Do VioMundo
Marcha contra corrupção acerta Globo, CBF, Sarney, Roriz, Justiça…
No dia da Independência, ato em Brasília convocado pelo Facebook para
se queixar da falta de ética faz mais vítimas do que plano original,
motivado por escândalos federais. Público recorde presente à Esplanada
dos Ministérios para ver desfile militar do 7 de setembro ajuda a
encorpar passeata, que nas contas da PM começou com duas mil pessoas.
Confirmações eram 26 mil.
André Barrocal, na Carta Maior
BRASÍLIA – A capital brasileira vive dias de baixíssima umidade e
altas temperaturas, e não é diferente neste 7 de setembro. Às 13h05,
registram-se 34° em termômetro perto da Esplanada dos Ministérios. A
grande e central avenida, sede dos Poderes da República, esvazia-se aos
poucos. Por duas horas, duas horas e meia, acolhera uma marcha inédita.
Mobilizadas por uma das redes sociais mais populares da internet, o
Facebook, pessoas comuns toparam botar roupa preta sob sol escaldante e
protestar no feriadão.
Batizada de “Marcha contra a Corrupção”, dispara no atacado contra a
falta de ética, indignação alimentada por escândalos envolvendo
autoridades federais e pela não cassação de uma deputada local. No
varejo, atira em alvos como a TV Globo e os presidentes da Confederação
Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, e do Senado, José Sarney. Ali,
há quem flerte com a ideia de alvejar o Congresso não só
metaforicamente. Queixas contra indignação seletiva. E uma espécie de
quebra de decoro ambiental a ser varrida pela “marcha dos garis” que se
seguirá.
Passa das 10h, quando a passeata começa a deixar para trás o Museu da
República, local combinado para a concentração. Até voltar ao ponto de
partida, os manifestantes vão percorrer 3,5 km, ou 32 campos de futebol.
A exemplo de uma escola de samba, são liderados por uma comissão de
frente, com pessoas perfiladas a segurar, na altura do peito, uma faixa
preta com as palavras “corrupção não” em branco. Na aglomeração, muitos
portam vassouras, em referência à faxina da presidenta Dilma Rousseff na
área dos Transportes.
Mais atrás, numa das primeiras alas, um jovem empunha sobre a cabeça,
preso a um bastão, cartaz que diz “Sorria, você está sendo manipulado”.
A inscrição encima desenho que reproduz, em preto e branco, o logotipo
da TV Globo. Seu portador recusa-se a revelar o nome. Conta apenas que
tem 20 anos e estuda arquitetura. Mas qual a razão dessa crítica
dirigida? “A Globo manipula tudo. Não basta vir na marcha. A TV vai
manipular muita coisa aqui”, diz.
Do início ao fim do ato, vão se ouvir, algumas vezes, manifestantes
ressuscitarem antigo grito de protesto contra a maior emissora do país:
“O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”. “Vou ter de fingir que não
vi…”, diz uma jornalista das Organizações Globo que está a cobrir a
marcha.
Ricardo Teixeira, da CBF, que considera a emissora uma aliada, também
é alvo do protestos. Junto com três ou quatro amigos, Felipe Guedes, de
22 anos, anda pela Esplanada carregando uma grande bandeira contra o
cartola. “Ele é tão corrupto quanto o Congresso, é o mais corrupto do
Brasil”, afirma Felipe, que diz ter anulado o voto para presidente nos
dois turnos da eleição de 2010.
Conspiração inspiradora
Conspiração inspiradora
Felipe faz cursinho e trabalha como roadie, ajudante de ordens de
conjuntos musicais em cima ou fora dos palcos. Um roadie auxilia gente
como Caio Zenon, músico de 18 anos que também foi à marcha. Está
caracterizado, dos pés à cabeça, como Guy Fawkes – ou, ao menos, como o
soldado britânico aparece caracterizado em páginas de um romance em
quadrinhos e nas telas do cinema, em obras homônimas (V de Vingança).
Fawkes foi enforcado no início do século XVII, depois de capturado e
torturado até confessar participação em plano para explodir o parlamento
britânico num dia em que o rei da época, Jaime I, estaria lá.
No ato brasiliense do século XXI, Caio não é o único a buscar
inspiração em Fawkes, mas é um dos mais entusiasmados. Enquanto outros
têm só uma máscara, usa peruca e fantasia preta. “Explodir o Congresso
seria uma boa ideia”, comenta, seriamente. “A gente elegeu alguém
[Dilma] que não está cumprindo o que prometeu. Essa marcha é um esforço
para mudar isso.”
Na eleição do ano passado, Caio já tinha idade para tentar mudar o país por meio do voto. Mas preferiu não votar.
Na iminência de chegar à idade em que o voto torna-se facultativo
como foi para Caio em 2010, o aposentado José Roberto Loureiro, de 69
anos, participa da marcha paramentado como pediam os organizadores: de
preto. No ano passado, cravou Dilma Rousseff nos dois turnos. E diz não
estar arrependido. “Para mim, é principalmente um protesto contra o
Congresso e essa Justiça que não pune ninguém.”
O aposentado marcha de mãos dadas com a esposa. Para Zuleika
Loureiro, de 64, o ato serve para reclamar de dois dos sobrenomes mais
famosos da política nacional. “Esse caso da Jaqueline Roriz é uma
vergonha. O Sarney também é uma vergonha, ele é dono do Maranhão.”
“Sarney, ladrão, devolve o Maranhão” é um dos hits da manifestação.
Alguns dos cantos são puxados pelo estudante Igor Tinto Janix, de 23
anos. Megafone à mão, tenta controlar a velocidade da passeata, como um
diretor de harmonia em desfile de carnaval. “Estamos cansados de tanta
corrupção e safadeza explícitas. Já são 500 anos de corrupção mas antes
tinham preocupação de esconder, agora está tudo explítico”, afirma Igor,
que diz ter votado em Marina Silva (ex-PV) no primeiro turno do ano
passado e nulo no segundo.
É Igor quem aponta Walter Magalhães, empresário de 28 anos, à
reportagem. Walter é o principal organizador da marcha, ideia que ele
atribui a duas amigas, as irmãs Daniella e Lucianna Kalil. O trio criou
uma página para o ato no Facebook, e agora Walter está junto à comissão
de frente do ato. “É um protesto para o povo se conscientizar que ele é o
culpado por quem está aí. É preciso votar com consciência”, diz Walter.
Em quem ele votou para presidente em 2010? “Isso não é relevante.”
Roriz: combustível
Roriz: combustível
A recente vitória da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) contra
um pedido de cassação, conta Walter, foi o principal combustível da
marcha, planejada de início por causa de denúncias de corrupção no
governo Dilma Rousseff. Até Jaqueline escapar, dia 30 de agosto, 10 mil
pessoas haviam confirmado, via Facebook, presença na marcha. Dali até a
véspera do ato, outras 16 mil resolveram aderir.
Jaqueline foi a julgamento pelos colegas por ter sido flagrada, em
vídeo, recebendo dinheiro de um esquema celebrizado como “mensalão do
DEM”, escândalo tornado público em 2009 e que levou à cassação do
ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. A filmagem é de
2006, mas só apareceu no início do ano.
Entre os parlamentares, prevaleceu a tese de que a colega não poderia
ser cassada por algo feito antes do mandato. Resultado: 265 votos
secretos a favor da ré e 166 votos secretos, contra. “Voto secreto, não,
eu quero ver a cara do ladrão”, grita-se na marcha.
O “mensalão do DEM” pregado à memória recente pelo julgamento de
Jaqueline contribui para a irritação do estudante de pedagogia Thiago
Magalhães, quando ele vê um jovem sacar máscara com a foto do deputado
cassado José Dirceu (PT) e reunir em torno de si um grupo a bradar
contra o “mensalão do PT”. “E o mensalão do DEM? E o mensalão do DEM?”,
grita Thiago.
“A marcha contra a corrupção é uma reivindicação legítima e
importante”, diz o estudante, que usa um boné vermelho do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). “Mas, para além disso, precisamos
discutir mais questões que são estruturais, como a reforma política e a
reforma agrária. A corrupção incomoda muito a classe média, mas há
outros males que atingem toda a sociedade”, completa Thiago, que diz ter
votado em Dilma nos dois turnos no ano passado.
Parada militar: reforço
Parada militar: reforço
Apesar de 26 mil pessoas terem dito no Facebook que iriam à marcha,
quando o ato começa, a Polícia Militar (PM) conta duas mil, informa a
major Ana Luíza Azevedo. A massa vai encorpar a partir das 11h, quando
terminar o desfile militar que acontece na mesma Esplanada, mas nas
faixas de rolamento que levam ao sentido oposto, separadas das outras
por um gramado de mais ou menos 100 metros.
A parada militar foi vista por algo entre 30 mil e 40 mil pessoas,
nas contas da PM. E é com este número que a polícia trabalhará
oficialmente, no fim do dia, ao informar o tamanho do ato contra a
corrupção.
Dilma Rousseff assiste ao desfile de 7 de setembro pela primeira vez
como presidenta, ladeada por ministros. A presença do presidente da
República é uma tradição no evento, mas não deixa de ser outro gesto
simpático de Dilma na direção da caserna, ao optar por seguir o costume.
Uma semana antes, mandara ao Congresso proposta de orçamento 2012 com
um orçamento militar quase 50% maior, um dos aumentos mais generosos.
Prova também do prestígio do ministro da Defesa, Celso Amorim, que
assumiu prometendo reforçar as finanças das forças armadas para
deixá-las mais adequadas ao peso geopolítico que o Brasil conquistou.
No último domingo, Dilma estivera pela primeira vez na solenidade
mensal em que se troca a bandeira brasileira hasteada na praça dos três
poderes, onde ficam as sedes do governo federal, do Congresso e do
Supremo Tribunal Federal (STF).
Quando a marcha contra a Corrupção chega à Praça, uma parte dos
manifestantes vai para a frente do Palácio do Planalto, local de
trabalho da presidenta, e grita: “Oh Dilma, cadê você?, eu vim aqui só
para ter ver”. Não foi a única menção à presidenta no ato. Um dos cantos
recorre a palavrões, para garantir rima e sonoridade. “Oh Dilma, como é
que pode? Eles que roubam e a gente é que se fode.”
Na noite da véspera, Dilma pôde ser vista por todos os brasileiros,
em pronuncimamento à nação feito pela TV, o que também é praxe para
presidentes nas comemorações da Independência. No finzinho do discurso
de 10 minutos, dá um recado sobre corrupção. Diz a presidenta que o
Brasil é “um país que, como o malfeito, não se acumplicia jamais. E que
tem na defesa da moralidade, no combate à corrupção, uma ação permanente
e inquebrantável”.
Marcha derradeira
Quando os protestantes contra a corrupção voltam para a casa, começa a
última marcha do dia na Esplanada dos Ministérios. Seus participantes
também estão uniformizados, como os militares que primeiro haviam
marchado. Todos carregam vassoura, como alguns na passeata do Facebook.
É uma manifestação silenciosa e remunerada, para quem “faxina” não é
retórica, mas realidade. A marcha dos garis varre o produto de uma
espécie de quebra do decoro ambiental e urbanístico de alguns dos que
ocuparam a Esplanada para atacar a falta de decoro ético na política.
Garrafas de água, latas de refrigerante e cerveja, abanadores de papel,
sacolas plásticas, palitos de sorvete… Tudo forma o rastro de uma
manifestação em que se via uma faixa condenar mudanças no Código
Florestal brasileiro que o Congresso está a discutir.
Vestido de laranja, vassoura em punho, Bras Costa, de 42 anos, cata
três embalagens de salgadinhos no gramado em frente ao Palácio do
Itamaraty, a sede do ministério das Relações Exteriores. Está a recolher
lixo desde o meio dia. Não sabe o que acaba de acontecer na Esplanada,
quem protestava e por quê. Mas lamenta a sujeira que o obriga a
trabalhar no feriado. “Acho que cada um poderia fazer melhor a sua parte
e não deixar tanto lixo”, diz Costa, que declara ter votado em Marina
Silva (ex-PV) depois em José Serra (PSDB).
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