terça-feira, 17 de abril de 2012

Aumentam as nuvens de fumaça

Da Carta Maior

CPI ou não CPI? A cada escolha o seu preço


A mídia demotucana destacou batalhões para escarafunchar possíveis vínculos entre a construtora Delta (mostrada como uma espécie de caixa de compensação do esquema Cachoeira), obras do PAC e eventuais doações a políticos e campanhas do PT. A investigação é legítima. Mas a ênfase ostensiva denuncia a intenção do dispositivo midiático conservador. Trata-se de acuar o governo Dilma com uma barragem de denúncias, suspeição e incerteza e, ao mesmo tempo, produzir um efeito atordoante na opinião pública.

O bombardeio diário, articulado e complementar tece a narrativa de um folhetim. Manejado por autores experientes na arte de ocultar e confundir o público, desta vez persegue um objetivo hercúleo: ofuscar o consórcio de carne e osso que liga o esquema Cachoeira à oposição mas, sobretudo, eclipsar a preciosa singularidade deste episódio --o papel do braço midiático na engrenagem criminosa; lubrificante sem o qual a ação dos interesses que fazem faz gato e sapato da democracia brasileira não vingaria. Há um custo. O governo e o PT hesitam diante da fatura.

A contundência da autodefesa estampada nos jornais empresta veracidade a rumores. Além da revista Veja e da editora Abril, entaladas até o pescoço nas águas da cachoeira, conforme evidências vazadas das escutas policiais, circulam nas redações outros nomes de prestígio do jornalismo que estariam engolfados até o nariz na lama revolvida pela PF. Interessaria a esses supostos personagens --e ao círculo endogâmico que tombaria ao seu redor-- a operação de guerra em curso para cauterizar todos os elos e ramificações fatais do caso. Assim está sendo feito.

O senador Demóstenes Torres --um arquivo incômodo e transbordante-- e o seu ex-partido , o Demo, escafederam-se do noticiário. Depois de um primeiro capítulo de intensa exposição tornaram-se atores cada vez mais coadjuvantes do empastelamento narrativo.

O governador tucano Marconi Perillo, que teria cedido cargos e o próprio Palácio das Esmeraldas à logística dos negócios encachoeirados , foi abduzido pela neblina da 'normalização'. Impressiona sobretudo o desinteresse midiático em investigar um personagem ao mesmo tempo vulnerável e estratégico: a ex-chefe de gabinete de Perillo evaporada igualmente da trama, após fulgurante aparição. Eliane Gonçalves Pinheiro, como se sabe, exonerou-se premida pelas revelações da Polícia Federal segundo as quais, entre um despacho e outro com o governador do PSDB, desempenhava o papel de elo telefônico entre parceiros e aliados do contraventor Carlinhos Cachoeira.

Não menos intrigante é o chá de sumiço servido a José Serra pela mídia obsequiosa. A assessoria do ex-governador não tem divulgado sequer sua agenda de campanha em SP e os jornalistas amigos, naturalmente, não contrariam nem arguem o cordão sanitário. A cumplicidade destoa do estrito interesse jornalístico esbanjado em outras frentes e ocasiões. É sabido que um dos vertedouros legais do esquema Cachoeira remete ao milionário negócio dos remédios genéricos.

A empresa Vitapan, registrada em nome da ex-esposa do bicheiro, Andréa Aprígio de Souza, é ativa nesse mercado. Demóstenes Torres tinha entre os seus afazeres interceder junto à Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, em benefício da Vitapan, com sede no polo industrial de Anápolis (GO), a 60 kms de Brasília .

A Vitapan nasceu em 1977 no Rio de Janeiro; foi transferida para Anápolis, nos anos 90 e adquirida por Cachoeira, quando deu um salto de faturamento na esteira da Lei dos Genéricos, de 1999. Serra era o ministro da Saúde de 1998 a 2002, tendo deixado o cargo para enfrentar Lula e por ele ser derrotado na campanha de 2002. Marconi Perillo então era o candidato tucano à reeleição em Goiás; Demóstenes, já ligado a Cachoeira, o seu Secretário de Segurança. A dinâmica Anápolis, sede da Vitapan, teria muito a revelar sobre essas e outras complementariedades, não fosse a cuidadosa desatenção das pautas que mantém a cidade longe do escândalo.

O atual secretário Estadual de Indústria e Comércio de Goiás,o tucano Alexandre Baldy, é empresário em Anápolis. Possível candidato a prefeito da cidade pelo PSDB, Baldy é casado com a irmã de Marcelo Limírio Filho, sócio da ex-esposa de Cachoeira e de Demóstenes em diversos negócios. A ex-sogra do bicheiro, Gabriela Campos de Sousa, ocupa a subsecretária de Educação em Anápolis. Além de Andréa, Gabriela é mãe de Adriano Aprígio de Sousa, preso na cidade pela PF e apontado como um dos mais importantes auxiliares de Cachoeira.

Haveria na memória da cidade, ainda, registros de um famoso encontro entre Cachoeira e um grão-tucano, no próprio aeroporto local, quando assuntos de interesse da Vitapan e dos genéricos teriam salpicado a conversa.

A operação abafa desencadeada pela mídia deixa ao governo e ao PT duas opções: ceder à chantagem, abortar a CPI e resignar-se ao papel de refém permanente desse condomínio histórico; ou assumir seu quinhão de perdas e danos para, finalmente, escancarar a face oculta desse Brasil que não sai nos jornais e do qual certos veículos e profissionais são um componente indissociável. A ver.

Postado por Saul Leblon
 

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