De Carta Capital
Por Nick Cohen
A Liga Árabe age como o representante da “comunidade internacional” na região, e não acho que “desprezível” seja uma palavra forte demais para descrever seu comportamento. O chefe de sua missão de observadores na Síria é o general Mohammad Ahmed Mustafa al-Dabi, um defensor do presidente do Sudão, Omar al-Bashir, que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio e crimes contra a humanidade em Darfur. Dabi não é apenas um seguidor. Seus adversários o acusam de responsabilidade pessoal pelos massacres em Darfur.
The Observer
O Ocidente tem o dever de intervir na SíriaPor Nick Cohen
A revolução síria é uma criança sem mãe. A “comunidade
internacional”, tão vigorosa em suas declarações de apoio aos direitos
humanos, nada faz para protegê-la. Os terroristas estatais de Assad têm
liberdade irrestrita para assassinar, estuprar e lançar bombas de pregos
contra os manifestantes, violentar e castrar crianças.
Para compreender a escala da barbárie, basta escutar Hamza Fakher, um
ativista pró-democracia que é uma das fontes mais confiáveis sobre os
crimes ocultos pelo blecaute do regime à imprensa. “A repressão é tão
severa que os detidos são amontoados em contêineres de navios e
despejados em pleno mar”, ele me disse. “A coisa está tão ruim que
inventaram uma nova forma de tortura em Alepo, na qual aquecem uma placa
de metal e forçam o detido a ficar de pé sobre ela até confessar;
imagine a carne derretida atingindo o osso antes que o detido caia sobre
a placa. É tão ruim que todos os manifestantes optaram pela resistência
armada. Eles sabem que agora se trata de sobrevivência, não mais de
liberdade. É preciso salientar isto: os sírios hoje estão lutando por
suas vidas, e não por liberdade.”
A Liga Árabe age como o representante da “comunidade internacional” na região, e não acho que “desprezível” seja uma palavra forte demais para descrever seu comportamento. O chefe de sua missão de observadores na Síria é o general Mohammad Ahmed Mustafa al-Dabi, um defensor do presidente do Sudão, Omar al-Bashir, que é procurado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio e crimes contra a humanidade em Darfur. Dabi não é apenas um seguidor. Seus adversários o acusam de responsabilidade pessoal pelos massacres em Darfur.
Sua missão na Síria preencheu todas as baixas expectativas. Dabi tem o
dom de produzir fantasias reconfortantes. Ele conseguiu transformar a
cidade torturada de Homs, onde milícias de Assad vêm cometendo um
massacre por conta própria contra os muçulmanos sunitas, em uma aldeia
de Potemkin. Em uma cena digna do teatro do absurdo, Dabi contou à
agência Reuters que não viu “nada assustador” em Homs, apesar de seus
monitores não conseguirem entrar em um bairro cujos moradores
acreditavam que agentes do Estado mantinham prisioneiros porque os tiros
ecoavam pelo ar.
Ignorar o som dos disparos resume a reação do mundo às atrocidades
cometidas na Síria atualmente. Como ocorre com frequência, os líderes
que disseram “nunca mais” depois do último genocídio nada fazem para
evitar o próximo. Mas talvez sua indiferença não dure muito. A
ferocidade da violência do regime forçou o Conselho Nacional Sírio,
grupo que reúne a maior parte da oposição e pedia a desobediência civil e
a resistência passiva, a suplicar ajuda externa. Como me disse o
dissidente sírio Ammar Abdulhamid, “na luta de tanques contra peitos
nus, as probabilidades não são exatamente iguais e a coragem só pode
levá-lo até certo ponto”. A versão síria da “rua árabe” de que tanto
ouvimos falar hoje quer aviões da Otan nos céus.
A Turquia deixou de ser aliada de Assad para ser sua inimiga, e está
falando em mudança de regime. O ministro das Relações Exteriores francês
pediu que tropas da Otan protejam os trabalhadores da ajuda. Líderes da
oposição síria discretamente tentam convencer simpatizantes no governo
Obama a apoiar a revolução.
Os motivos das potências estrangeiras não são totalmente
humanitários. A razão disso é melhor explicada por Michael Weiss, um
homem notável que vale uma coluna só para ele. É um intelectual de Nova
York combativo e muito falante, que despreza os totalitaristas e seus
defensores, quaisquer que sejam suas formas. De algum modo ele acabou
nos escritórios em Londres da Sociedade Henry Jackson. O grupo de
pensadores democráticos faz um trabalho sério, mas mesmo seus melhores
amigos diriam que nem sempre está na linha de frente do debate político
global.
Desse ponto recuado, Weiss compilou um relatório
(http://www.henryjacksonsociety.org/content.asp?pageid=35) sobre como o
poderio aéreo americano, britânico e francês poderia se combinar com
forças de terra turcas para criar um abrigo seguro no norte da Síria,
onde as milhares de tropas do exército sírio poderiam reunir uma força
de combate. As autoridades da Otan o estudaram, enquanto Burhan
Ghalioun, o presidente do Conselho Nacional Sírio, descreveu o relatório
como um “recurso crucial para se compreender como uma intervenção
humanitária na Síria ainda pode ser efetuada com responsabilidade”.
Quando perguntei por que um mundo em dificuldades deveria se incomodar
para ajudar os sírios, Weiss citou “Filho da Europa”, de Czeslaw Milosz,
uma das maiores sátiras da era fascista e comunista. Os defensores da
ditadura, diz Milosz, devem:
“Aprender a prever um incêndio com extrema precisão
E então queimar a casa para cumprir a previsão.”
As conversas inócuas sobre o Oriente Médio ser um “mundo árabe”
unificado ou parte de um “mundo muçulmano” unificado ignoram as
verdadeiras divisões. A região é uma confusão de interesses étnicos e
sectários concorrentes. Na Síria, eles se combinaram para produzir um
Estado de segregação, no qual a minoria xiita alauíta de Assad controla a
polícia, o exército e os órgãos de inteligência. As primeiras semanas
da revolução foram alegremente antissectárias, enquanto o Conselho
Nacional Sírio se recusou a ser uma arma para a maioria sunita
vingativa.
Para vencer a oposição e sobreviver, Assad tem de jogar o equivalente
à carta da raça. Ele precisa conquistar o apoio de sua tribo dizendo às
minorias alauíta e cristã que precisam se unir atrás dele ou enfrentar o
extermínio. Para garantir que sua previsão se realize, ele queima a
casa, só para ter certeza. Ele organiza a limpeza sectária dos bairros
sunitas e tenta transformar sua aposta desesperada de se manter no poder
em uma guerra civil sunita-xiita.
Como na guerra civil espanhola, quando a Grã-Bretanha e a França
pregavam a não intervenção enquanto Hitler e Mussolini enviavam armas e
homens para ajudar os fascistas de Franco, a “comunidade internacional”
nada faz na Síria hoje enquanto o Irã e o Hezbollah despejam tropas
xiitas para assassinar os civis. Ao contrário da propaganda estatal
síria, os terroristas sunitas da Al Qaeda não estão na Síria para
combater o regime ainda. Mas não imagino que eles fiquem de fora por
muito tempo.
A intervenção para conter uma guerra regional encerra vastos riscos.
Mas deveríamos ser honestos sobre as consequências de consentir com
Assad. Um Estado falido e ninho do terrorismo se situará na borda do
Mediterrâneo. Mercenários estrangeiros e paramilitares alauítas
continuarão massacrando uma população amplamente indefesa e o conflito
poderá se espalhar para o Iraque, Israel, Turquia e Jordânia. As
notícias que escapam ao controle dos censores sírios nos lembram todos
os dias: os que dizem que não devemos fazer nada também têm sangue nas
mãos.
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