Do Luis Nassif
Da Carta Maior
Milhares protestam na Europa contra ditadura do mercado
Por Webster Franklin
Milhares protestam na Europa contra ditadura do mercado
Dezenas de milhares de manifestantes saíram às ruas em importantes
capitais europeias na jornada "unidos por uma mudança global". Maiores
atos ocorreram em Bruxelas, Madri, Barcelona, Roma e Londres. Para Jon
Aguirre Such, um dos integrantes do grupo Democracia Já, da Espanha, o
alcance e a extensão dos protestos “demonstra que não se trata de um
tema que diz respeito unicamente aos espanhóis, mas sim ao mundo
inteiro. A crise é mundial, os mercados atuam em escala global, a
resposta, então, é mundial”. A reportagem é de Eduardo Febbro, direto de
Bruxelas.
Eduardo Febbro - Direto de Bruxelas
“A bolsa ou a vida!” O cartaz
colocado na fachada do edifício da Bolsa de Bruxelas serviu de fio
condutor da jornada “unidos por uma mudança global” que reuniu dezenas
de milhares de pessoas em todo o planeta neste sábado. Ao longo trajeto
pela capital belga, cada vez que os cerca de 7 mil manifestantes
passavam por um banco ou qualquer outra instituição financeira um coro
de vaias e gritos em todos os idiomas possíveis rompia o consenso
festivo da marcha. Assim como em outras capitais do mundo, a impunidade
dos bancos foi o alvo principal da manifestação popular. “Culpables,
ladrones cabrones”, gritava um enraivecido senhor belga de
aproximadamente 50 anos que aprendeu com um indignado espanhol a dizer
essas palavras em castelhano. Quando a marcha chegou à sede da bolsa, a
gritaria se tornou um slogan comum: “Culpados!”.
Logo em seguida, os indignados vindos de vários países da Europa
lançaram uma chuva de sapatos contra o edifício da Bolsa, ante o olhar
atônito e cheio de incompreensão dos jornalistas belgas que cobriam o
evento. Um imenso fosso segue separando os círculos oficiais dos meios
de comunicação e os milhares de jovens e adultos que saíram às ruas para
expressar seu rechaço e sua repugnância frente a um sistema mundial
que protege e subvenciona os ladrões e castiga as vítimas com todo o
peso da irresponsabilidade e da indolência.
Ao longo da marcha, os indignados colaram dezenas de adesivos nos
caixas automáticos de bancos, fizeram uma parada na Praça de Burckère,
lançaram muitos insultos na frente da sede do banco Euroclear – a
instituição pretende demitir 500 pessoas – sem cansar-se jamais de
cantar o hino mundial das marchas: “We are the 99%”, ou seja, os 99% da
humanidade vítima da barbárie social perpetrada sim piedade “por esses
senhores de gravata, salários de reis e contas bancárias com dinheiro
que não pertence a eles”, segundo disse André, um jovem belga com
diploma de engenheiro de redes, mas sem trabalho. A medida que ia
passando o tempo e os números da participação em outras cidades do mundo
iam chegando aos seus ouvidos, os indignados celebravam e aplaudiam o
êxito e a visibilidade planetária do movimento. “Não somos nem
marionetes, nem mercadoria do liberalismo, somos gente com consciência, e
que estamos para que nos vejam”, disse Antonio, um indignado espanhol
que se expressavam com orgulho e em um tom alto de voz.
Jon Aguirre Such, um dos integrantes do grupo Democracia Já, da
Espanha, que impulsionou o movimento do 15M, resumiu muito bem a
situação quando explicou que o alcance e a extensão dos protestos
“demonstra que não se trata de um tema que diz respeito unicamente aos
espanhóis, mas sim ao mundo inteiro. A crise é mundial, os mercados
atuam em escala global, a resposta, então, é mundial”. Até os mais
aguerridos militantes contra o sistema financeiro mundial observam
espantados a forma como que, paulatinamente, os protestos contra o
sistema financeiro, o repúdio à forma que foi reduzida a democracia, vem
ganhando as capitais do mundo.
Neste sentido, o economista Thomas Coutrot, co-presidente do
movimento ATTAC, assinalou que “o que está acontecendo é um fenômeno
muito promissor. Os cidadãos já não querem delegar as decisões aos
políticos e aos partidos. Querem influenciar. É uma espécie de retorno
às fontes da democracia”.
“Os países da zona euro puseram 160 bilhões de euros para salvar a
Grécia sem consultar ninguém, e isso em um momento em que os sistemas
sociais da Europa está afundando sob o peso dos cortes orçamentários.
Isso não é democracia”, disse, colérico, Jean, outro jovem indignado
belga. Ao lado dele, na concentração diante da bolsa, Javier, um
indignado espanhol que veio a Bruxelas há uma semana para participar das
oficinas sociais organizadas desde o domingo passado, completou o
panorama com cifras mais concretas: “Se fazemos um balanço, dá
calafrios; os estados europeus entregaram 5,3 trilhões de dólares para
resgatar os bancos da crise. Nenhum Estado consultou a população, ou
seja, quem vota naqueles que estão no poder. Essa soma equivale a 16
vezes o valor da dívida da Grécia e é mais de 400% do que todos os
países da União Europeia gastam, juntos, em educação ou saúde pública.
Estão nos tomando como idiotas!”.
Os argumentos destes indignados deixam em uma posição ridícula o
punhado de contra-manifestantes que se concentraram no início da marcha
para protestar contra os indignados. Era um grupo de dândis, vestidos
como tais, a quem um indignado disse: “se vocês não nos deixam decidir,
nós não deixaremos vocês dormir”. Com alguns incidentes, vidros
quebrados, mas sem choques fortes com a polícia, a marcha belga se
dirigiu para o ato final no Parque do Centenário. “Aqui estamos, e somos
muitos”, disse Pierre, um indignado francês que caminhou desde Tolouse
até Bruxelas. “Estamos aqui, em Roma, Madri, Washington, Nova York,
México, Nova Déli, Berlim, Paris, onde seja. Os poderosos do mundo
trabalham para um pequeno grupo de amigos, ignorando a vontade popular.
Essa lógica nos levou è hactombe que estamos vivendo. Isso acabou”.
O 15-O levantou boa parte do planeta, com maior ou menor êxito
segundo o lugar. Em Roma, o protesto ultrapassou as intenções dos
indignados. Sob uma enorme faixa que dizia “Povo da Europa, de pé”,
dezenas de milhares de italianos encheram as ruas da capital italiana
expressando sua indignação. Estudantes, políticos e representantes de
associações civis percorreram Roma com globos e cartazes em uma
caminhada pacífica até que um pequeno grupo de violentos semeou o caos
no centro da cidade. Os incidentes aconteceram perto da estação de trens
Roma Termini, na Via Merulana. Não restam dúvidas de que os distúrbios
foram provocados pelo que se conhece como “profissionais da provocação
urbana”.
Cerca de 200 manifestantes violentos queimaram automóveis, quebraram
caixas automáticos, saquearam vitrines e incendiaram um anexo do
Ministério da Defesa. Os distúrbios deixaram um saldo de 70 feridos.
Nada disso ocorreu em Londres. A marcha londrina iniciou em um clima
festivo, mas com episódios engraçados devido à corrida de gato e rato
entre a polícia e os manifestantes. A Scotland Yard protegeu com um muro
de policiais o objetivo final dos manifestantes, a saber, a Bolsa de
Valores de Londres. Os manifestantes conseguiram rodear a bolsa, mas sem
maiores incidentes. Ante a surpresa geral, Julian Assange, fundador de
Wikileaks, detido na Grã-Bretanha a espera de uma decisão judicial
sobre o pedido de sua extradição para a Suécia, somou-se aos
manifestantes. Assange disse á multidão que estava ali em
“solidariedade com os movimentos que estão ocorrendo no mundo inteiro” e
porque “todos queremos que haja um pouco de justiça no sistema
financeiro mundial”.
Madri e Barcelona também foram cenário de mobilizações
impressionantes. Em Madri, os indignados lotaram a praça Cibeles e
voltaram a ocupar a Porta do Sol, símbolo histórico dos protestos do
15M. Os indignados da capital espanhola puseram em cena um “escudo
anti-mercados”. Cada manifestante levantou o amuleto que tinha na mão
para afuguentar a “magia negra” dos mercados. Em Barcelona, dezenas de
milhares de pessoas se concentraram na Praça da Catalunha com o mesmo
propósito que animou manifestações no resto do planeta. A única
diferença radica em uma cifra: o desemprego dos jovens na Espanha é de
20,89%.
Curiosamente, na França, o país de Stéphane Hessel, autor do livro
“Indigne-se”, que deu nome ao movimento através do mundo, as marchas
tiveram um impacto limitado. Em Paris houve vários grupos de
manifestantes que convergiram para a sede da Prefeitura, onde realizaram
uma Assembleia Popular. Os indignados se reuniram também em uma dezena
de cidades do país, mas sem alcançar jamais a intensidade de outras
cidades do mundo. Os analistas explicam a escassa mobilização pelo fato
de que o desemprego da juventude é menor e que, globalmente a situação é
melhor do que a da Espanha ou Itália. No entanto, o sistema financeiro
goza dos mesmos privilégios e da mesma impunidade em Londres, Madri ou
Nova York. O 15-O demonstrou que o espírito da revolta e da indignação
semeado há sete meses na Praça do Sol irradia hoje em todo o planeta
enquanto os dirigentes políticos guardam um silêncio de mortos ante o
desfile das dezenas de milhares de seres vivos que marcham com a mesma
consigna: “Basta, Ladrões!”.
Tradução: Katarina Peixoto
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