Da Carta Capital
Vendo e compro
O mais novo aliado do vice-presidente Michel Temer (PMDB) é um
prefeito que está prestes a vender, para a própria prefeitura, parte de
um “buraco” de 9.967 metros quadrados, em Indaiatuba, que ele mesmo
adquiriu dias após a sua eleição. O caso, aparentemente pitoresco, é um
exemplo de como interesses públicos e privados se misturam na região
metropolitana de Campinas, uma das mais ricas do País e hoje palco de
escândalos políticos e ações policiais. É ali que o vice-presidente
acaba de montar sua nova trincheira para 2012.
Com a morte, no ano passado, do ex-governador Orestes Quércia, velho
cacique do PMDB paulista, novas lideranças reforçaram o avanço de Temer
pelo interior paulista. Uma das principais delas é o prefeito de
Indaiatuba, Reinaldo Nogueira, herdeiro do protagonismo regional que
antes era exercido pelo ex-correligionário e prefeito cassado de
Campinas, Hélio de Oliveira Santos (PDT).
Aos 43 anos, em seu terceiro mandado, Nogueira caminha para a
reeleição em 2012 e, ao lado de Temer, vislumbra voos mais altos. Conta,
para isso, com o apoio de 11 dos 12 vereadores da cidade e uma máquina
eficiente de arrecadação que lhe permite certas excentricidades. A venda
do “buraco” é, talvez, a mais simbólica.
Em novembro de 2008, o então candidato adquiriu, na companhia do
irmão – o deputado estadual Rogério Nogueira (PDT) –, dois terrenos
(glebas) abandonados da cidade por 149,3 mil e 75 mil reais. A área,
antes utilizada para retirada de argila por uma cerâmica, estava
abandonada há anos e era frequentada por usuários de drogas e moradores
do entorno, que se arriscavam a percorrer o terreno seco e arenoso,
tomado por capim.
Foi ali que, com menos de três meses de mandato, Nogueira, um dos
políticos mais ricos do País, propôs duas ações de desapropriação de
parte do terreno para prolongar uma rua que dá acesso a uma escola
municipal. O valor total das indenizações chega a quase 2 milhões de
reais, o que significa que o Nogueira prefeito tenta garantir ao
Nogueira empresário e seus sócios um lucro quase dez vezes superior ao
investimento.
O caso é investigado pelo Ministério Público. A prefeitura argumenta
que os valores oferecidos foram periciados e que os terrenos já
pertenciam à família Nogueira – foram apenas repassados para o nome do
prefeito e seus irmãos.
“Quem vai decidir o valor da desapropriação é a
Justiça, e não a prefeitura”, diz o secretário de governo, Odair
Gonçalves de Oliveira. A obra, argumenta ele, é um pedido dos moradores.
A suposta indústria das desapropriações acontece justamente numa
região onde estão instaladas algumas das principais empresas do País –
como a Honda e a Unilever – e onde a expansão e a valorização
imobiliária são notórias. Não encerra, no entanto, a teia de suspeitas
que rondam a vizinhança de Campinas, que chegou a ter três prefeitos em
menos de 72 horas.
Quem acompanhou o escândalo de Campinas sabe que o esquema de
propinas estava espalhado pela região. Numa interceptação telefônica,
representantes de uma das empresas investigadas dizem que o prefeito de
Indaiatuba teria negociado apoio para a campanha política em troca de
facilidades na cidade. Como em Campinas, os suspeitos tentavam abocanhar
contratos na empresa de saneamento local.
Nogueira é pivô do até aqui mais misterioso capítulo das
investigações sobre a suposta quadrilha. Antes de o caso estourar, o
policial federal Richard Fragnani de Moraes, responsável pela decupagem
dos áudios em poder do Ministério Público, tentou extorquir as pessoas
citadas. No começo do ano, o policial foi encontrado morto com um tiro
na cabeça. Embora o laudo inicial tenha apontado suicídio, o caso
continua cercado de mistério. Antes do crime, Nogueira encontrou-se com o
policial – que, por 2 milhões de reais, prometia livrar o político das
investigações. Após a morte do agente, Nogueira apresentou-se à
Promotoria, em Campinas, para prestar depoimento. De acordo com a
prefeitura, a extorsão não foi aceita e Nogueira não tinha o que temer.
Até o momento, nada foi provado contra ele, mas os indícios de
participação de outras prefeituras no esquema, além de Campinas, seguem
sob investigação. Isso porque o Gaeco, grupo do Ministério Público que
desarticulou a quadrilha, não tem atribuição para investigar prefeitos –
algo que fica na alçada do Tribunal de Justiça. Caso contrário, a
operação policial na região seria ainda maior.
Até o final das apurações, cabe ao vereador Carlos Alberto Rezende
Lopes, o Linho (PT), o papel de opositor único da Câmara Municipal. Em
2009, Linho antecipou quem seria a empresa vencedora de um pregão para
fornecer equipamentos eletrônicos para a prefeitura em um contrato que
poderia chegar a 25 milhões de reais. A mesma empresa – a Unirepro
Serviços Tecnológicos – figurou meses depois em outro escândalo: o
mensalão do DEM. A prefeitura diz que o contrato foi cancelado porque o
serviço não foi prestado, mas o vereador afirma que novos contratos com a
empresa foram firmados desde então – o mais recente foi firmado em
abril deste ano, num valor de 72 mil reais mensais por serviços de
impressão off-set.
Mais recentemente, Linho encaminhou uma representação ao Ministério
Público Federal, que pede a investigação sobre convênios assinados com o
Ministério do Turismo para a construção de dois portais na cidade, que
não tem apelo turístico, no valor total de quase 200 mil reais. Um dos
monumentos foi erguido na entrada de um parque ecológico, símbolo da
atual gestão. O portal possui o mesmo desenho do logotipo da
administração de Nogueira: um arco sobre cinco estacas.
Para a prefeitura, a área possui apelo turístico e recebe visitas de
estudantes de várias regiões. “Não é só praia que tem apelo turístico”,
justifica o secretário de governo.
À sombra dos portais e das suspeitas, o PMDB paulista, que fez apenas
um deputado federal em 2010, parece estar de olho nos 184.533 votos
recebidos por Nogueira em sua campanha para deputado federal, em 2006.
Em uma semana, recrutou também outros dois prefeitos da região, em
Jaguariúna e Cosmópolis, e, agora, controla boa parte dos votos da
região.
Pouco antes, quem também embarcou na nau de Temer foi o ex-governador
Antonio Fleury Filho, cuja base política fica do outro lado do estado:
São José do Rio Preto. Já o deputado estadual Baleia Rossi, filho do
ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi, segue à frente do diretório
estadual. Sua base política é Ribeirão Preto, rica cidade de apelo
agroindustrial no coração do estado. O tabuleiro político tem no centro,
São Paulo, o deputado federal Gabriel Chalita como a principal aposta.
No entorno, os peões se movimentam. Pelo exemplo de Indaiatuba, é ali
que mora o perigo.
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