Maurício Dias
Estandarte da hipocrisia
O senador Demóstenes Torres é uma figura mais emblemática do que ele
próprio imagina. Essa derrocada que sofreu, após assumir o papel de
guardião da moral pública, tem sido típica da oposição conservadora há
mais de meio século.
Caso houvesse um lema na bandeira desses oposicionistas – sem dúvida representada pelo lábaro udenista (foto)
– ele seria composto de duas palavras: “Moralidade e Legalidade”, e
poderia ser apelidado imediatamente de “Estandarte da Hipocrisia”.
Esse espírito da UDN, hipocritamente moralista e legalista, assombra a
democracia brasileira desde a fundação, em abril de 1945. Na esteira da
participação militar do País na Segunda Guerra Mundial, os udenistas
encarnaram o papel de principal oposição ao Estado Novo. Muita gente, à
esquerda e à direita, foi presa e sofreu no cárcere. Não se sabe, no
entanto, de nenhum udenista preso ou torturado durante o regime
varguista.
No DNA da UDN, além de uma ideologia que varia do conservadorismo ao
reacionarismo golpista, consta também a célula de rejeição ao que de
melhor fez o ex-presidente Getúlio Vargas. A construção das bases
do
moderno Estado Nacional e das regras de proteção aos trabalhadores.
Principalmente por essas decisões Vargas pagou com o suicídio, em
1954, quando o arauto da oposição era Carlos Lacerda. Ele segurou o
estandarte da moralidade quando criou a expressão “Mar de Lama”, que
supostamente corria sob o Palácio do Catete. Nada provado, mas
perfeitamente executado e ampliado pelas trombetas da mídia.
Na eleição de 1950, Vargas deu uma surra eleitoral no udenista
Eduardo Gomes, um brigadeiro identificado como reserva moral do País.
Gomes já tinha perdido, em 1945, para o candidato Eurico Gaspar Dutra,
apoiado por Getúlio. Em 1955, a UDN empurrou para o páreo o marechal
Juarez Távora. Ele perdeu para Juscelino Kubitschek, que tinha como vice
o getulista João Goulart.
A UDN tentou ganhar no tapetão. Renomadas figuras do
partido, como Afonso Arinos, tentaram um golpe branco com o argumento,
não previsto na legislação, de que JK não havia conquistado a maioria
absoluta de votos. Não deu certo.
Em 1960, os udenistas ganharam a eleição presidencial na garupa da
vassoura do tresloucado Jânio Quadros. Ele renunciou após sete meses,
mas levou a faixa presidencial na esperança de voltar ao poder com o
apoio dos militares. Prevaleceu, no entanto, a resistência democrática,
comandada por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul. A
esquerda saiu fortalecida do episódio e com a bandeira da legalidade nas
mãos.
O udenismo chegou ao poder em 1964. Dessa vez a reboque dos
militares, com a deposição de João Goulart. Por uma sucessão de erros
políticos do presidente, e com uma parte da esquerda alimentando-se de
fantasias revolucionárias, entregou de mão beijada aos golpistas o
discurso da legalidade. Era falsa. A legalidade udenista abriu caminho
para uma ditadura que durou 21 anos.
O mote da ética levou o espírito udenista, encarnado pelo ex-presidente Fernando Henrique, a propor o impeachment inicialmente e, posteriormente, a renúncia à reeleição ao ex-presidente Lula. Não levaram.
Os conservadores de agora, com o processo democrático fortalecido,
sem o discurso da legalidade, acabam de perder a bandeira da moralidade
sustentada pela hipocrisia de Demóstenes Torres. Com que bandeira eles
vão à luta eleitoral?
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