Do Sem Fronteiras
Como informa o jornal Folha de S.Paulo, coube à
Polícia Militar paulistana deflagrar, –sem que as autoridades
incumbidas das ações sociossanitárias fossem avisadas–, a chamada Ação
Integrada Centro Legal.
A referida matéria da Folha mostra que a
autoridade municipal , — que afirmou sem provar possuir muitas vagas
para acolher toxicodependentes–, não recebeu aviso da estadual. O
‘dead-line’, portanto, ficou atribuído à Polícia Militar. Atenção, a
isso se chamou “Ação Intregrada”.
A precipitação da Polícia Militar, que segue
ordens do governador Geraldo Alckmin, prejudicou a atuação de apoio
sociossanitário aos toxicodependentes. Até porque as instalações da
unidade primeira de acolhimento e triagem, denominada Complexo de Apoio,
só será aberta no dia 30 de janeiro.
Não bastasse, apenas na sexta-feira (6) a
Prefeitura enviou um inesperado aviso aos agentes de saúde da 15 AMAs
(Assistência Médica Ambulatorial). O prefeito Kassab determinou, sem
fixar prazo, que as AMAs preparem-se para receber os dependentes
químicos da Cracolândia.
Na sexta, quarto dia de operação, ocorreu ao
governador Alckmin decidir pela reserva de 280 vagas para dependentes
químicos em 33 instituições de acolhimento espalhadas pelo interior do
Estado de São Paulo.
Sobre o tipo de tratamento médico, formas de internação e maneiras de reintegração social, nenhuma palavra, até agora.
Diante desse quadro grotesco, não faltou artigo
da ex-prefeita Marta Suplicy a apresentar, além das críticas, elenco de
soluções deixadas para trás na Cracolândia.
Marta Suplicy, em artigo deste sábado (7) no
jornal Folha de S.Paulo, usou da autoridade de quem não fez o suficiente
para enfrentar esse fenômeno. Isto quando ela podia, na condição de
prefeita municipal. No seu governo, falava-se que a ação principal
estaria afeta ao governo federal.
A propósito, a nossa presidente Dilma, a
cumprir promessa de campanha, incumbiu o ministro da Saúde a apresentar
projetos e ações para contrastar o fenômeno representado pelo consumo do
crack. O ministro chegou a visitar a Cracolândia, mas, sobre o plano
Alckmin-Kassab, não mereceu nenhuma informação, ou seja, consideração.
Não se pensou, evidentemente, na tragédia urbana paulistana e pesou o
fato de serem de partidos diversos: Kassab é cria de Serra e invenção de
Celso Pitta; Alckmin se apresenta como herdeiro do espólio político de
Covas e o ministro da saúde, Alexandre Padilha, é do PT.
No momento, tudo mostra, por parte da dupla
formada pelo governador o prefeito de São Paulo, o uso pirotécnico, do
tipo populista eleitoreiro, no trato de uma grave questão de saúde
pública.
Mais uma vez, o governador Alckmin priorizou
ações do tipo policialesco. Ele parece não ter apreendido a lição do
fracasso policial dos seus anteriores governos e na repressão à
organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), quando deixou
ao sucessor de um mandato tampão, Cláudio Lembo, a surpresa de ataques
com matriz de guerrilha urbana. Mostrar músculos sem inteligência ficou
como marca nos anteriores governos de Alckmin, onde pontificou, pelos
discursos fanfarrônicos, o seu antigo secretário de Segurança Pública,
Saulo de Castro.
Desta vez e ao contrário do PCC, os dependentes
químicos, — que se encontram força para assaltar e importunar
transeuntes, moradores e comerciantes, no efeito do crack–, ficaram à
mercê das manobras policiais.
Num resumo, Alckmin, que se apresenta como um
cristão exemplar, esqueceu dos excluídos e priorizou enxotá-los e acabar
com a antiga política de confinamento de toxicodependentes iniciada nos
anos 90. O prefeito Kassab, como do seu feitio, busca protagonismos e
pega caronas de Alckmin, Lula e de quem Serra mandar.
A torturante razão dada pela estadual
Secretaria da Justiça e da Cidadania para as ações policiais, ou seja,
deixar o dependente sem o crack para forçá-lo, pelo desespero e dor
provocados pela abstinência, a procurar ajuda médica, restou desmentida
na prática. Não havia apoio sanitário e nem social. A respeito, a
vice-prefeita e viúva política do ex-governador Orestes Quércia, de
triste memória, é uma assistente social de formação. Apesar disso,
apoiou a torturante estratégia da abstinência.
É lógico que se não existissem
toxicodependentes pelas ruas do bairro da Luz, — num passado recente a
região abrigava pela proximidade das estações ferroviária e rodoviária o
tráfico de seres humanas para desfrutamento sexual–, a violência seria
bem menor e os comerciantes e moradores não seriam afetados.
Assim como tempos atrás, prostitutas foram
confinadas (a palavra usada na época foi confinamento) no bairro do Bom
Retiro (tiveram que migrar da zona central da Luz, em especial da rua
Santa Efigênia), deu-se, na chamada Cracolândia e pela omissão, uma
permissão de território livre para o tráfico, o consumo e a permanência
de dependentes químicos. Na verdade, a Cracolândia foi uma forma
tolerada de confinamento.
Sobre a dupla Kassab-Alckmin priorizar a ação
policial na Cracolândia, um dos maiores especialistas internacionais e
com vasta experiência nas questões sobre toxicodependência, doutor
Darthiu Xavier de Freitas, advertiu ”que medidas repressivas sem
propor auxílio ou ajuda aos dependentes são equivocadas e ineficientes.
As pessoas estão incomodadas com indivíduos se drogando na rua, mas se
este é o grande mote para a ação, há uma medida higienista”. Darthiu
ressaltou: “Essa situação é atribuída à droga, mas a causa do problema é
a exclusão social, ausência de moradia e saúde”.
Pano rápido. O
toxicodependente, que está na raiz do problema, foi deixado para depois
por Alckmin-Kassab. A meta é acabar, por ação policial, com o
confinamento instalado na Cracolândia e evitar outros pontos de
aglomeração de dependentes no centro da cidade. Num “centro legal”, para
a dupla, não há mais lugar a confinamento de toxicodependentes.
Uma solução, no fundo, de limpeza de
excluídos. Mais uma, na história das tragédias das cidades e dos estados
brasileiros. A mais célebre foi a de Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro.
Ele tinha uma polícia que prendia indigentes, mendigos, que habitavam
nas ruas do centro carioca. Depois da detenção, muitos mendigos foram
jogados nas águas do rio Gandu.
Pobre Brasil. A vergonha vira mérito e cacife eleitoral.
–Wálter Fanganiello Maierovitch—
Em tempo: O colunista é
independente. Nunca foi inscrito a partidos políticos e não tem
predileção por nenhum deles. Não segue a pessoas, mas ideias.
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