sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Vergonha do meu verdão...

Da Carta Capital


Matheus Pichonelli

Palmeiras ameaça processar autor da biografia de São Marcos

Poucos times no Planeta sabem tratar tão mal seus ídolos como o Palmeiras. Não por acaso, o principal clube brasileiro do início do século encerra 2011 com uma coletânea de fiascos que hoje lhe garantem o título único de melhor equipe da zona oeste de São Paulo. Por enquanto.

A história recente de fracassos tem origem fora dos campos, onde ídolos dos gramados são tratados como gado. Foi assim com Diego Souza, descartado do Palestra Itália quando era ainda o melhor meia em atividade do País, e Vagner Love, jogado às feras após o declínio do time em 2009. Mais recentemente, o atacante Kleber, já chamado de Gladiador, teve que sair pelas portas do fundo por ter falado demais e jogado de menos.


Capa do livro 'São Marcos do Palestra', do jornalista Celso de Campos Jr.

A lista é grande: Edmundo, dispensado às vésperas de marcar seu 100º gol pelo clube, e Evair, esquecido num banco de reservas no Mundial de Clubes pouco depois de carregar o piano numa temporada consagradora.

Por essas e outras o goleiro Marcos é, antes de tudo, um sobrevivente. Completa, no ano que vem, duas décadas de clube com um status peculiar: ídolo, acima do bem e do mal, e blindado de qualquer vaia ou crítica.

Protagonista de alguns dos grandes jogos da história alviverde, especialmente nas Libertadores de 1999 e 2000, quando o time eliminou o Corinthians, o arqueiro teve neste ano uma homenagem que poucos atletas receberam em atividade: uma biografia de caudalosas 304 páginas.

Mesmo assim, a diretoria do clube deu mais uma mostra de que é apta para gerenciar cantinas, e não ídolos. Num tempo em que a ordem é compartilhar informações em rede, o livro, “São Marcos de Palestra Itália”, escrito pelo jornalista Celso de Campos Jr., corre o risco de ser censurada antes mesmo de chegar às prateleiras.

Numa atitude digna de quem prefere andar de carroça na era do automóvel, a diretoria palmeirense ameaça processar o autor caso a biografia seja distribuída.

É o que conta Celso de Campos Jr., ainda embasbacado com a situação kafkiana.

O livro, publicado pela Realejo Edições, começou a ser idealizado em 2003, tempo de vacas magras no Palestra Itália, quando o time disputava a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. Na época, Marcos recebeu uma proposta para jogar no todo-poderoso Arsenal, da Inglaterra. E recusou.

O episódio, espécie de chave de ignição para o autor, é recontada na biografia do goleiro nascido em Oriente (SP), levado ao Palmeiras em troca de doze pares de chuteiras e que alcançou o topo do mundo como titular da seleção brasileira pentacampeã na Copa de 2002.

Em 2011, ano em que Marcos planejava se aposentar (a decisão foi adiada para 2012), o jornalista, que já havia escrito um livro sobre o sambista Adoniran Barbosa, procurou o clube para encaminhar o projeto idealizado oito anos antes. A ideia era se aproximar do atleta, que foi praticamente blindado pelo clube. O pedido, segundo ele, foi simplesmente encaminhado ao departamento de marketing alviverde, de onde jamais houve um sinal sequer.

O argumento para o descaso é que outros autores também tinham o interesse em publicar um livro sobre o pentacampeão, mas o clube era o único detentor da marca Palmeiras.

“Durante todo esse tempo, não consegui falar com o Marcos. O assessor dele me orientou a falar com o Palmeiras, e o Palmeiras blindou”, conta.

Mesmo assim, o autor conta que continuou trabalhando no projeto, com base em reportagens publicadas ao longo da carreira do goleiro e entrevistas com personagens que o lançaram ao futebol, como o olheiro e o seu primeiro treinador.

Até então, o Palmeiras muito ajudou quando não atrapalhou. Até que resolveu atrapalhar. Na terça-feira 20, Celso de Campos Jr. recebeu uma notificação extrajudicial originada pelo diretor jurídico do Palmeiras, Piraci de Oliveira. “Ele dizia que a gente não tinha autorização para a biografia, e deveria cessar a distribuição, sob penas de ações cíveis e criminais. A única base era que não tinha autorização”, diz o autor.

A biografia se tornou, então, briga de cachorro grande. E, sem querer, deu um novo capítulo à novela sobre censura e liberdade de expressão no País, que já vitimou os fãs de nomes como Roberto Carlos, Garrincha e até mesmo Lampião.

Contra a torpeza alviverde, autor e editora ganharam o apoio de nomes como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-presidente do Palmeiras e colunista de CartaCapital. Revoltado com a atitude do clube, Belluzzo ouviu juristas de renome e intermediou o contato do autor com advogados. Tudo para proteger o livro da censura prévia.

A batalha jurídica está só começando, e não se sabe que fim levará. Uma coisa ao menos é certa: ao censurar uma homenagem ao próprio ídolo, o Palmeiras sai menor do episódio, vença ou não o imbróglio.

Até lá, a editora promete não cessar a divulgação. A previsão é que a biografia chegue às livrarias na semana que vem.

Marcos merece esta e outras muitas homenagens. Ele é hoje o que existe de melhor quando o assunto é Palestra Itália, um clube cada vez menor em relação aos seus ídolos, seus torcedores, e sua história.

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