
fabricada para desviar o foco sobre o escândalo que abala os partidos da
direita, como DEM e PSDB, por suas ligações com o esquema criminoso do
bicheiro Cachoeira, e desacreditar a tese do presidente Lula
quanto à inexistência do esquema conhecido como ‘mensalão’, uma espécie
de mesada do governo aos parlamentares da base aliada para que votassem
com o governo. Esta última possibilidade ganhou corpo junto a
parlamentares da CPMI, que buscarão convocar não apenas os
representantes legais da revista, quanto seus editores, para uma série
de explicações.
A maior suspeita que, no momento, recai sobre Veja e Gilmar
Mendes, é a de conluio para atentar contra os trabalhos da CPMI; além de
ofuscar as investigações sobre a que distância chegam os tentáculos do
crime organizado nas três esferas do poder democrático. O número de
imprecisões na matéria colabora para que o pedido de convocação seja
aprovado nas próximas reuniões da comissão. Ao contrário do que afirma
Gilmar Mendes à Veja, fonte ouvida pelo Correio do Brasil
afirma que não partiu do ex-presidente Lula o convite para o encontro,
fato posteriormente confirmado por Jobim que negou, ainda, a existência
de qualquer diálogo entre Lula e o ministro do STF sobre o ‘mensalão’.
Para o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), um dos parlamentares
que mais atua pela investigação dos fatos listados na CPMI do Cachoeira,
por sua experiência como delegado federal, o momento é perfeito para a
convocação de Roberto Civita, dona da Editora Abril e proprietário do título de Veja,
além de editores e demais jornalistas envolvidos com o caso Cachoeira.
Está claro, segundo afirmou o parlamentar, em entrevista exclusiva ao CdB,
que a revista é parte integrante de um esquema que visa blindar
determinadas autoridades envolvidas na rede criminosa do bicheiro e, na
outra ponta, criar uma insegurança jurídica para o julgamento do
‘mensalão’, no STF.
– Creio que a convocação dos representantes da revista, após essa
notícia, é mais do que necessária. Não é a primeira vez que percebemos o
intuito da publicação, de tentar influir nos trabalhos da CPMI e, ao
mesmo tempo, criar uma insegurança jurídica junto ao STF, para o
julgamento do processo conhecido como ‘mensalão’. Cada vez mais esse
veículo de imprensa tenta desestabilizar os trabalhos dos parlamentares
e, agora, ao envolver um integrante da Suprema Corte em um fato obscuro
como foi esse encontro no escritório de um ex-ministro, ao qual o
ex-presidente Lula, ao que tudo indica, esteve presente, é preciso pedir
esclarecimentos para o público, para que as pessoas tenham acesso à
realidade dos fatos – afirmou o deputado, delegado Protógenes.
A insegurança jurídica causada pela atuação da revista no tocante ao processo do ‘mensalão’, segundo o parlamentar, é evidente.
– Essa notícia, que envolve um integrante do STF, tem o claro
objetivo de fomentar o conflito entre os poderes e atormentar justamente
aqueles que irão julgar o processo. É preciso um questionamento sobre a
linha ética dessa publicação – afirmou Protógenes.
‘Pego na mentira’
Para o desembargador Wálter Fanganiello Maierovitch, jurista e membro
das academias Paulista de História e Paulista de Letras Jurídicas, em
artigo publicado nesta segunda-feira em uma página, na internet, não é a
primeira vez que o ministro do STF se vê envolvido em questões pouco
ortodoxas para um integrante da Suprema Corte de Justiça do país.
“O ministro Gilmar Mendes já foi pego na mentira. Isto quando
sustentou o ‘grampeamento’ de conversas telefônicas com o senador
Demóstenes Torres, seu grande amigo. Para a Polícia Federal, por meio de
perícias, não houve interceptações e gravações de conversas. Na perícia
realizada, não atuaram os peritos Ricardo Molina e nem Badan Palhares. À
época, Gilmar Mendes, que estava na Presidência do Supremo Tribunal
Federal (STF), saiu atirando pela mídia. Disse que chamaria o
presidente Lula às falas. Por suspeitar da Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN), Gilmar Mendes exigiu a saída imediata do seu
diretor-geral, que era o íntegro delegado Paulo Lacerda, de relevantes
serviços ao país, em especial quando dirigiu a Polícia Federal. A
propósito, Lula, vergonhosamente, entregou a cabeça de Lacerda e o
ofertou um asilo na embaixada do Brasil em Lisboa”, afirmou, no texto.
Maierovitch lembra que, para dar sustentação à afirmação de Gilmar
Mendes, entraram em cena Demóstenes Torres – que confirmou o diálogo com
Gilmar Mendes e o teor de uma gravação transcrita pela revista Veja
–, e Nelson Jobim, que é aquele que confessou, em livro laudatório e
promocional, haver colocado na Constituição da República artigos
desconhecidos e não aprovados pelos seus pares (deputados)
constituintes. Sobre isso, colocou, quando o escândalo veio a furo, a
culpa em Ulisses Guimarães, que, por estar morto, não podia responder”. O
desembargador chama atenção para o fato de que, no livro, Jobim não
mencionou Ulisses Guimarães e o escândalo foi revelado porque,
“pasmem!!!, algum ingênuo entendeu em ler o escrito por Jobim”.
“Segundo Jobim, então ministro da Defesa e para apoiar Gilmar Mendes,
as Forças Armadas tinham emprestado um aparelho, cujas especificações
mostrou aos jornalistas, para ‘grampeamentos telefônicos’ à Agência
Brasileira de Inteligência (ABIN). As Forças Armadas desmentiram o
ministro Jobim ao revelar que não houve o empréstimo e que Jobim havia
apresentado, quando ao equipamento que teria sido emprestado, catálogos
de empresas vendedoras de equipamentos de segurança. Catálogos que eram
distribuídos em lojas de shopping centers. Como se percebe, a dupla
Mendes-Jobim seria qualificada numa Comissão Apuratória, pelos
antecedentes mendazes com trânsito em julgado, como suspeita de não
estar a falar a verdade”.
No artigo, o jurista constata que, “com efeito, Mendes, agora,
sustenta ter encontrado Lula no escritório de advocacia de Nelson
Jobim”.
“Como dizia Carl Gustav Jung, pai da psicanálise, coincidências não
existem. Sobre isso, Jobim afirmou que o encontro no seu escritório de
advocacia foi uma coincidência, pois restou visitado por Lula quando
Gilmar Mendes estava por lá. Lula aparecer de surpresa no escritório de
Jobim não dá para acreditar. E o estava a fazer um ministro do STF num
escritório de advocacia?”, questiona.
Para Mendes, segundo Maierovitch, “o ex-presidente Lula o pressionou
para adiar o julgamento do ‘mensalão’ e insinuou saber da sua presença,
na cidade alemã de Berlim, em companhia de Demóstenes Torres. Não
bastasse a insinuação, Lula teria assegurado que tal fato não seria
apurado, pelo seu poder de mando, pela CPMI. Em outras palavras, não
entraria na apuração a suspeita de encontro em Berlim sob patrocínio
financeiro de Carlinhos Cachoeira“.
“O grampo sem áudio que vitimou Paulo Lacerda e a Abin envolveu Mendes, Jobim, Demóstenes e a revista Veja
(a revista transcreveu a conversa interceptada entre Mendes-Demóstenes,
mas não exibiu o vídeo). Como favorecido pelo escândalo aparecia o
banqueiro Daniel Dantas, solto por liminares de Gilmar que contrariavam
até súmula do STF. Agora, a história do encontro casual (para a revista Veja o encontro foi a pedido de Lula) e a chantagem envolve Jobim, Mendes, revista Veja e Lula. A quem aproveita essa história, ainda não está claro. Como pano de fundo, a revista Veja coloca o ‘mensalão’. O certo é que Jobim, Mendes e Lula estiveram num mesmo escritório, no mês de abril passado”, concluiu.
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