Sergio Lirio
Os valores éticos da Globo mudaram?
Como se sabe, o jornal O Globo publicou
um comovente editorial em defesa de Roberto Civita, dono da editora
Abril. Em matéria de delírio, o diário carioca da família Marinho só foi
superado pela própria Veja de Civita, que neste fim de semana
conseguiu unir em um mesmo texto aranhas, robôs e comunistas. Parecia um
roteiro de terror B. Já o editorial de O Globo recorria ao
surrado bordão imprensa chapa-branca vs. imprensa livre (livre de quem?)
e tentava ressuscitar um animal extinto, os radicais do PT.
Em resumo: O Globo não viu nada de grave nas relações de Policarpo Jr., diretor da sucursal de Brasília de Veja, com a quadrilha de Carlinhos Cachoeira. E afirmou existir uma “campanha” contra a revista dos Civita.
Outros tempos. Em 2001, a família Marinho demitiu sem pestanejar o
jornalista Ricardo Boechat por considerar impróprias suas relações com
uma fonte.
Boechat era um profissional celebrado e em ascensão nas Organizações
Globo. Editava no jornal uma coluna de notas políticas e econômicas de
muito prestígio e fazia comentários na tevê do grupo. Grampos atribuídos
ao banqueiro Daniel Dantas, que disputava o controle de duas operadoras
de telefonia com os canadenses da TIW, foram publicados pela Veja
(coincidência!!!). Em alguns deles, Boechat conversa com Paulo Marinho,
assessor do empresário Nelson Tanure, representante dos canadenses na
disputa contra Dantas e dono do Jornal do Brasil.
A reportagem de Veja à época descreve: “Em um dos diálogos,
ocorrido em 15 de abril, Boechat conta a (Paulo) Marinho os termos da
reportagem que está escrevendo para revelar manobras do Opportunity e
que seria publicada no dia seguinte em O Globo. Pela conversa,
fica evidente que a direção do jornal não foi informada sobre o grau de
ligação do jornalista com Nelson Tanure…” E por aí vai. Neste caso, Veja, ao acusar uma trama para favorecer um dos lados de uma disputa empresarial, agiu para favorecer o outro, o de Dantas.
Pelo que se viu até agora e pelo que se comenta a respeito do que
virá, as relações de Policarpo Jr. com Cachoeira são muito mais
profundas do que aquelas entre Boechat e Tanure. A começar por um fato:
Tanure é um empresário controverso, geralmente odiado por seus
funcionários, mas não é um contraventor como Cachoeira. Desconhece-se,
por exemplo, o uso de expedientes sujos (arapongas, rede de prostituição
etc.) por Tanure.
Uma década atrás, O Globo enxergou um problema ético
suficientemente grave para demitir seu funcionário. Hoje, defende sem um
átimo de dúvida, sem aquele saudável distanciamento de quem não estava
presente no exato momento dos fatos, uma empresa na qual não figura
entre os acionistas. Como a família Marinho pode ter tanta certeza a
respeito da lisura do comportamento de Veja sem ter
conhecimento do teor completo dos telefonemas entre Policarpo Jr. e o
bicheiro? Nem sobre os métodos cotidianos da editora?
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