Do Correio do Brasil
Apesar do alvoroço na mídia e das atitudes vacilantes da Globo, canal aberto de TV que transmite a 12ª edição do programa Big Brother Brasil (BBB12),
o ator Daniel Echniz, de 31 anos, muito dificilmente será réu em um
processo, acusado de estuprar a colega de cama Monique Amin, de 23, na
madrugada desta segunda-feira. É o que garante um grupo de juristas e
desembargadores, falando em condição de anonimato para o Correio do Brasil
por considerarem o assunto “estúpido e irrelevante demais” para ser
ligado ao currículo de qualquer um deles, ainda que em uma simples
entrevista.
Para o desembargador, que tem mestrado na Sorbonne em Direito Penal
Internacional, uma experiência jurídica de mais de três décadas e se
orgulha de jamais ter assistido a uma cena de qualquer um dos 12 BBBs,
“a situação é tão ridícula que parece ter a clara intenção de arrumar
mais alguns incautos para assistir ao programa”.
– Se dependesse de mim, sequer existiria uma atração tão
inconsequente e bizarra como esta, incapaz de traduzir qualquer valor
socialmente positivo ao público que assiste à TV aberta no Brasil. Em
uma comparação muito rasa, é como se cada residência, onde houver uma
televisão ligada na emissora líder de audiência no país, deixasse a
porta aberta para o caminhão de lixo vazar a sua carga, todas as noites,
em plena sala de jantar. Diante deste quadro, o que se pode avaliar da
atitude do rapaz e da moça que se esfregavam embaixo do cobertor, de
madrugada, é que se trata apenas da velha e boa sexualidade aflorando à
pele da juventude. Ele fez. Ela gostou e mais. Disse à autoridade
policial, “fi-lo porque qui-lo” e gostou de ter feito o que fez. Querer
transformar isso em um fardo para o moço, obrigá-lo a passar seis anos
em um presídio por conta disso seria uma estupidez ainda maior –
afirmou.
Para outro experiente jurista na área criminal, será difícil até para
o Ministério Público transformar a investigação em curso no processo
contra Daniel.
– A autoridade policial tem o direito, e o dever, de averiguar o que
considerar relevante. Mas do inquérito até o processo há um longo
caminho a ser percorrido. O delegado (Antonio Ricardo Nunes, da 32ª DP)
faz o trabalho dele, que é o de colher provas, evidências de que um
crime poderia ter ocorrido. Mas as chances deste inquérito se
transformar em um processo contra o suposto estuprador se diluíram a
quase zero no momento em que a então vítima nega a relação sexual, prova
em um exame de corpo de delito que não houve penetração, e diz que as
carícias flagradas pelas câmaras foram todas consensuais. Ou seja, é a
situação shakespeariana do much ado about nothing (muito barulho por nada) – reparou.
Concessão em risco
A situação jurídica da TV Globo no caso, porém, não é tão
tranquila quanto à de Daniel, segundo um terceiro jurista, especializado
em direito empresarial. Exibir, em horário desaconselhável para menores
de 12 anos, cenas nas quais um rapaz parecia estar em pleno coito com
uma moça desacordada é um erro que começa no momento em que a emissora,
concessionária de um serviço público, levou às residências das pessoas
um conteúdo impróprio a menores de 18 anos.
– O peso da lei, neste caso, aumenta em toneladas. Enquanto o rapaz e
a moça estão lá se agarrando e fazendo o que bem entendem, problema
deles. Ninguém teria nada com isso se eles estivessem em casa, entre
quatro paredes. Mas tornaram-se, ambos, figurantes de um espetáculo de
mau gosto e um claro atentado a quem tem o direito de não presenciar tal
situação, como os pais das crianças de 12, 13 anos, que estavam em
frente ao televisor enquanto o apresentador dessa calamidade (o
jornalista Pedro Bial), com um sorriso cínico, elogiava: “É o amor”. Vão
ver quanto custa o amor se alguma autoridade pública federal resolver
levar o caso adiante. Aí sim, haverá algo a ser discutido no país, além
do estupro inexistente de uma donzela nem tão desacordada assim –
alertou.
A autoridade pública federal a que se referia o jurista é o
Ministério das Comunicações, que requisitou as imagens passadas em TV
aberta no BBB12 para analisar se foram transmitidas imagens
“contrárias à moral familiar e aos bons costumes”. Se julgar procedente,
o ministro Paulo Bernardo poderá pedir a abertura de um processo contra
a emissora. O ministério também solicitou que Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), que regula a TV por assinatura, investigue se
as imagens do possível estupro foram transmitidas no pay-per-view do BBB12. Se os fatos avaliados se transformarem em um processo e a Rede Globo
for condenada, poderá ter seus serviços interrompidos e até mesmo a
concessão cassada, segundo o Código Brasileiro de Telecomunicações.
O risco de a Rede Globo ser penalizada também aumentará se o
Ministério da Justiça, que estabelece as classificações indicativas da
TV aberta mas não interfere no conteúdo pago, se posicionar
favoravelmente à abertura de processo contra a emissora. A Secretaria de
Políticas para as Mulheres, subordinada à Presidência da República,
também acompanha as apurações feitas pela Polícia Civil e o Ministério
Público do Rio de Janeiro.
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