quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Desdobramentos do caso da criança indígena do Maranhão

Do Vias de Fato


O índio queimado no Maranhão

No dia 31 de dezembro de 2011 o site do jornal Vias de Fato deu uma pequena nota, noticiando que havia nos chegado à informação de que um índio teria sido queimado no município de Arame, no interior do Maranhão. A vítima, segundo a denúncia, foi uma criança Awá-Guajá.

Com a repercussão da nota, alguns dias depois, no último dia 6 de janeiro, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) divulgou uma notícia em seu site (www.cimi.org.br) tratando do mesmo assunto e confirmando a nossa informação. O texto do CIMI foi feito em Brasília e assinado pelo jornalista Renato Santana. Nele está dito que, segundo os indígenas, “o corpo foi encontrado carbonizado em outubro do ano passado num acampamento abandonado pelos Awá isolados, a cerca de 20 quilômetros da aldeia Patizal do povo Tenetehara, região localizada no município de Arame (MA). A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi informada do episódio em novembro e nenhuma investigação do caso está em curso”.

Os suspeitos pelo crime contra a criança índia são os madeireiros que atuam em terras maranhenses. O caso repercutiu em todo o país.  O Ministério Público Federal convidou o CIMI e a Comissão de Direitos Humanos da OAB do Maranhão para discutir as providências que serão tomadas no sentido de apurar o caso.  Hoje à tarde (10/01/12) houve uma audiência para tratar do assunto.

Porém, antes disso, no dia 8 de janeiro, a Fundação Nacional do Índio no Maranhão (FUNAI), apressadamente (e é muito importante registrar a pressa) concluiu um relatório dizendo que o caso do índio queimado em Arame “trata-se de um boato”, de “uma mentira”, de “uma notícia sem fundamento”, cuja “a motivação é eminentemente política”. Lideranças indígenas nos ligaram hoje pela manhã revoltadas com o conteúdo do relatório.

O fato é que a história dos madeireiros na nossa região segue o mesmo roteiro e método do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro. Eles dominam pela força bruta e agem em parceria com o poder político/estatal/mafioso. Eles são violentos e circulam como se estivessem acima do bem e do mal. E já que a FUNAI falou de “motivação política” o Vias de Fato lembra que órgãos federais, políticos com mandato e o comando da máfia maranhense, têm relação com estes madeireiros. São cúmplices! É por isso que eles estão sempre tão à vontade para devastar, matar e esfolar tudo que eles encontram pela frente.

No Maranhão, os madeireiros estão também dentro de áreas indígenas. Por conta disso, vários índios são aliciados e participam do negócio. Os que não entram no jogo, sofrem diferentes tipos de agressões, caso dos Awá-Guajá.

Sendo assim, no momento em que a FUNAI lança um relatório em regime de urgência, tentando botar uma pá de cal sobre a denúncia do índio queimado e deixando livre de suspeitas os madeireiros que agem no Maranhão, é o caso de se levantar algumas questões.

A primeira se refere ao índio Clóvis Tenetehara. Ele é a única fonte citada nominalmente pela FUNAI. Na realidade, a FUNAI reproduz um depoimento de Clóvis quando ele diz que o assassinato da criança Awá se trata de “um boato, uma mentira”.  É estranho que neste mesmo relatório da FUNAI está dito que os próprios servidores da Fundação flagraram um caminhão madeireiro e que este teria feito uma doação (incluindo aí mantimentos) para Clóvis Tenetehara e sua família. Já no site da revista Caros Amigos está dito que o “o índio Guajajara Clóvis Tenetehara contou ao CIMI  que costumava ver os Awá-Guajá isolados durante caçadas na mata. Mas que não os vê mais, desde que localizou um acampamento com sinais de incêndio e os restos mortais de uma criança”.

Então, nesta confusão toda, quem está mentido? Quem está sendo bobo ou se fazendo de bobo? A FUNAI? O CIMI? A Caros Amigos? O índio Clovis Tenetehara? Os outros setores da imprensa e da Sociedade Civil? Teria Clóvis dado um depoimento para o CIMI e outro para a FUNAI? Ele mudou de depoimento? E se mudou, o que teria lhe motivado? São muitos os fatos que precisam ser apurados. E outros índios, certamente, devem ser ouvidos!

Quanto ao nosso papel, desde o início, foi o de ajudar a denunciar uma história que é comentada por vários índios da região de Amarante e Arame: UMA CRIANÇA INDÍGENA AWÁ-GUAJÁ TERIA SIDO QUEIMADA POR MADEIREIROS!

E nós sabemos que existe todo um histórico de violência contra índios e outros povos da terra que vivem (e sobrevivem) no Maranhão. São posseiros, quilombolas, sem terra, ribeirinhos etc. E o poder público e a grande mídia local (ambos ligados a máfia Sarney) são protagonistas e/ou coniventes com esta situação de barbárie. E as mortes acontecem... Muitas não são registradas. E o povo grita. E ninguém ouve. Então, numa situação como esta, a FUNAI, ao invés de teorizar sobre liberdade de imprensa, tem é que cumprir o seu verdadeiro papel e convencer a sociedade de que está agindo de forma correta, honesta e com total e absoluta transparência.

Em nossa edição de novembro de 2011 (nº 26), o índio Frederico Guajajara disse que “recentemente um madeireiro passou com um caminhão por cima de um índio Guajajara. Uma índia Kanela de 51 anos, foi estuprada e assassinada com requintes de crueldade e uma índia Krikati de 22 anos e com problemas mentais foi estuprada dentro da aldeia por um homem branco armado. A Funai tem conhecimento disso tudo e não tomou nenhuma providência.” A matéria tratou de uma rebelião de índios que ocupou a sede da FUNAI  em Imperatriz (MA) e, na ocasião, lançou uma carta aberta a sociedade.

Nesta carta está citada a tentativa de cooptação de comunidades indígenas e a relação de madeireiros com figuras da FUNAI.  Integrantes do CIMI voltaram a garantir hoje, na reunião com o Ministério Público Federal e com a Comissão de Direitos Humanos da OAB, que, já neste período, servidores da FUNAI foram informados que o corpo de uma criança indígena foi encontrado carbonizado.  Isto foi há dois meses! Agora, ao invés de fazer uma profunda investigação sobre esta “nova” denúncia, a FUNAI tenta, rapidamente, abafar o assunto citando um único e controvertido depoimento.

O adágio popular diz que onde há fumaça, há fogo. Neste caso das terras dos Awá-Guajá, tem muito mais do que isso...

Em reunião conjunta com a Polícia Federal, o MPF/MA trabalha na apuração da denúncia

O Ministério Público Federal no Maranhão (MPF/MA) reuniu-se na tarde desta terça-feira (10) com representantes da Política Federal e do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) para traçar as diretrizes da apuração sobre as notícias de morte de uma criança da etnia Awá-guajá que teria sido queimada viva por madeireiros na terra indígena Araribóia, no munício de Arame (MA).

A Fundação Nacional do Índio (Funai) também foi convidada a participar da reunião, mas não compareceu, encaminhando apenas um relatório preliminar no qual nega a ocorrência do crime e alega não se ter conhecimento da localização do corpo, apesar de confirmar a presença de madeireiros na região.

As informações apresentadas no relatório da Funai divergem da versão inicial da denuncia feita por representantes do Cimi na qual, no ano passado, um índio da etnia guajajara teria encontrado o corpo carbonizado de uma criança indígena em um acampamento abandonado nas proximidades da aldeia dos Awás-guajás. Diante da divergência entre as versões apresentadas, o MPF/MA intensificará a apuração dos fatos para reunir elementos concretos para a adoção das medidas necessárias.

Em 2006, o MPF/MA ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Funai, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a União, pedindo a retirada dos madeireiros da região e a instalação de bases de proteção da Funai na terra indígena. O pedido do MPF/MA foi julgado procedente pela Justiça Federal do Maranhão em 2010, mas devido à uma apelação apresentada pela Funai, que se posicionou contra a instalação das bases de proteção propostas pelo MPF/MA, o processo ainda aguarda o julgamento do recurso.



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