Da Carta Capital
Marcos Coimbra
Perplexidade mongol
Vamos imaginar que um cientista político da Mongólia resolvesse fazer
uma análise da situação política do Brasil em 2011, país que mal
conhecia quando se propôs essa inusitada empreitada. Vamos imaginar que
entende o português, pelo menos o suficiente para acompanhar o que a
imprensa brasileira publicou sobre o assunto nos últimos meses.
Ao avançar na pesquisa, sua primeira reação seria de perplexidade. De
um lado, pela diferença entre o que leu em nossos grandes jornais (e
viu no noticiário dos principais -veículos de comunicação de massa) e o
que compreendeu dos sentimentos da população, a partir das pesquisas de
opinião disponíveis. De outro, pela discrepância entre o que diz a
imprensa nativa e a internacional a respeito do Brasil.
A segunda seria de incredulidade. Se o que afirmam os analistas de
nossos veículos de informação for verdade, como explicar que o governo
tenha aprovação popular tão expressiva e que a avaliação externa seja
quase unanimemente positiva? É possível que as fontes que consultam –
normalmente vinculadas aos partidos de oposição – sejam as únicas que
estão certas. Mas não é provável.
Nosso analista mongol ficaria desconfiado. O Brasil que viu nesses
jornais é incoerente com aquele que esperaria, como cientista político,
ao tomar conhecimento de alguns fatos básicos sobre o País.
Temos no poder um partido que venceu três eleições seguidas (cuja
lisura não foi questionada por ninguém), em todas apresentando, com a
clareza possível nesses casos, uma proposta de governo. E que cumpriu,
no fundamental, o que havia prometido: manter algumas coisas, inovar em
outras.
Nem Lula nem Dilma inventaram políticas de última hora, sacaram
mágicas da algibeira (como havia acontecido há não muito tempo). Não
praticaram uma política de terra arrasada para com seus antecessores ou
hostilizaram governadores e prefeitos de outros partidos.
Montaram alianças governativas amplas, tentando preservar o núcleo
estratégico da administração, mas admitindo que era necessário, nas
condições institucionais vigentes, ceder espaço aos aliados. Excessos,
quando constatados, foram punidos (às vezes, de forma mais branda que o
recomendado). Não foram eles que criaram o modelo.
É um país onde o governo tem ampla maioria no Congresso e a faz
funcionar nos momentos decisivos. (Não escaparia ao mongol que, na
última votação relevante do ano, no Senado, a respeito da “desvinculação
das receitas da União”, a chamada DRU, o governo venceu pelo placar de
52 a 13. Em sua opinião abalizada, isso seria uma legítima “maioria
operativa”.)
Estabilidade institucional, democracia em funcionamento, governo bem
avaliado, avanços na solução de problemas sociais crônicos, uma das
economias mais protegidas da crise internacional (e que continua a
crescer apoiada em forças autóctones). Com tudo isso, qual é o “grande
problema” do Brasil? Por que é tão difícil às nossas oposições – na
política e na mídia – entender a razão de não termos “indignados”?
Podemos olhar o que aconteceu em 2011 de duas maneiras: pensando no
que é chamado, em inglês, big picture – procurando identificar as coisas
realmente importantes – ou prestando atenção no vaivém do cotidiano.
Que também é relevante, mas de maneira diferente.
As “crises no ministério”, as “denúncias de irregularidades”, as
“desavenças na base do governo”, os “atrasos nas obras do PAC”, os
“aeroportos lotados”, tudo isso existe, é preocupante e exige remédios. Mas não muda o “quadro geral”, a “visão do conjunto”.
Na política (como sabe o mongol), é preciso ganhar eleições. Quem não
consegue pode acreditar que as suas são as melhores ideias do mundo,
considerar-se o mais preparado, o mais ético, o mais predestinado, mas
não conseguirá mostrá-lo (a menos que seja dispensado de vencê-las,
chegando ao poder por outras vias).
Para o PT, as perspectivas melhoraram, com o sucesso de Dilma. É
claro que é cedo e que apenas o primeiro ano transcorreu. Mas o partido
já pode raciocinar com duas opções de candidatura para 2014. Ambas, se
tudo permanecer como está, terão chances reais de vitória. A escolha
será política e não pragmática.
Enquanto isso, indefinidas sobre o que querem dizer ao País,
divididas em correntes inconciliáveis, sem nomes nacionais (fora os
desgastados), o cenário não é bom para as oposições.
Ao concluir seu relatório, nosso amigo mongol chegaria à conclusão de
que, a tomar por 2011, o quadro geral da política brasileira aponta,
objetivamente, para um longo período de hegemonia do “lulopetismo” (para
desconsolo de alguns).
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