Após cusparada 'anti-64', manifestantes são alvos de ameaças de morte na internet
“Os caras têm armas. Divulgaram nossa rotina, é
perfeitamente possível a gente esbarrar com algum deles. Estamos
preocupados porque sabemos do que são capazes de fazer”, diz ativista
Por: Mauricio Thuswohl, especial para a Rede Brasil Atual
Post do blog Portal Militar estimula reações ameaçadoras a
ativista: excessos e intolerância (portalmilitar.com.br/reprodução)
Rio de Janeiro – A
proximidade da criação da Comissão da Verdade para a investigação
de crimes cometidos durante a ditadura no Brasil continua
acirrando ânimos entre os setores mais conservadores da sociedade. A
Polícia Federal, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e o
Ministério da Justiça receberão esta semana um pedido de proteção
feito por um grupo de cinco pessoas que vêm sofrendo ameaças de
agressão e morte pela internet nos últimos dias.
Tudo começou após o
confronto que opôs manifestantes pró-Comissão da Verdade e
militares da reserva na entrada do Clube Militar, no Rio de Janeiro,
em 29 de março. No lado de dentro do clube, uma cerimônia
comemorava o aniversário de 48 anos do golpe. Do lado de fora,
protestos conta os golpistas.
Flagrado pelas câmeras
dos jornais ao dar uma cusparada em um senhor idoso que batia boca
com os manifestantes – era o coronel-aviador Juarez Gomes,
presidente do Grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) no Rio –, o
produtor cultural e militante do PT Felipe Garcez se tornou alvo do
ódio de pessoas que, quase sempre sob o manto do anonimato, dirigem
a ele e a seus familiares ofensas e ameaças pela internet.
“Estamos recebendo
diversas ameaças. Queremos divulgar isso, pois expor o nosso caso
aumenta a nossa proteção. São dezenas de e-mails e de mensagens em
blogs que colocam nossa integridade em risco. Estão colocando nossas
imagens, nossos dados pessoais. Em alguns blogs estão sendo
publicados dossiês sobre a nossa vida, dizendo por onde eu andei,
onde eu morei, quem são meus familiares”, afirma Garcez, porta-voz
do grupo de ameaçados que conta também com Adil Giovanni Lepri
(estagiário da Agência Nacional do Audiovisual, Ancine), Eduardo
Victor Viga Beniacar (estudante da Universidade Federal Fluminense),
Rodrigo Mondego (consultor) e Gustavo Santana (assessor da reitoria
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Um passeio pela
internet dá a dimensão da pressão sofrida pelo grupo. O site
pró-64 “A Verdade Revelada” traz fotos e informações sobre os
quatro manifestantes, enquanto o blog anticomunista “Cavaleiro do
Templo” especula: “Cuspir na cara de pessoas de idade? Será
pouco, comparado com o que ocorrerá se o esquerdista Felipe Garcez
não for processado”. O blog de Licio Maciel, por sua vez, defende
que o dossiê com informações sobre o grupo “circule, ao menos
nos meios militares”.
Há também ameaças
diretas: “Merecia de volta uma bala de 38 no meio da cara. Não
seria agressão, mas defesa da honra”, diz sobre Garcez um
comentário anônimo postado no Portal Militar. Outro comentário
afirma que “deve ser feita alguma coisa contra esse delinquente”.
No blog de Maciel, um comentário assinado por Eduardo Cruz revela os
locais de moradia e estudo de Garcez, além dos nomes dos seus pais e
de sua noiva, que trabalha como funcionária civil em um quartel da
Marinha.
Noiva ameaçada
Esse detalhe sobre a
noiva de Garcez aumentou a fúria dos simpatizantes da ditadura
militar. “Seria interessante chegar aos ouvidos dos superiores da
Marinha que o noivinho dela não gosta de militares. Quem sabe eles
não renovam o contrato dela e a colocam no olho da rua”, diz um
comentário no Portal Militar. O pior das ameaças, no entanto, está
nas paginas de Garcez e sua noiva no Facebook, repleta de palavras
ofensivas e de baixo calão: “Seu noivo gosta de cuspir em idosos,
não é? Pois ele vai engolir esse cuspe pelo c...”, diz um post
assinado por Arnaldo Lima.
Outro post, assinado
por Darlan Sena, continua as agressões: “Que vergonha, sua vadia!
Sendo da Marinha e com esse maconheiro que cospe na cara de oficiais
da reserva! Nós vamos achar vocês”, diz o comentário, que também
ameaça a noiva de Garcez de violência sexual. Outro post, assinado
por Feitosa Júnior, ameaça: “Queria que ele (Garcez) fizesse isso
comigo, pois a cara dele iria virar tábua de pirulito. Que ele faça
um transplante de face, pois seu rosto já foi marcado por todos nós
e essa ação covarde vai ter volta”.
Sobre as ameaças a sua
noiva, Garcez faz um comentário interessante. “Ela está
trabalhando todos os dias, normal, e até agora nada aconteceu. No
quartel, ninguém tem falado disso, ninguém se incomodou com o ato.
Os militares da ativa meio que não ligaram para o que aconteceu.
Essas ameaças são coisas de grupos organizados, grupos fascistas e
nazistas que apoiaram a ditadura militar. Não é especificamente dos
militares”, avalia.
Em busca de proteção
Para se defender, o
grupo ameaçado já prepara uma ação na Justiça. “Consultamos
advogados e estamos recolhendo todo o material que estamos recebendo
com ameaças e fazendo uma compilação para dar entrada em um
processo por difamação, calúnia e incitação ao ódio. Estamos
fazendo uma peça bem fundamentada. Também já encaminhamos tudo à
Delegacia de Crimes Virtuais da Polícia Federal”, diz Garcez.
Em outra frente,
parlamentares também foram procurados. O senador Lindbergh Farias
(PT-RJ) se propôs a ajudar o grupo e vai enviar uma carta explicando
toda a situação ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo,
além de divulgar uma nota pública para criticar as ameaças. A
ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, também já foi procurada.
Garcez afirma que agora
o principal para o grupo é se proteger: “Esses caras têm armas e
nós não temos. Como divulgaram nossos hábitos e rotinas, é
perfeitamente possível que a gente acabe esbarrando com algum deles.
Algumas pessoas ainda não entenderam o quanto isso é sério.
Estamos preocupados porque sabemos do que eles são capazes de fazer.
Os principais blogs de direita estão nos denunciando e colocando a
coisa da seguinte forma: tomem os dados deles e façam com eles o que
vocês quiserem”, diz.
Sobre o episódio da
cusparada no coronel-aviador Juarez Gomes, Garcez afirma que “a
situação saiu do controle” no dia 29 de março. “A gente não
tinha nenhuma intenção de ir para lá agredir ou ofender aqueles
militares. Tudo começou porque eles saíam assumindo o ato, dizendo
‘matamos mesmo’ e rindo da nossa cara. Toda uma multidão
fervorosa cuspiu, jogou ovo e tudo mais. Eles precisam culpar
alguém, e somos nós. Não é do nosso feitio esse tipo de agressão,
mas a coisa saiu do controle. Eles não podiam debochar da nossa
dor.”
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