Do Luis Nassif
Em 1º de julho de 2009, a Polícia Federal concluiu o inquérito do
grampo sem áudio. Depois de dez meses de investigação, os delegados
William Morad e Rômulo Berredo não encontraram qualquer registro gravado
de uma conversa entre o ex-presidente do Supremo, ministro Gilmar
Mendes, e o senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás. Ninguém
apresentou fita, CD ou dragão para comprovar o suposto grampo de uma
conversa inócua.
Não foram encontrados indícios de que a Abin ou a PF estivessem
ouvindo os telefonemas do presidente do STF – ao contrário do que
alardeou a revista Veja em agosto de 2008, com ampla repercussão na
imprensa, no Congresso e na Corte Suprema. Não se incriminou a Abin,
como queriam a revista, o senador e o ministro, nem se chegou às origens
da farsa, seus autores e suas motivações.
As investigações da operação Monte Carlo e suas
predecessoras na Polícia Federal, agora de conhecimento público, trazem
novos elementos para iluminar aquele episódio. O mais importante desses
fatos novos é a revelação de que o bicheiro Carlinhos Cacheira detinha
informantes bem posicionados na Polícia Federal, incluindo os delegados
(hoje presos) Deuselino Valadares dos Santos e Fernando Byron, além dos
arapongas “autônomos” Idalino Matias, o Dadá, e Jairo Martins, ambos
associados à sucursal da revista Veja em Brasília.
O inquérito da Monte Carlo demonstrou que o delegado Deuselino
Valadares foi cooptado pela quadrilha de Cachoeira depois de ter
produzido, em meados de 2006, três relatórios para a PF sobre as
atividades do bicheiro e suas ligações políticas, incluindo Demostenes
Torres (aqui, na reportagem de Leandro Fortes na
Carta Capital). Deuselino, a quem o bicheiro chama de Neguinho, abriu a
empresa Ideal Segurança, com participação oculta de Cachoeira.
Em 2008, a Polícia Federal voltou a investigar Cachoeira e sua rede,
por meio da Operação Las Vegas. Aqui, na reportagem da Carta Capital:
“A participação do senador Demóstenes Torres só foi novamente
levantada pela PF em 2008, quando uma operação também voltada à
repressão de jogo ilegal, batizada de “Las Vegas”, o flagrou em grampos
telefônicos em tratativas com Carlinhos Cachoeira.”
O relatório final da Operação Las Vegas foi encaminhado ao
procurador-geral da república, Roberto Gurgel, em setembro de 2009, e
estranhamente engavetado, como demonstrou reportagem de Jailton de Carvalho no Globo.
O que a Polícia Federal não sabia em 2008 nem em 2009 é que o
delegado Deuselino Valadares era informante de Cachoeira e seu bando , e
poderia tê-los deixado a par das investigações. Provavelmente a PF não
conhecia também a profunda infiltração dos arapongas Dadá e Jairo no
aparato policial, fatos que só se tornaram evidentes e comprovados
agora, na Operação Monte Carlo.
Estão aí os novos elementos para que seja reaberto Inquérito do
Grampo sem Áudio: a descoberta da infiltração na Polícia, a conexão
entre os agentes de Cachoeira e a revista que bancou o grampo e, por
fim, uma nova motivação para a farsa: desqualificar a Operação Las
Vegas.
O Ministério Público e a PF precisam apurar se Demostenes e Cachoeira
sabiam que estavam sendo investigados e seus telefonemas, grampeados.
Se de fato sabiam, é preciso apurar se eles engendraram um plano para
desqualificar e embaralhar as investigações. Nesta hipótese, o senador
disparou o conhecido golpe do pega-ladrão: espalhou aos quatro ventos,
com a ajuda da revista Veja, que estaria sendo grampeado, não por
policias com autorização judicial, mas por arapongas a serviço do
governo. De quebra, mas não menos importante, ajudou a desqualificar a
Operação Satiagraha.
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