Autor:
Luis Nassif
Nos anos 90, insurgi-me contra a politização do Ministério Público
Federal. No governo Itamar, tive algumas pinimbas com o procurador geral
Aristides Junqueira. Até por efeito da Constituição, foi um período de
protagonismo de procuradores da base do MPF.
Combati o excesso de politização de alguns procuradores, a gana por
condenar a qualquer preço, a exposição exagerada à mídia, o abuso dos
pedidos de prisões preventivas.
Em uma lista de procuradores, fui atacado por uma das mais radicais -
que, curiosamente, dois dias antes estivera em minha festa de
aniversário. Entrei na lista para discutir e recebi, em privado, email
de uma procuradora narrando sua história. Dois procuradores foram até o
Correio Braziliense e passaram, em off, intrigas contra ela. Saiu a
matéria. Com base na sua própria denúncia (anônima), ambos entraram com
uma representação junto ao Conselho Nacional do Ministério Público.
Comprei sua briga.
Tempos depois, participei de um debate no Observatório da Imprensa
com o procurador Celso Três - que fez um bom trabalho na CPI do
Banestado, mas que não podia ver um repórter na sua frente para desandar
a falar.
Para rebater minhas críticas, Celso Três montou a seguinte equação:
Eu havia defendido determinada procuradora.
No cargo de interina da Procuradoria Geral, ela havia autorizado a
liberação da última verba para o Tribunal Regional do Trabalho de São
Paulo, beneficiando o empresário brasiliense Luiz Estevão.
Logo, eu estaria fazendo a jogada de Luiz Estevão.
Agradeci a Alberto Dines o fato de permitir, ao vivo e em cores, a
demonstração didática das críticas que fazia ao MPF. E, graças ao Três,
pude entender a lógica de ilações dos repórteres de polícia que comiam
nas mãos de delegados e procuradores como ele. Aliás, a peça do PGR
mostra à farta o exercício das ilações na montagem da acusação.
A Sisbin
Quando Márcio Thomas Bastos lançou a Sisbin (Sistema Brasileira de
Inteligência), juntando todos os órgãos fiscalizadores (MPF, PF, BC,
Receita etc) convidou-me para uma das palestras de abertura, justamente
para explicitar as críticas que fazia às investigações do MPF e da PF.
Critiquei, até com muita dureza, admito. Falei do caráter pouco
técnico das investigações, do desconhecimento dos meandros das operações
financeiras, do fato de se jogar para a plateia e não para os autos.
Tive que sair antes do final da cerimônia, para voltar a São Paulo. Mas,
na saída, recebi um olhar de aprovação do procurador geral Claudio
Fonteles e do diretor geral da PF, Paulo Lacerda.
As perdas com a politização
A politização dos procuradores causou dois males pesados ao MPF.
Na ida, o de comprometer a imagem das investigações, tirar o caráter
republicano e assumir um aspecto vingativo, de guerra de grupos.
Na volta do pêndulo, o de tirar toda a proatividade dos procuradores, em suas missões, com receio de ficarem estigmatizados.
Tome-se o caso do procurador de Guarulhos, Matheus Baraldi Magnan.
Fez um fantástico trabalho conseguindo do governo de São Paulo um Termo
de Ajustamento de Conduta (TAC) para reduzir as mortes provocadas pela
PM paulista.
Recentemente, recebeu condenação absurda do Conselho Nacional do
Ministério Público, com a ameaça inconstitucional de perda do cargo, por
ter dado uma entrevista sobre determinado episódio. O relator do caso
foi um procurador estreitamente ligado a Demóstenes Torres.
Com esses movimentos, burocratizou-se o trabalho de muitos,
inibiram-se as iniciativas de procuradores, para não ficarem marcados
como Luiz Francisco - o valoroso procurador que correu risco de vida em
muitas investigações mas se perdeu pelo excesso de protagonismo. E
transferiu-se a iniciativa política para a cúpula do MPF, o que passou a
exigir Procuradores Gerais muito mais centrados e comedidos, sem a
submissão ao Executivo - como Sepulveda e Brindeiro -, mas sem
extrapolar do papel do MPF.
Politização e perda da isonomia
Agora, dentro desse movimento de politização da cúpula, o Procurador
Geral Roberto Gurgel atropela o trabalho iniciado por Fonteles e volta a
politizar o MPF. de forma muito mais grave, porque comandada pela
cúpula.
Tem-se um caso grave a ser julgado, o do mensalão. O PGR cercou-se de
um grupo de elite do MPF para mudar a própria jurisprudência penal
através do Supremo.
Trata-se de tema dos mais delicados, pois criminaliza práticas
políticas históricas de forma unilateral, penalizando apenas um partido,
sendo que há um enorme acervo de abusos por parte de todos os partidos.
Os defensores de Gurgel poderiam argumentar que calhou do PT ser o
primeiro a ser julgado. Sim, mas pelo mesmo colegiado, o STF, que
autorizou o desmembramento do mensalão do PSDB. Ali, quebrou-se a
isonomia.
E se Gurgel não pode estabelecer a isonomia no processo legal - já
que o do mensalão do PT caminhou à frente -, caso fosse um agente
público responsável, se eximiria das declarações jornalísticas ou, ao
menos, trataria isonomicamente a questão nas suas entrevistas.
Não é o que ocorre. Por mágoa contra ataques sofridos, ou por
intenção expressa de instrumentalizar politicamente o órgão, Gurgel
tornou-se um agente midiático seletivo, trancando iniciativas contra o
senador Demóstenes Torres e tantos outros parlamentares, e, não se
contenta em cumprir sua missão, de batalhar pela condenação dos
implicados no mensalão, mas quer ir além: atuando politicamente fora dos
autos..
A iniciativa de divulgar no site do MPF uma história em quadrinhos
sobre o mensalão é de uma imprudência apenas explicada pela arrogância.
Assim, como as declarações sucessivas de que quer prisão imediata dos
envolvidos.
Qual a razão de dar essas declarações, insuflando a mídia, dando carne aos leões, e não restringi-las aos autos?
Dia desses conversei com um dos procuradores que trabalham no
processo do mensalão. Defendeu acerbamente o trabalho do MPF. E admitiu
que a condenação mais problemática seria de José Dirceu, por
insuficiência de provas. Aí vem Gurgel usando escandalosamente a mídia
para pressionar o STF a aceitar seus argumentos. Da mesma maneira que
faziam Luiz Francisco e seus companheiros.
Há algo de errado no MPF. Ao mesmo tempo em que se consolida a
atuação vibrante em defesa dos direitos humanos, contra toda forma de
discriminação, que se legitima como autêntico defensor dos interesses
difusos, tem-se uma cúpula que avança além dos chinelos para interferir
na vida política do país atuando fora dos autos.
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