Do Luis Nassif
Agora que as notícias dão conta da boa perspectiva de
restabelecimento do Lula, é curioso debruçar sobre as análises
apressadas sobre uma era pós-Lula.
Aliás, chocante a maneira como algumas comentaristas celebraram a
doença de Lula. Até nos ambientes mais selvagens - das guerras, por
exemplo - há a ética do guerreiro, de embainhar as armas quando vê o
inimigo caído, por doença, tragédia ou mesmo na derrota. Por aqui, não: é
selvageria em estado puro.
A analista-torcedora supos que, com a doença de Lula, haveria uma
mudança radical no quadro político. Sem voz, Lula seria como um Sansão
sem cabelos. Sem Lula, não haveria Fernando Haddad. Sem contar os
diagnósticos médico-políticos, de que Lula foi castigado por sua vida
desregrada. Zerado o jogo político, concluiu triunfante.
Num de seus discursos mais conhecidos, Lula bradava para a multidão:
"Se cortarem um braço meu, vocês serão meu braço; se calarem a minha
voz, vocês serão minha voz...".
Qualquer tragédia com Lula o alçaria à condição de semideus, como foi
com Vargas. O suicídio de Vargas pavimentou por dez anos as eleições de
seus seguidores. É só imaginar o que seriam os comícios com a reprodução dos discursos de Lula. Haveria comoção geral.
A falta de Lula seria visível em outra ponta: é ele quem segura a
peteca da radicalização. Quem seguraria suas hostes, em caso da sua
falta? Seu grande feito político foi promover um pacto que envolveu os
mais diversos setores do país, dos movimentos sociais e sindicais aos
grandes grupos empresariais. E em nenhum momento ter cedido a esbirros
autoritários, a represálias contra seus adversários - a não ser no campo
do voto -, mesmo sofrendo ataques implacáveis.
Ouvindo os analistas radicais, lembrando-se da campanha passada, como
seria o país caso Serra tivesse sido eleito? É um bom exercício. Não
sobraria inteiro um adversário. Na fase Lula, há dois poderes se
contrapondo: o do Estado e o da mídia e um presidente que nunca
exorbitou de suas funções. No caso de Serra, haveria a junção desses
dois poderes, em mãos absolutamente raivosas, vingativas.
Ao fechar todos os canais de participação, Serra sentaria em cima de
uma panela de pressão. Sem canais de expressão, muitos dos adversários
ganhariam as ruas. Sem a mediação de Lula, não haveria como não resultar
em confrontos. Seria uma longa noite de São Bartolomeu.
Essa teria sido a grande tragédia nacional, que provavelmente comprometeria 27 anos de luta pela consolidação democrática.
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