Da Rede Brasil Atual
São Paulo – Pedro Fuentes quer ignorar a encharcada manhã de sábado.
"Vamos ocupar as ruas de São Paulo", grita, animado, enquanto uma
centena de pessoas se aboleta sob menos de uma centena de guarda-chuvas e
caminha pelo centro da cidade. Aos 68 anos, Pedro é um desvio
estatístico neste encontro, dando aos matemáticos o difícil desafio de
recalcular a média de idade dos presentes.
Após longa reunião, conclui-se que o grupo situa-se numa faixa etária
de 20 anos – sem Pedro, seria 19. São jovens, muitos recém ingressados
na universidade, outros no ensino médio, que querem uma porção de
mudanças no mundo. Melhorias na educação, dar um não a Belo Monte, a
manutenção do atual Código Florestal, igualdade entre os gêneros,
combate à homofobia, transparência nos gastos da Copa, o fim das
injustiças ao povo palestino, o começo da Justiça aos torturadores do
regime autoritário.
Então, pelo quê se reúnem? "A principal pauta que nos faz estar aqui é
sermos contra a pseudodemocracia que está colocada", explica Bárbara
Guimarães, uma jovem que fotografa o encontro. "Está dentro de um
sistema econômico que não aceitamos. A linha em comum é ser
anticapitalista e contra o sistema antidemocrático".
15-O se chama o movimento. E calcula-se estar ocorrendo em 950
cidades de 82 países. O nome é uma alusão a 15-M, como ficou conhecida a
manifestação de 15 de maio na qual jovens espanhóis foram às ruas com a
certeza de que podem mudar a realidade daquele país. Para eles, a crise
econômica que afeta a Europa – no caso da Espanha, com as mais altas
taxas de desemprego – não é simplesmente um problema de arranjo das
finanças, mas uma crise estrutural do sistema.
"Poucos têm muito, muitos têm pouco", diz uma faixa pintada por
Tamires Cordeiro, uma menina de 18 anos que não interrompe por um
segundo a tarefa de expressar por escrito seus pensamentos. Sob a
marquise da Praça do Patriarca, na capital paulista, enfim os jovens se
veem a salvo de uma parte da chuva, que cai a cântaros nos últimos dias.
"Acredito completamente nesta manifestação. Porque ninguém me convenceu
a estar aqui. Vim porque quis", explica, enquanto já começa a pintar
outra faixa: "Ocupe São Paulo".
Ocupe Wall Street é a mais nova perna dos movimentos populares
iniciados na Primavera Árabe. Tunísia, Egito, Líbia. Espanha, Portugal,
Irlanda, França. Até chegar aos Estados Unidos, centro do sistema
nervoso capitalista. Lá, jovens ocuparam uma área próxima à maior
representação do capitalismo financeiro, considerado culpado por um
sistema calcado em desigualdades no qual não há regras para os bancos e
as transnacionais, mas há montes de regras para regular a vida dos
cidadãos.
"1% toma decisões, 99% pagam por isso" é a frase que surge como
mantra nas bocas dos jovens paulistanos – pode haver ligeiras variações,
como "99% trabalham, 1% se apropria desse trabalho", mas a ideia
central é a mesma: é uma geração que contesta a validade da noção de
trabalhar em busca de um enriquecimento que cria angústias e que nunca
atende às expectativas que promete.
"Só há dois caminhos. Ou seguir afundando, ou procurar uma
alternativa", constata o veterano Pedro. "Estamos no nascimento de um
novo processo mundial. Esse sistema está fissurando". Ele faz uma cara
de estranheza quando, ao notar o forte sotaque, pergunto de onde vem.
Seu rosto estampa um sonoro "que importa?". O importante é que está em
São Paulo e quer tratar de ajudar a crescer o movimento. Embora seja
quadro de um partido, Pedro não acredita na atual representação
política, e pensa que ela só faz afundar o descrédito do sistema
vigente.
"É um movimento que tem mais profundidade que os da década de 1990
porque junta vários setores indignados. Os jovens são protagonistas, mas
a população como um todo dá respaldo", acrescenta a pesquisadora
Natalie Drumond. "Hoje não se tem saídas. As pessoas estão descrentes
com este sistema, que não consegue oferecer alternativa cultural,
ecológica, humana".
O 15-O em São Paulo, que alguns chamam por "Democracia Real Já", tem
métodos de organização similares aos do restante do mundo. Em parte por
se inspirar naqueles movimentos. Em parte porque as causas que levam a
se mexer são as mesmas. É natural que se recuse a associação a partidos
políticos e a outras instituições tradicionais da luta política.
Alguns dos manifestantes integram coletivos de diversas áreas, mas,
no geral, recusa-se que este ou aquele grupo comande a mobilização. As
reuniões são convocadas pela internet e realizadas em lugares públicos
para que qualquer pessoa possa se somar ao debate. Os integrantes se
dividem em comitês por uma questão de logística, sem verticalidade. Em
assembleias, decidem se vão fazer esta ou aquela atividade, quando e
como.
Em São Paulo, a intenção é acampar no Vale do Anhangabaú, apesar da
tormenta e do frio, com data de entrada, sem data de saída. Vive-se um
dia de cada vez: admite-se o tamanho diminuto da mobilização paulistana
em comparação com as marchas de centenas de milhares de pessoas em
outros pontos. "Só por acontecer em 900 cidades é 'surreal'. Ontem
estava pensando que nunca poderia imaginar que viria a uma manifestação
que tem a ver com os Estados Unidos, com a Espanha, com o Chile",
constata Maíra Tavares Mendes, professora de uma rede popular de
cursinhos pré-vestibular.
Ela faz uma cara de espanto quando ouve de uma repórter se não teme
que as manifestações ao redor do planeta desemboquem em "radicalismos
socialistas". Para por um segundo, como a ter certeza de que ouve o que
ouve, e responde: "A maioria das pessoas concorda que, do jeito que
está, não está bem. A gente não precisa ter medo de se mostrar
socialista".
Para os manifestantes, o ato deste sábado foi apenas a largada para
uma série de mobilizações que acabarão por colocar o país no mesmo nível
de mobilização das nações árabes e europeias. É uma questão de tempo,
talvez dois ou três anos, na leitura dos jovens, para que os efeitos
ruins do atual sistema voltem a se mostrar com força por aqui. "Vivemos
um contexto diferente no Brasil. Há muitas especificidades. Mas pelo
nível de globalização estou segura de que o país não está livre destes
problemas", constata Natalie. "O sistema capitalista está em um beco sem
saída."
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