Contra moradores e comerciantes, prefeitura de São Paulo aprova plano urbanístico de Zeis da "Nova Luz"
Documento é pré-requisito para licitação de 45 quadras da
região central que será transferida para a iniciativa privada
Reunião do conselho gestor da Zeis foi marcada por pressão
da prefeitura e revolta de moradores com aprovação de minuta de edital
do plano de urbanização da Zeis (Foto: Camila de Oliveira)
São Paulo – Oito representantes da prefeitura de São Paulo decidiram
na noite de ontem (4) aprovar o plano urbanístico da zona especial de
intesse social (Zeis) prevista para funcionar em 11 quadras do projeto
Nova Luz, na região central da capital paulista. Moradores e
comerciantes que fazem parte do Conselho Gestor da Zeis decidiram não
votar por considerar a medida da prefeitura apressada e antidemocrática.
“Foi um absurdo o que vimos esta noite. A sociedade saiu insatisfeita
com o modo como está sendo feito esse projeto. Mas não adianta, não
somos ouvidos”, criticou a presidenta da Associação AmoaLuz, Paula
Ribas.
A pressão da prefeitura, cujos técnicos deram início à pauta avisando
que seria votada “a aprovação” do plano urbanístico das 11 quadras da
Zeis, deve-se, segundo lideranças de moradores e lojistas da região da
Santa Ifigênia, ao fato de o documento ser um dos pré-requisitos para a
prefeitura levar o projeto Nova Luz a licitação.
O coordenador do conselho, Alonso Lopez, da Secretaria Municipal de
Habitação, afirmou à reportagem que tem orientação para não dar
entrevistas, mas explicou durante a reunião que a minuta do plano
precisaria ser votada porque a previsão de aprovação era para janeiro e
foi postergada diversas vezes. Também avaliou que os meses de
funcionamento do conselho, desde junho do ano passado, seriam
suficientes para subsidiar o documento.
Ao longo de duas horas e meia de reunião, os seis conselheiros que
representam moradores e comerciantes atingidos pelo projeto Nova Luz,
fizeram sucessivos apelos para que a prefeitura cancelasse a votação até
que as dúvidas sobre o plano urbanístico e seu impacto na vida do
bairro fossem sanadas. “Nada aqui é respondido. Em São Paulo chegamos ao
pior ponto que uma cidade pode chegar”, disse Assad Nader, um dos
conselheiros.
De acordo com Paula Ribas, a minuta enviada pela prefeitura não
continha as contribuições da sociedade civil debatidas desde a
instalação do conselho em junho de 2011.
A advogada Rafaela Rocha apontou irregularidades no funcionamento do
conselho gestor, cuja instalação foi tardia. De acordo com a legislação,
disse, as contribuições da população teriam de fazer parte da
elaboração do projeto urbanístico completo que já foi lançado pelo
prefeito Gilberto Kassab (PSD) no ano passado e classificado como
consolidado.
Para o lojista José Carlos Suzuki, a licitação do projeto Nova Luz
deveria ser cancelada até que se instalasse um conselho gestor para todo
o projeto, com participação popular. Segundo ele, não faz sentido um
órgão gestor para discutir o impacto da iniciativa da prefeitura em
apenas 11 quadras, deixando outras 34 descobertas e, mesmo assim, haver
licitação.
Chantagem
Paulo Garcia, presidente da Associação de Comerciantes da Santa
Ifigênia (ACSI), considerou que a prefeitura agiu como “um bandido” ao
“chantagear a população” com a pressão que exerceu na reunião de ontem.
“Se eu tivesse levado um 38 na cabeça não me sentiria tão mal. Isto é só
mais uma demonstração do poder público. É o que chamam de participação
popular: ‘o povo diz não e eles dizem sim’”, reagiu. “Todas as
indagações que fizemos, seja sobre fundo do comércio, seja sobre
desapropriações ou remoção de pessoas, nada foi respondido.”
Garcia chama atenção que a legislação aprovada para o projeto Nova
Luz, de concessão urbanística, será exportada para todo o Brasil. “Uma
das últimas travas para isso funcionar é o conselho gestor da Zeis”,
argumentou.
O doutorando da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo (FAU-USP) Arnaldo de Melo criticou as intervenções
urbanísticas contidas no projeto Nova Luz, descoladas do interesse
humano. "Urbanismo se faz com pessoas e não com profissionais formaados e
represesntantes de grifes arquitetônicas", observou. Segundo ele, o
Nova Luz é motivo de "piada" nos corredores de escolas de arquitetura.
Moradores e comerciantes protestaram ao final da reunião e prometeram
ingressar na Justiça com mais ações contra o projeto, por falta de
transparência e consulta popular. “Se não nos ouvem, vai pela via
judicial. Vão mudar toda nossa vida e não nos ouvem”, disse Paula.
Histórico
- O projeto Nova Luz, de iniciativa da prefeitura de São Paulo, foi aprovado pela lei 14.917/09 e dividido em duas etapas, ambas licitadas pelo poder público municipal a empresas particulares.
- Na primeira etapa, as empresas do consórcio Concremat, Companhia City, AECOM e FGV, realizaram o projeto urbanístico da Nova Luz.
- A próxima etapa ainda depende de licitação e escolherá a empresa ou grupo que vai realizar desapropriações, construções e poderá comercializar por 20 anos os imóveis na área.
- Fazem parte do projeto de intervenção urbanística a área delimitada pelas avenidas Cásper Líbero, Ipiranga, São João, Duque de Caxias e rua Mauá.
- Moradores e comerciantes se opõem ao projeto por se tratar de uma intervenção longa, de 15 anos, que vai dar poder a uma empresa ou grupo particular, que vencer a licitação para gerir o bairro, de desapropriar imóveis de outros particulares. Eles também criticam a falta de transparência e respostas sobre o futuro de casas e comércios da área.
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