domingo, 8 de janeiro de 2012

"Limpeza de excluídos"

Do Sem Fronteiras



Como informa o jornal Folha de S.Paulo, coube à Polícia Militar paulistana deflagrar, –sem que as autoridades incumbidas das ações sociossanitárias fossem avisadas–, a chamada Ação Integrada Centro Legal.

A referida matéria da Folha mostra que a autoridade municipal , — que afirmou sem provar possuir muitas vagas para acolher toxicodependentes–, não recebeu aviso da estadual. O ‘dead-line’, portanto, ficou atribuído à Polícia Militar. Atenção, a isso se chamou “Ação Intregrada”.

A precipitação da Polícia Militar, que segue ordens do governador Geraldo Alckmin, prejudicou a atuação de apoio sociossanitário aos toxicodependentes. Até porque as instalações da unidade primeira de acolhimento e triagem, denominada Complexo de Apoio, só será aberta no dia 30 de janeiro.

Não bastasse, apenas na sexta-feira (6) a Prefeitura enviou um inesperado aviso aos agentes de saúde da 15 AMAs (Assistência Médica Ambulatorial). O prefeito Kassab determinou, sem fixar prazo, que as AMAs preparem-se para receber os dependentes químicos da Cracolândia.

Na sexta, quarto dia de operação, ocorreu ao governador Alckmin decidir pela reserva de 280 vagas para dependentes químicos em 33 instituições de acolhimento espalhadas pelo interior do Estado de São Paulo.
Sobre o tipo de tratamento médico, formas de internação e maneiras de reintegração social, nenhuma palavra, até agora.

Diante desse quadro grotesco, não faltou artigo da ex-prefeita Marta Suplicy a apresentar, além das críticas, elenco de soluções deixadas para trás na Cracolândia.

Marta Suplicy, em artigo deste sábado (7) no jornal Folha de S.Paulo, usou da autoridade de quem não fez o suficiente para enfrentar esse fenômeno. Isto quando ela podia, na condição de prefeita municipal. No seu governo, falava-se que a ação principal estaria afeta ao governo federal.

A propósito, a nossa presidente Dilma, a cumprir promessa de campanha, incumbiu o ministro da Saúde a apresentar projetos e ações para contrastar o fenômeno representado pelo consumo do crack. O ministro chegou a visitar a Cracolândia, mas, sobre o plano Alckmin-Kassab, não mereceu nenhuma informação, ou seja,  consideração. Não se pensou, evidentemente, na tragédia urbana paulistana e pesou o fato de serem de partidos diversos: Kassab é cria de Serra e invenção de Celso Pitta; Alckmin se apresenta como herdeiro do espólio político de Covas e o ministro da saúde, Alexandre Padilha, é do PT.

No momento, tudo mostra, por parte da dupla formada pelo governador o prefeito de São Paulo,  o uso pirotécnico, do tipo populista eleitoreiro, no trato de uma grave questão de saúde pública.

Mais uma vez, o governador Alckmin priorizou ações do tipo policialesco. Ele parece não ter apreendido a lição do fracasso policial dos seus anteriores governos e na repressão à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), quando deixou ao sucessor de um mandato tampão, Cláudio Lembo, a surpresa de ataques com matriz de guerrilha urbana. Mostrar músculos sem inteligência ficou como marca nos anteriores governos de Alckmin, onde pontificou, pelos discursos fanfarrônicos, o seu antigo secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro.

Desta vez e ao contrário do PCC, os dependentes químicos, — que se encontram força para assaltar e importunar transeuntes, moradores e comerciantes,  no efeito do crack–,  ficaram à mercê das manobras policiais.

Num resumo, Alckmin, que se apresenta como um cristão exemplar, esqueceu dos excluídos e priorizou enxotá-los e acabar com a antiga política de confinamento de toxicodependentes iniciada nos anos 90. O prefeito Kassab, como do seu feitio, busca protagonismos e pega caronas de Alckmin, Lula e de quem Serra mandar.

A torturante razão dada pela estadual Secretaria da Justiça e da Cidadania para as ações policiais, ou seja, deixar o dependente sem o crack para forçá-lo, pelo desespero e dor provocados pela abstinência, a procurar ajuda médica, restou desmentida na prática.  Não havia apoio sanitário e nem social. A respeito, a vice-prefeita e viúva política do ex-governador Orestes Quércia, de triste memória, é uma assistente social de formação. Apesar disso, apoiou a torturante estratégia da abstinência.

É lógico que se não existissem toxicodependentes pelas ruas do bairro da Luz, — num passado recente a região abrigava pela proximidade das estações ferroviária e rodoviária o tráfico de seres humanas para desfrutamento sexual–, a violência seria bem menor e os comerciantes e moradores não seriam afetados.

Assim como tempos atrás, prostitutas foram confinadas (a palavra usada na época foi confinamento) no bairro do Bom Retiro (tiveram que migrar da zona central da Luz, em especial da rua Santa Efigênia), deu-se, na chamada Cracolândia e pela omissão, uma permissão de território livre para o tráfico, o consumo e a permanência de dependentes químicos. Na verdade, a Cracolândia foi uma forma tolerada de confinamento.

Sobre a dupla Kassab-Alckmin priorizar a ação policial na Cracolândia, um dos maiores especialistas internacionais e com vasta experiência nas questões sobre toxicodependência, doutor Darthiu Xavier de Freitas, advertiu ”que medidas repressivas sem propor auxílio ou ajuda aos dependentes são equivocadas e ineficientes. As pessoas estão incomodadas com indivíduos se drogando na rua, mas se este é o grande mote para a ação, há uma medida higienista”. Darthiu ressaltou: “Essa situação é atribuída à droga, mas a causa do problema é a exclusão social, ausência de moradia e saúde”.

Pano rápido. O toxicodependente, que está na raiz do problema, foi deixado para depois por Alckmin-Kassab. A meta é acabar, por ação policial, com o confinamento instalado na Cracolândia e evitar outros pontos de aglomeração de dependentes no centro da cidade. Num “centro legal”, para a dupla, não há mais lugar a confinamento de toxicodependentes.

Uma solução, no fundo, de limpeza de excluídos. Mais uma, na história das tragédias das cidades e dos estados brasileiros. A mais célebre foi a de Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro. Ele tinha uma polícia que prendia indigentes, mendigos, que habitavam nas ruas do centro carioca. Depois da detenção, muitos mendigos foram jogados nas águas do rio Gandu.

Pobre Brasil. A vergonha vira mérito e cacife eleitoral.

 –Wálter Fanganiello Maierovitch—

Em tempo: O colunista é independente. Nunca foi inscrito a partidos políticos e não tem predileção por nenhum deles. Não segue a pessoas, mas ideias.


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