domingo, 6 de maio de 2012

Não foi só a bengala

Na quinta-feira o presidente LULA esteve presenta na abertura de um seminário do BNDES, no Rio de Janeiro. Os grandes meios de comunicação destacaram o fato dele ter aparecido de bengala e ter brincado com a voz, já que fazia tempo que não falava em público. Todavia o conteúdo do que ali se discutiu ninguém dos chamados meios de comunicação televisivo mostrou. E o assunto é por demais importante e profundo. Nas palavras do nosso presidente um cenário das potencialidades que se avizinham no médio prazo.


Ex-presidente Lula na mesa de abertura do seminário (Foto: Ricardo Stuckert/IL)

Evento no Rio de Janeiro faz parte das comemorações dos 60 anos do BNDES


O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou nesta quinta-feira (3) as políticas de austeridade que estão sendo usadas para enfrentar a crise na Europa e elogiou a iniciativa africana de fomentar o crescimento do continente. A declaração foi feita no Rio de Janeiro, durante o seminário “Investindo na África: Oportunidades, Desafios e Instrumentos para a Cooperação Econômica” organizado pelo BNDES. 

O ex-presidente destacou, nesse contexto da crise europeia, a importância de iniciativas como o Programa para o Desenvolvimento da Infraestrutura na África, o Pida. Segundo Lula, o Pida aponta para uma África do século 21, nos moldes do que é o PAC, que começou em seu governo e hoje é ainda melhor gerenciado pela presidenta Dilma.

O ex presidente Lula participou hoje da mesa de abertura do seminário, da qual também fizeram parte Luciano Coutinho, presidente do BNDES, Thomas Sukutai Bvuma, embaixador do Zimbábue e decano do Corpo Diplomático da África no Brasil; Edison Lobão, ministro de Minas e Energia; Sérgio Cabral, governador do Estado do Rio de Janeiro; Eduardo Paes, prefeito do Município do Rio de Janeiro e Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Não queremos hegemonia, queremos parceria

Em sua fala, Lula falou o momento de crise que os países ricos vivem hoje, criticou as políticas de austeridade e ressaltou a importância do programa de desenvolvimento da África. O ex-presidente defendeu a importância da parceria entre o Brasil e a África e ressaltou que ela deve se dar não no sentido de imposição de modelos e sim no de construção conjunta de para desenvolver o continente africano. “Não queremos hegemonia, queremos parceria”, disse ele.

O seminário “Investindo na África: Oportunidades, Desafios e Instrumentos para a Cooperação Econômica” faz parte das comemorações dos 60 anos do BNDES e reuniu ministros, empresários, diplomatas e dirigentes do Banco Africano de Desenvolvimento e do Banco Mundial.


Leia abaixo a íntegra do discurso lido pelo ex-presidente Lula nesta quinta-feira:

“Meus caros companheiros de mesa, autoridades, empresários, diplomatas, caros convidados, caros colaboradores do BNDES,

Minhas amigas, meus amigos,

Antes de tudo, meus parabéns ao Luciano, aos diretores e a equipe do BNDES, pelo aniversário de uma das instituições mais importantes do Brasil, e o maior banco de desenvolvimento do mundo. Voltar hoje ao Rio de Janeiro para conversar sobre as relações entre o Brasil e a África me enche de alegria.

Mais ainda por estar ao lado dos ilustres visitantes que vieram de tão longe para apresentar os planos elaborados para construir a nova África do século XXI. Parabéns Luciano, pela realização deste seminário.

Eu quero aproveitar essa oportunidade para falar um pouco com vocês sobre as relações entre o Brasil e a África nos dias de hoje. Discutir esse assunto se torna ainda mais importante porque o mundo enfrenta uma crise econômica de grande magnitude.

Uma crise que afeta todos nós, no Brasil, na África, e que é respondida pelos países ricos sempre da mesma forma: com “medidas de austeridade”. Isso quer dizer, corte dos investimentos públicos, diminuição dos salários, demissões, corte de benefícios dos trabalhadores, aumento da idade mínima para a aposentadoria.

Pedem austeridade aos povos, aos trabalhadores e aos governos dos países mais frágeis economicamente.

Mas, ao mesmo tempo, aprovam pacotes e pacotes de injeção de recursos no sistema financeiro, justamente nos setores responsáveis pela ciranda especulativa que provocou a crise que estamos vivendo.

Ou seja, punem as vítimas da crise e distribuem prêmios para os responsáveis por ela. Há algo de errado, de muito errado, nesse caminho.

Parece que os organismos multilaterais não têm autoridade e governança para fazer valer suas deliberações.
Lembro que os países do G20, em 2009, chegaram a um acordo sobre um conjunto de medidas para reforçar a regulação dos mercados financeiros.

De lá pra cá, nada foi feito nesse sentido.

Olho para a evolução da crise e constato com tristeza que muitos governantes nos países ricos, continuam movidos pela mesma lógica que produziu a crise de 2008, ainda não resolvida.

Uma lógica que pode ser resumida assim: ao sistema financeiro, todo o apoio para que não sofra com a crise; aos trabalhadores, aos aposentados, aos mais frágeis, aos países mais pobres, nenhum socorro.

Daí a importância extraordinária do programa de desenvolvimento que os 54 países da África aprovaram recentemente, apostando no crescimento, na produção, no trabalho e no crédito.

Os africanos elaboraram um programa inédito, que tem como lema “Interligar, Integrar e Transformar o continente”. Um programa que cria as condições necessárias para intensificar o comércio entre os países africanos. A União Africana mostra a seriedade daqueles que, diante da crise, não se desesperam.

Ela pões medidas para incentivar investimentos =, aumentar o consumo interno e criar mais empregos.

A União Africana está certa: o momento é de ousadia e não de passividade. A hora é de união e não de divisão. O tempo é de solidariedade entre nações, não de opressão dos mais fortes sobre os mais fracos.

Minhas amigas, meus amigos,

Paz, democracia, crescimento e distribuição de renda são as marcas registradas da África do século XXI. Apesar dos problemas que ainda enfrenta aqui e ali, a África caminha para superar a herança devastadora do colonialismo e das disputas entre as grandes potencias da Guerra Fria.

Ela consolida a passos largos sua democracia. Em 2011, no norte da África a população tomou as praças e as ruas para exigir democracia, na chamada “Primavera Árabe”. Em 2012, haverá 25 eleições para o Executivo e para o Legislativo em países do continente.

São 25 eleições, meus amigos. São povos que valorizam a democracia e que, sem receber lições de ninguém, querem ter o direito de escolher seus governantes.

Eu acho este dado extraordinário, porque, aqui no Brasil, chegam poucas notícias da África e, quando chegam, são notícias ruins. E a África está cheia de notícias boas.

É gratificante saber que o PIB do continente cresce há 10 anos a taxas robustas e que deve crescer quase 6% em 2012. Que a chamada classe média na África já ultrapassa a marca de 300 milhões de pessoas. Que o número de jovens nas escolas e nas universidades está crescendo. Que mais de 430 milhões de africanos usam celular e cerca de 100 milhões estão ligados à internet.

Minhas amigas, meus amigos,

As relações entre o Brasil e a África estão vivendo um momento muito especial.

Pela primeira vez na história, existe uma combinação do crescimento econômico da África com o crescimento econômico do Brasil.

O Brasil tem hoje a 6a economia do planeta e tem novas responsabilidades num mundo globalizado.

Em lugar de ficarmos paralisados diante da crise internacional, que não foi criada nem por brasileiros, nem por africanos, precisamos estreitar ainda mais nossos negócios e nossas relações econômicas.

Somos parceiros naturais, somos amigos de longa data, somos irmão para sempre. Hoje existe um mar de possibilidades para serem aproveitadas pelos brasileiros, pelos sul-americanos e pelos africanos. Foi-se o tempo em que o Atlântico nos separava. Ele nos une numa mesma fronteira. Somos vizinhos que nos banhamos nas mesmas água.

Estou convencido de que chegou a hora do Brasil começar a pagar a enorme dívida de solidariedade que nós temos com a África. Nosso País só tem a força que tem hoje porque, durante os mas de 300 anos de escravidão, contou com o suor e o sangue de milhões de africanos, derramados nas minas, nas plantações, nas cidades, na resistência dos quilombos.

E hoje seus descendentes são parte importante das lutas pelos direitos sociais e pela democracia. Somos o que somos hoje em grande medida graças aos africanos.

O Brasil é o país fora da África com a maior população afrodescendente. Temos uma enorme identidade com a África. Isso pode também ajudar os empreendedores brasileiros a aproveitar as incontáveis oportunidades de negócio que se abrem.

Mas veja bem: a África não quer, nem deve ser dirigida por outros. A África quer consolidar sua democracia, autogerir seus destinos e promover seu povo, sem interferência política ou militar de nações estrangeiras.

A África quer conquistar a autossuficiência alimentar, quer promover sua autossuficiência energética, quer construir uma logística de integração, que promova um salto na cooperação continental.

O Brasil pode dar importantes contribuições em todas essas áreas cruciais. Nos últimos 40 ou 50 anos, avançamos extraordinariamente na tecnologia da agricultura tropical. Hoje somos um dos grandes produtores de alimentos no mundo. Temos terras, temos água, temos trabalho, temos tecnologia e temos sol – uma vantagem imensa em relação à agricultura de clima temperado.

A África compartilha conosco muitas dessas características. Com a tecnologia adequada, e podendo se valer da experiência da Embrapa, ela poderá dar nas próximas décadas um grande salto.

O século XXI é o século da agricultura tropical. Olhem o mapa. A savana africana é muito semelhante ao nosso cerrado, hoje o nosso maior celeiro. Estou seguro de que em pouco tempo a África poderá alimentar o seu povo, sem depender de ninguém, e também exportar grãos, carnes e biocombustíveis para outros países do mundo. Queremos trabalhar juntos com a África nesse salto para o futuro.

A África tem tudo para conquistar a autossuficiência energética. Tem grandes jazidas de petróleo e gás, pode tornar-se uma grande produtora de biocombustíveis e possui um espetacular potencial hídrico praticamente intocado. O Brasil possui grande experiência em todas essas frentes Está acostumado a aproveitas recursos naturais em meio a enormes vastidões territoriais. Aprendeu a resolver problemas de cooperação e integração em áreas continentais. Somos um país tropical, com tecnologia própria, e queremos que a África usufrua dessa tecnologia e alcance a autossuficiência energética.

Vemos com satisfação que o conceito do PIDA é o da construção de uma logística de integração da África. Isso significa um fantástico impulso no estreitamento das relações entre os diversos países africanos.

Houve um tempo em que os países da América Latina só sabiam olhar para a Europa e os Estados Unidos. Vivíamos de costas uns para os outros. Felizmente, essa [época ficou para trás e aprendemos que só tínhamos a lucrar com o estreitamento de relações entre nossas economias e, com a integração das nossas logísticas.

Os números são impressionantes.

As exportações do Brasil para a África passaram de 2,4 bilhões de dólares em 2002, para 12,2 bilhões em 2011.

A soma das exportações e importações passou de 4,3 bilhões em 2000 para 27,6 bilhões em 2011.

Hoje temos parcerias na construção e na administração de usinas, linhas de transmissão, rodovias, ferrovias e programas de incentivo tecnológico.

Também nessa área podemos compartilhar nossas experiências e dos demais países da América do Sul com os irmãos africanos.

Não podemos enxergar a África do jeito que era vista no passado, como uma simples fornecedora de minérios, gás e petróleo.

Temos de buscar sócios africanos, a mão de obra de nossas empresas tem que ser africana.

Não queremos hegemonia, queremos parceria, como aquela que foi feita na educação, quando, juntos, criamos a Universidade Luso-Brasileira, a UNILAB, em Redenção, no Ceará.

Queremos ajudar a desenvolver empresas africanas, ajudar a formar técnicos. Queremos transferir tecnologia, como é o caso da instalação de uma fábrica de antirretrovirais, em Moçambique.

O Brasil pode contribuir também com suas experiências de políticas públicas de combate à fome e à miséria. Encontramos caminhos que levaram mais de 40 milhões de brasileiros para a classe média. Que criaram mais de 17 milhões de empregos com carteira assinada. Que aumentaram o salario mínimo dos trabalhadores sem aumentar a inflação. Que levaram a energia elétrica pela primeira vez a 15 milhões de pessoas, através do Programa Luz Para Todos.

Minhas amigas e meus amigos,

Os governantes, em qualquer parte do mundo, têm que assumir a responsabilidade de falar em nome dos pobres e de colocar nos orçamentos o enfrentamento da miséria e da pobreza.

Os pobres têm que participar do desenvolvimento. O caminho é aquele amplia a democracia , coloca ao alcance do povo mais saúde e educação e distribui renda, impulsiona o consumo e realiza grandes obras de infraestrutura.

Usinas de energia elétrica, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, melhor comunicação, mais tecnologia, água e alimentos para todos. Foi esse o espírito que nos moveu na elaboração do Programa de Aceleração do Crescimento aqui no Brasil, nosso PAC.

Esse grande programa que minha querida presidenta Dilma desenvolve ainda mais, de forma integrada com o Plano Brasil sem Miséria.

É esse o espírito que norteia também o Programa para Desenvolvimento da Infraestrutura, o PIDA, da União Africana.

Estou seguro que podemos aumentar nossa cooperação e nossos investimentos na África. Podemos fazer muito mais do que fizemos até aqui.

O momento é agora e tudo deve ser feito para que ele não seja perdido.

Muitas felicidades para vocês, um excelente seminário para todos”.


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