sábado, 3 de setembro de 2011

Discursos para plateias

Raramente uso este espaço para falar de meu trabalho, pois prefiro ouvir, ler e observar os comentários de outros sobre ele, coisa que faço com aquilo que gosto e entendo um pouco, quando trago para cá artigos, notícias, comentários de outros blogs, sites e publicações. Efetivamente evito comentar aqui as coisas do meu trabalho.

Mas hoje, confesso que não me aguentei. Já cedo, lendo o jornal Taperá, deparo-me com algumas considerações feitas sobre a educação municipal que soaram-me muito mais como um discurso que agrada a plateia ouvinte que algo mais consistente. Os fatos se deram na sessão da Câmara Municipal local quando da presença de representantes dos grevistas do IFSP, unidade Salto. Uma greve longa que acompanhamos e observamos.

Entretanto, o que chamou a atenção não foi tanto os grevistas e suas reivindicações, mas a ligação que alguns vereadores fizeram com a educação de nosso município. Faço questão de reproduzir um trecho da notícia, para comentar em seguida: "Ainda segundo o presidente (da Câmara), a Educação local não tem melhorado mesmo tendo o maior orçamento: 'Estamos cansados de reivindicar melhorias. Tem 25% do orçamento e depois chega parecer do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo de que o município não gastou 23%. Não estou criticando o secretário, precisamos ver o que está errado'." Depois continuando o discurso, defendeu o aumento salarial dos professores do IFSP.

Alguns detalhes:
O orçamento da educação em Salto não é o maior orçamento. Historicamente os orçamentos da saúde e de obras sempre foram maiores que os 25% da educação.

Gostaria muito de saber o que não melhorou na educação local. Retirando o grave problema da falta de vagas em creches - um problema em todo o nosso país - gostaria muito de saber o que "...não tem melhorado...".

Sobre os 23% medidos pelo Tribunal de Contas - isso se refere a 2009 e ainda está em avaliação pelo próprio Tribunal que em sua leitura, deixou de considerar algumas coisas como móveis escolares, cesta básica dos funcionários da educação, dentre outras coisas. A prefeitura está demonstrando ao Tribunal de Contas que os investimentos em educação em 2009 ultrapassaram a casa dos 27%.

Ver o que está errado na educação local fizemos no último sábado na Conferência Municipal de Educação. Lá estiveram dois vereadores: Garotinho e Willhes. Lá, como o próprio jornal citou em outra matéria, o diagnóstico mostrou que os problemas da educação local estão nas vagas de creche (um problema nacional) e na evasão da EJA (que historicamente sempre foi alta). E estes problemas, como todos os que já surgiram, serão enfrentados e alternativas serão construídas.

Além do presidente, o vereador Raisuli mostrou indignação ao governo de seu partido por conta do movimento grevista. Não sei se os vereadores perguntaram ou sabem o valor dos salários dos professores mestres e/ou doutores do IFSP. Talvez fosse o caso de perguntar. Acho que todos nós devemos sempre lutar por melhorias. Essa foi minha conduta enquanto sindicalista e continua agora como secretário. Na minha opinião a grande sacada do movimento dos profissionais dos IFs em nível nacional seja a busca da melhoria das condições de trabalho, já que o número de institutos pelo Brasil afora teve um aumento brutal nos últimos anos e a contratação de pessoal não acompanhou esse avanço.

Já vi, nestes meus 55 anos de vida, muitas táticas de discurso. Um deles é o que pude observar nesses episódios: o discurso para a plateia. Trocando em miúdos, falar aquilo que o público quer ouvir. Uma plateia de grevistas da educação certamente ficou feliz em ouvir que a "educação local não tem melhorado..." e que "Estamos cansados de reivindicar melhorias...". Isso certamente caiu como uma luva. Criticar o próprio partido de que faz parte para aquela plateia também. Imagino como devem ter ficado felizes aqueles que lá estavam.

Uma das coisas que aprendi nestes meus quase sete anos a frente da secretaria é que pouquíssimos políticos conhecem os meandros da educação (não só os locais, mas em nível nacional). Isso é tão verdade que muitos equívocos acompanhamos diariamente nos discursos e nas proposituras. Só dois exemplos do que estou falando: 1) tramita no Congresso Nacional uma proposta de lei para que as escolas forneçam merenda escolar nos períodos de férias escolares e 2) também no Congresso Nacional tramita uma lei para se ter médicos nas escolas, pagos pelos 25% da educação.

Quando entrei na secretaria também pouco conhecia de educação. Tive a humildade de dialogar com quem conhece e a partir disso aprendi muito. Até hoje devo muito a algumas pessoas que me ajudaram nesse começo. Hoje não tenho receio algum de debater as questões da educação, pois as conheço. Muito ainda tenho a aprender, mas já consigo debater a educação com seus especialistas. E as pessoas que me ajudaram e me ajudam ainda labutam diariamente nesse que certamente é o maior desafio brasileiro: a educação. E a alegria de ver o que já fizemos nestes anos em conjunto é imensa. Ouvir de trabalhadores da educação que nossa estrutura é em muitos casos melhor que as estruturas das escolas particulares; ouvir de trabalhadores da educação que elaborar nosso material didático a partir de nossa realidade é o melhor caminho; ouvir deles que precisamos de mais tempo para formação, pois a formação é a base para todos os professores; ouvir deles sugestões de como fazer isso, como ouvi na Conferência Municipal; ouvir deles as sugestões para melhor acolher nossas crianças; ouvir deles que é muito bom não termos salas superlotadas em nossa rede; sentir neles o entusiasmo por conta de nossos investimentos em tecnologia; sentir neles o entusiasmo por conta de nosso atendimento às crianças com deficiência; sentir neles a alegria de poder participar de um Congresso que já tem sete anos; ouvir da comunidade escolar suas opiniões sobre os diretores de nossas unidades e saber que é a comunidade que garante a continuidade ou não desses diretores; perceber neles a ânsia de querer saber mais e mais; perceber neles que sabem o que é preciso melhorar e sabem o que temos de bom. Tudo isso é maior que qualquer discurso ou opinião descolada da prática educacional.

É uma pena que aqueles que decidem os rumos de nosso país saibam tão pouco da educação e o pouco que sabem transforma-se em discursos para plateias.


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