Da Rede Brasil Atual
Por: João Peres e Virginia Toledo, da Rede Brasil Atual
Publicado em 14/09/2011, 09:06
D. Paulo Arns, peregrino da Teologia da Libertação: a Igreja
como poder transformador da sociedade(Foto: ©Douglas Mansur)
São Paulo – Não
foram apenas as tempestades internas que levaram dom Paulo Evaristo
Arns a assumir uma postura combativa à frente da Arquidiocese de São
Paulo. Os ventos da Igreja Católica sopravam a favor de mudanças,
demonstradas inicialmente com a convocação do Concílio Vaticano
II.
Entre 1962 e 1965, os
líderes eclesiais formularam mudanças mais tarde conhecidas como o
aggiornamento – a abertura –, que consistiram em trazer a
Igreja de volta ao convívio diário dos cidadãos, mais moderna,
menos aferrada aos antigos costumes litúrgicos.
A primavera do Vaticano
logo fez florescer na América Latina, que em 1968 realizou a 2ª
Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Medellín, na
Colômbia. Foi a difusão oficial da Teologia da Libertação, à luz
do Concílio e indagando-se sobre como os religiosos deveriam lidar
com um continente tomado pela pobreza. Comungava-se da visão de que
a América Latina era uma região que pagava o preço da exploração
de suas riquezas naturais e de sua força de trabalho. Em suma, era
hora de uma Igreja que fosse às ruas entender a realidade para
ajudar a transformá-la, o que resultou em uma “fornada” de
padres, bispos e cardeais alinhados às causas sociais – no Brasil,
dom Hélder Câmara, dom Pedro Casaldáliga, dom Aloísio
Lorscheider.
Dom Paulo chegava a São
Paulo em 1966 já influenciado pelos tempos de estudo na França e
pela atuação nos morros de Petrópolis. Na Europa do pós-guerra,
conheceu a barbaridade do nazismo e as cicatrizes de povos assolados
pelo massacre ou pela vergonha. Na serra fluminense, tomou contato
com a dificuldade da vida em áreas de risco sob imensa pobreza.
A capital paulista
vivia a efervescência de um desordenado processo de crescimento que
levava milhões do interior às zonas urbanas. Como o próprio
cardeal recorda, a experiência como bispo auxiliar na zona norte de
São Paulo mostrou-lhe que a missão não era fácil, e que a atuação
nas bases era uma necessidade. O presídio do Carandiru, maior das
Américas, marcou o início do trabalho pela proteção dos direitos
humanos na cidade.
Em 1970, quando passou
a comandar a Arquidiocese de São Paulo, dom Paulo assumiria
integralmente a luta por aquilo que vinha sendo desenhado no
aggiornamento católico. Dom Pedro Casaldáliga, que durante
décadas comandou a Prelazia de São Félix do Araguaia, considera
que o amigo comanda os processos de democratização real dos povos
latino-americanos. “Ele nos vem deixando uma herança de libertação
integral, de esperança inclaudicável, de paz evangélica que todos
nós devemos assumir cotidianamente.”
Pedro foi um
beneficiário direto da estreita relação que o então arcebispo
desenvolveu com o Papa Paulo VI. No fim da década de 1970,
representantes da conservadora corrente Tradição, Família e
Propriedade, a famosa TFP, foram aos generais da repressão pedir que
fosse expulso do país o bispo espanhol, acusado de “comunista”.
Dom Paulo foi ao líder da Igreja Católica e contou a história. A
resposta não poderia ter sido mais clara: “Mexer com Pedro é
mexer com o papa”.
Foi Paulo VI, por
sinal, o autor de importantes conselhos ao novo arcebispo. Na
primeira audiência entre os dois, em 1971, o papa se assustou ao
saber o tamanho da cidade de São Paulo, e aconselhou: para cada
milhão de habitantes, um bispo auxiliar; para cada bispo auxiliar,
muita proximidade com o povo e uma missão. Foi aí que dom Paulo
decidiu nomear quatro novos bispos. Deu a cada um a responsabilidade
sobre uma região da cidade e a incumbência de comandar uma
pastoral.
Dom Angélico Sândalo
Bernardino, então padre em Ribeirão Preto, no interior paulista,
recebeu a responsabilidade sobre a zona leste e a Pastoral Operária,
o que mais tarde lhe valeria o título informal de “bispo dos
operários”. “Não estava nem acima nem abaixo, estava misturado
com o povo. Sempre foi um bom pastor, um verdadeiro profeta”,
recorda dom Angélico a respeito da atuação do arcebispo, mais
tarde cardeal.
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