O artigo fala da forte decepção do irmão de Celso Daniel diante da impunidade frente ao assassinato do prefeito de Santo André. A se levar em consideração o drama pessoal e familiar, cercado inclusive por perseguições em sua própria cidade. A se reforçar essa inconcebível impunidade provocada pelo nosso sistema judiciário. A se relativizar, entretanto, as macro leituras contaminadas pela situação da inércia nas respostas ao caso.
Da Carta Capital
Impunidade
O Brasil de Celso Daniel ainda é o mesmo de 2002
O Brasil dos últimos dez anos é, segundo a propaganda oficial, um
país pungente, detentor da sexta economia do Planeta, que enriquece com
prestígio e justiça social. Mas o Brasil encontrado por Bruno José
Daniel Filho após seis anos de exílio na França é ainda o mesmo de 2002.
Se não for mais assustador.
Nesse período, o irmão do prefeito assassinado de Santo André, Celso
Daniel, conheceu de perto o país da impunidade, das execuções, dos
acertos de conta, dos privilégios, das ameaças e do silêncio. O crime
completa dez anos no próximo dia 19.
“Do ponto de vista institucional, algumas coisas pioraram, fazendo
com que parte das pessoas perca a esperança de um futuro melhor”, disse
ele, em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo.
A reportagem foi publicada no domingo 8.
De volta ao Brasil desde novembro, o professor de economia, de 59
anos, fez, na entrevista, um resumo de como vê o país de onde saiu em
2005, junto com a mulher e os filhos, na tentativa de se proteger –
sobretudo após morte do médico legista Carlos Del Monte Printes naquele
mesmo ano.
Isso enquanto a polícia e o Ministério Público batiam cabeça ao
tentar esclarecer a morte do irmão. A Promotoria diz que o crime teve
motivação política, e ocorreu após o prefeito decidir dar fim a um
esquema de desvios de recursos públicos em Santo André que financiariam
campanhas eleitorais. A polícia afirma que foi crime comum.
Até hoje só um acusado de ser o executor do crime está preso.
Apontado pela Promotoria como mandante do assassinato, Sérgio Gomes, o
Sombra, segurança e amigo do prefeito petista, ainda não foi a júri. “O
direito de defesa é sagrado, mas parece que certas leis e ritos permitem
àqueles que podem pagar ‘a peso de ouro’ certos escritórios de
advocacia, postergar julgamentos indefinidamente. Justiça que tarda não é
Justiça. Por que tantos outros casos já chegaram a seu final e este tem
demorado tanto?”
Parte dos problemas, segundo Bruno José, pode ser explicada em razão
dos “desequilíbrios entre os Poderes da República”, que vê aprofundados.
Ele afirmou ainda ter a sensação de que o crime organizado “tem
avançado”. E se mostra insatisfeito com a “qualidade bastante
discutível” da mídia, parte dela concessão do governo, conforme pontuou.
“Tem atingido níveis ainda inferiores”.
Ainda sobre a situação do País, o professor de economia é enfático:
“Os Poderes Legislativo e Judiciário estão em crise e piores. Poderes
Executivos atropelam decisões de instâncias participativas, ferindo a
Constituição. Desviam recursos públicos, contratando ONGs e empresas
irregularmente. Separa-se pouco o público do privado. Altos funcionários
públicos enriquecem supostamente prestando consultorias ao setor
privado. O Estado funciona mal, apesar de termos eleições regulares e
imprensa formalmente livre”.
Sobre a pujança econômica, e apesar da melhora nos índices de
distribuição de renda, ele se mostrou desconfiado. Lembrou que “os
sistemas de educação, saúde, habitação e transportes continuam muito
precários”. “O País se desindustrializa, investe pouco e inova muito
menos do que o necessário. Nossos problemas ambientais se agravam,
crescemos muito menos do que outros países emergentes”.
Na mesma entrevista, o irmão mais novo de Celso Daniel, hoje filiado
ao PSOL (ele nega a intenção de disputar eleições), não esconde a
frustração com os antigos companheiros petistas – com as “honrosas
exceções”, citadas por ele, de Ricardo Alvarez, Hélio Bicudo e Eduardo
Suplicy (o único que permanece na legenda). A maioria no partido diz
acreditar na tese de crime comum, segundo lembra na entrevista.
Segundo o professor, o esquema de arrecadação ilícita de recursos
para financiar campanhas eleitorais foi descrito, à época, pelo hoje
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gilberto Carvalho. O
relato foi feito por Bruno José Daniel Filho em depoimento na CPI dos
Bingos, em 2005.
Ele cobra das autoridades que as autoridades investiguem a suspeita
de que o dinheiro arrecadado ilegalmente era levado ao então presidente
do PT, José Dirceu.
“Tivemos que resolver o problema de duas mortes. A morte do Celso e a
morte simbólica da maioria dos nossos antigos companheiros do PT”.
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