Por Assis Ribeiro
Mensalão é guinada na jurisprudência liberal do STF
Por Marcelo Semer (*)
Para quem acompanha a jurisprudência criminal, é perceptível que o
julgamento do mensalão pode representar uma significativa guinada nas
posições do Supremo.
Com uma série de decisões com amparo em princípios constitucionais, o
tribunal vinha firmando até então um paradigma essencialmente
garantista ao direito penal.
Nos últimos anos, por exemplo, concluiu que a prisão antes da condenação definitiva violava a presunção da inocência.
Julgou inconstitucional a proibição escrita em lei para a
substituição da pena do condenado a tráfico de entorpecentes por
prestação de serviços –e também vinha permitindo a liberdade provisória
nos mesmos casos.
Reprovou a audiência por videoconferência para garantir o direito do réu de estar presente em seu julgamento.
Tem assegurado a aceitação do princípio da insignificância, anulando diversos processos por crimes de bagatela.
E ainda sumulou a impossibilidade de fixação de pena em regime mais duro (como o fechado) apenas pela gravidade do crime.
Essas decisões vinham fazendo parte de uma jurisprudência que inscrevia o Supremo como o tribunal mais liberal do país.
No julgamento da ação penal 470, todavia, o STF tem feito o que se
poderia chamar de inflexão rigorosa –não apenas nos conceitos, mas,
sobretudo, no discurso.
Um grau menor na exigência da prova, uma leitura mais tolerante para
com os indícios. A adesão ao domínio do fato como mecanismo de punição
de mandantes para contornar uma suposta fragilidade da prova direta. A
valorização explícita dos elementos de inquérito produzidos fora do
contraditório, antes mesmo de instaurado o processo penal.
O STF, de fato, não inventa nada que já não tivesse sido utilizado
anteriormente em decisões de juízos mais rigorosos, mas reverte a
tendência que fazia do tribunal um porto seguro para a leitura do
sistema penal a partir da presunção da inocência.
A fixação das penas pode tornar esta inflexão ainda mais aguda a se
confirmar a proposta do relator divulgada pela imprensa: a consideração
como maus antecedentes de processos que ainda não têm decisão final.
Seria esse um julgamento heterodoxo, como sustenta o ministro Ricardo
Lewandowsky? Ou uma mudança de rumo que afetará a jurisprudência?
Há quem veja na decisão um caráter essencialmente político e, por
este motivo, uma exceção nos julgamentos da Corte. Outros que se animam
com a legitimidade ao Poder Judiciário que um alinhamento com a opinião
pública vai garantir. Por fim, há os que acreditam que o processo
instaura um novo paradigma para o direito penal e por isso mesmo o
aplaudem.
Verdade seja dita, a consideração do STF como um farol da
jurisprudência não tem significado muito, ultimamente, na esfera penal.
Nos Estados, tribunais continuam fixando o regime fechado aos casos
de roubo quase que automaticamente, ignorando a súmula, e repelem, com
poucas exceções, a pena de prestação de serviços no tráfico que o
Supremo assegurou.
A bagatela tem uma aceitação quase irrisória nas Cortes estaduais,
que ignoram, também, em várias decisões, a presunção da inocência, com a
expedição imediata de mandados de prisão após a apelação.
Só o tempo dirá se essa inclinação mais rigorosa vai se firmar no STF e se será incorporada pelo conjunto dos juízes.
A punição de réus de maior envergadura pode até ser comemorada por
alguns como fissura na seletividade de um sistema que costuma fazer a
opção preferencial pelos pobres.
Mas o endurecimento penal deve representar, ao longo do tempo, um
efeito devastador no sistema penitenciário, voltando-se, afinal,
justamente contra os mais vulneráveis, sobre os quais a fiscalização
policial é sempre mais intensa.
(*)É juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da
Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7
Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.
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