Da Carta Capital
Rodrigo Martins
'A privataria tucana'
O ruído virtual do silêncio
Em apenas quatro dias, a primeira edição estava esgotada, com 30 mil
exemplares vendidos. As primeiras 15 mil cópias de A Privataria Tucana,
livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., desapareceram em menos de 24
horas das principais livrarias do País, um sucesso inegável. O êxito
editorial é um reconhecimento do esforço de apuração do repórter, que
passou mais de dez anos investigando as maracutaias das privatizações na
era Fernando Henrique Cardoso. “Mas se esta mesma obra tivesse sido
lançada dez ou 15 anos atrás, ela poderia ter amargado um fracasso de
vendas”, especula o jornalista e sociólogo Venício Artur de Lima,
professor aposentado da Universidade de Brasília. “A chamada grande
mídia ignorou solenemente as denúncias do livro e, não fosse pela
repercussão na internet, em blogs e redes sociais, dificilmente teria
entrado para o debate público como ocorreu.”
A omissão dos principais veículos de comunicação revelou, sobretudo, a
seletividade da mídia tradicional na cobertura dos escândalos
políticos. As exceções,comode hábito, foram raras. CartaCapital-
antecipou aos leitores, em reportagem de capa com 12 páginas, as
principais denúncias feitas por Ribeiro Jr., fartamente documentadas no
livro, além de -divulgar com exclusividade trechos da obra. A TV Record,
que emprega o repórter-autor, também dedicou parte significativa do seu
noticiário ao tema, assim como a revista eletrônica Terra Magazine,
editada por Bob Fernandes. Ficou por aí. Enquanto os principais jornais e
telejornais se calavam, quem cuidou de manter o debate aceso foram os
internautas, tanto em textos publicados em blogs,como nos incalculáveis
comentários que se alastraram pelo Facebook, Twitter e outras redes
sociais. Diante da dificuldade de encontrar o livro nas prateleiras das
livrarias, multiplicaram-se os boatos sobre um possível boicote. E
também versões -digitalizadas da obra na web. “Muita gente baixou
cópias. O livro impresso deve chegar ao Acre (se chegar) em 2012”,
tuitou o jornalista acriano Altino Machado.
O silêncio dos jornalões impressionou até mesmo profissionais
calejados, acostumados a combater o jogo rasteiro da mídia tradicional.
“Sete ministros da presidenta Dilma já caíram, sempre em razão de
denúncias de corrupção ou de tráfico de influência. Em todos os casos, a
mídia cumpriu o seu papel. Investigou e mancheteou. Impiedosamente. A
oposição botou a boca no trombone,comolhe cabe fazer. Mas, desde
sexta-feira 9, o que se ouve é um estrondoso silêncio”, criticou
Fernandes no Jornal da Gazeta, três dias após o lançamento do livro.
“Alguém invocou a credibilidade do Sombra, aquele que recebia e
pagava (propina) e que levou à queda do governador José Roberto Arruda
(do Distrito Federal)? Ou dos motivos que levaram Roberto Jefferson a
denunciar o mensalão? E o policial João Dias, que recebia
dinheiro,comoconfessou há pouco, mas levou à queda do ministro do
Esporte, Orlando Silva?”, indagou. “Os citados no livro A Privataria
Tucana seguem em profundo silêncio. A mídia, sempre pronta a investigar e
manchetear,comoé de seu ofício, também segueem silêncio. Umsilêncio
estrondoso. Se continuar assim, um silêncio revelador.”
Entrincheirado em seu blog, o jornalista econômico Luis Nassif foi um
dos primeiros a repercutirem a última reportagem de capa de
CartaCapital e esmiuçar as denúncias do livro, ao lado de Luiz Carlos
Azenha, Paulo Henrique Amorim e Rodrigo Vianna. “Ao juntar todas as
peças do quebra-cabeça e acrescentar documentos relevantes, Amaury
escancara a história recente do País. Fica claro por que os jornais
embarcaram de cabeça na defesa de Daniel Dantas, Gilmar Mendes e outros
personagens que os indispuseram com seus próprios leitores”, escreveu.
Na avaliação de Nassif, a mídia firmou um grande pacto com Serra em
2005, com duplo objetivo: um, não alcançado, de ajudá-lo a se tornar
presidente da República; o outro, levado a cabo, foi a blindagem contra
qualquer tipo de denúncia. “Foi um comprometimento tão amplo, orgânico,
que agora a velha mídia não repercute mais nada que deponha contra
Serra. De um modo geral, a imprensa brasileira sempre teve uma cobertura
partidarizada, mas havia um espaço mínimo de debate. Um colunista
podia, eventualmente, discordar da linha editorial do jornal. Havia mais
sensibilidade para oferecer informações de interesse do leitor. Goste
ou não do livro do Amaury, não se pode ignorá-lo. Deve ser debatido nem
que seja para rebater o que está escrito lá. Isso expôs os próprios
jornalistas da mídia tradicional ao ridí-culo. Quem tem perfil em redes
sociais está sendo cobrado pelos leitores.”
De fato, sobram exemplos de jornalistas constrangidos na web. No
Twitter, por exemplo, diversos colunistas e analistas políticos perderam
a esportiva quando indagados por internautas sobre o seu silêncio em
relação às denúncias. Lúcia Hippolito, comentarista da Rádio CBN,
justificou que ainda não havia tido tempo para ler o livro e disparou
contra um seguidor do seu microblog: “Por favor, não gosto de ser
pautada. Não gostava na ditadura, não vou aceitar na democracia. Vou ler
o livro com atenção e comentar”. Ricardo Noblat, colunista do jornal O
Globo, afirmou que comprou um exemplar, mas o lê “sem pressa”. Cobrado
por leitores, fugiu pela tangente: “Lula disse mais de uma vez que a
grande imprensa não forma opinião. Não é levadaem conta. Portanto, o
livro do Amaury não precisa de resenhas na grande imprensa para vender
bem. As redes sociais se encarregarão disso. Não é?” Também Dora Kramer,
colunista do Estado- de S. Paulo, viu-se numa saia justa diante das
cobranças na internet: “Se a ‘mídia golpista’ não tem a menor
importância, por que querem tanto que a imprensa comente o livro?” A
jornalista perguntou e ela própria sabe qual é a resposta.
Na avaliação de VenícioLima, esse tipo de embate deve se intensificar
ainda mais, conforme a internet é popularizada no Brasil. “A verdade é
que a mídia perdeu o monopólio para ditar a pauta do debate público.
Novas fontes de informação política surgiram na web, com a possibilidade
de interação com os leitores, e essas fontes são consultadas.
Independentemente da vontade da grande mídia, o tema tem sido debatido
intensamente nos últimos dias, o que forçou alguns jornais, como a Folha
de S.Paulo e o Estadão, a se pronunciarem, ainda que timidamente, numa
tentativa de desqualificar o autor do livro”, afirma. “Eles sabem que
precisam entrar nesse debate, porque o que está em jogo é a
credibilidade deles. Não dá para continuar atuandocomoum partido
político, atacando os rivais e protegendo os amigos, porque esse tipo de
postura é denunciado na internet. Não é à toa que há muito tempo eles
perdem leitores e audiência.”
Para o jornalista Paulo Henrique Amorim, apresentador do Domingo
Espetacular, da TV Record, e editor do site Conversa Afiada, o fenômeno
pode ser comparado à Primavera Árabe. Apenas a sua página na internet
viu a audiência crescer 20% desde o lançamento do livro de Amaury,
passando de 42 mil acessos diários para mais de 52 mil. “A internet
ajudou a desmascarar Serra e a imprensa golpista, que está se enterrando
agarrada às entranhas do nosso Mubarak. Digo isso porque o Serra está
com a mesma saúde política do Mubarak. As farsas do tucano durante a
campanha de 2010,comoo espetáculo da bolinha de papel, foram
desmascaradas na web. A mídia sempre deu respaldo às calhordices dele, e
agora perdeu a credibilidade.”
Amorim foi um dos primeiros a revelarem que Ribeiro Jr. preparava um
livro contundente sobre as maracutaias das privatizações. Quando ficou
sabendo da disputa interna na cúpula da campanha de Dilma, entre os
grupos de Rui Falcão e de Fernando Pimentel, procurou Amaury para
perguntar sobre o suposto dossiê que preparava contra Serra. “Ele negou a
existência de um dossiê, mas confirmou que estava escrevendo um livro
sobre as privatizações. Na época, cheguei a publicar um prefácio da
obra, que nem chegou a ser aproveitado na versão final, mas que resumia
as denúncias. Desde então, passei a ser alvo de intensos ataques. Não
faltou quem dissesse que o livro não existia, era uma peça de ficção,
mas eu voltei a conversar com ele diversas vezes e ele me mostrava
documentos, provas do que dizia e às vezes deixava eu ler um capítulo
concluído”, afirma. “Pois bem, não era ficção. O livro está aí. E a
mídia se recusa a falar sobre ele, até porque não sabecomorebater as
-acusações. Essa é a pior imprensa de todas as novas democracias. E
sempre foi assim, covarde, partidária. É a mesma imprensa caluniosa do
tiro no peito de Getúlio Vargas, o boletim interno da Casa Grande.”
Na avaliação do jornalista Rodrigo Vianna, que mantém o blog O
Escrevinhador, “o livro fatalmente ficaria restrito aos poucos veículos
de comunicação mais críticos se os internautas não fizessem barulho na
web”. A audiência em seu blog cresceu de 20% a 30% após noticiar o caso,
um crescimento semelhante ao do site de CartaCapital. Em ambas as
páginas, os textos relacionados à “privataria tucana” foram recordistas
de comentários. “É evidente que a grande mídia tem um peso muito forte
para mobilizar a opinião pública. Consegue derrubar ministros e motivar
investigações oficiais com facilidade, mas ela não detém mais o
monopólio da agenda pública. Não consegue mais esconder um tema como
esse. -CartaCapital chegou às bancas na sexta-feira 9 e em menos de 12
horas o Brasil inteiro discutia a sua matéria de capa e o livro do
Amaury. Quem tem acesso à internet não ficou sem informação. Já os
leitores da velha mídia não tiveram a mesma sorte. Essa omissão pode
sair caro.”
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