De Campos & Bravo
Inclusão na escola, um relato pessoal
Fonte: Jornal da Ciência - Maria Gabriela Menezes de Oliveira*
Será que estou
redescobrindo a roda? Quanto mais o Enem se fortalece como instrumento
de avaliação e como meio de ingresso no ensino superior, menos vagas
sobram para as crianças com necessidades especiais no ensino médio
regular e no final do ensino fundamental.
Essa convicção se
apoia na lógica e na sensibilidade de mãe de um adolescente de 16 anos
com necessidades especiais que, como muitas outras, peregrina por
escolas privadas em busca de quem aceite o seu filho.
Não tenho
problemas com o Enem como exame: a adesão é voluntária, como foi
voluntária a opção das universidades federais em adotá-lo. Ele é o
culpado pela exclusão de crianças e adolescentes com necessidades
especiais? Não, ele é apenas mais um ingrediente no prato já bastante
indigesto da inclusão nas escolas. Vivemos em uma sociedade competitiva.
Conforme mais alunos são admitidos em boas universidades, melhor fica a
imagem da escola onde eles estudaram, fazendo com que elas aceitem
menos alunos com necessidades especiais.
Além disso, quanto
custa para o professor e a para a classe ter alguém com necessidades
especiais estudando no mesmo ambiente? Depende. Do ponto de vista
humanitário, nada. Ao contrário, os alunos ganham porque aprendem a
conviver e a respeitar o diferente.
No entanto, é verdade que o
custo depende da qualificação do professor e da escola. Meu filho, por
exemplo, tem síndrome de Asperger (transtorno do espectro autista) e
epilepsia refratária (crises epilépticas recorrentes). Ele exige, assim,
o esforço e o trabalho conjunto de vários profissionais.
Quando
entro em contato com as escolas, sempre pergunto primeiro se há vaga
para o ano em que meu filho está. Respondem que sim. Então completo:
"ele é aluno de inclusão". A vaga some. Em minha peregrinação,
deparei-me com uma série de situações. Em uma delas, o dono da escola me
recebeu dizendo que não tinha condições e indicou uma escola inclusiva.
Lá, quase todos os alunos têm necessidades especiais -é, portanto, uma
escola exclusiva.
Como os psicólogos e médicos de meu filho
sugerem que ele tenha um referencial de relacionamentos sociais normais,
procurei outras escolas. Em uma delas, a coordenadora pedagógica, com a
segurança que os casos de síndrome de Down, paralisia cerebral e
autismo leve permitiam, disse que meu filho teria vaga na sua escola.
Na
véspera do inicio das aulas, porém, fui avisada de que meu filho tinha
sido rejeitado. As razões: ele sofreria bullying, não daria conta do
conteúdo e os professores não o queriam na sala de aula. Trata-se, como
se vê, de uma peneira perversa e intolerante, que só inclui os eleitos.
O
evento afetou muito meu filho, que assistiu a tudo. Ao ouvir a
referência ao bullying, ele perguntou: "Mas não serão eles os errados se
fizerem bullying comigo?" Nada ouviu como resposta. Os professores
estão capacitados para lidar com a variedade de transtornos do
desenvolvimento que existe? Definitivamente não!
No currículo
dos cursos de licenciatura em pedagogia, existe a disciplina de educação
inclusiva. Mas só isso basta para um professor enfrentar uma sala com
alunos de inclusão? Não -embora seja louvável a existência da disciplina
de Libras (Língua Brasileira de Sinais), obrigatória na formação dos
professores.
Como fazer então valer um preceito constitucional?
Não sei, sou apenas uma mãe. No entanto, convido ao debate os
profissionais da área da educação, da saúde, do direito, do governo, e
nós, pais e mães.
É preciso que todos juntos busquemos meios
para que os direitos desses nossos pequenos cidadãos serem respeitados
agora, enquanto estão em formação, para que eles possam exercer a plena
cidadania quando adultos.
Enfim matriculei meu filho em uma
escola de muitos alunos, com e sem necessidades especiais. Não sei se,
por lá, ela vai conseguir evoluir até o limite de sua capacidade. Mas
ele foi acolhido por todos. É disso que uma criança vítima de rejeição
crônica também precisa para ser feliz -embora a permanência na escola
seja uma outra questão.
*É bióloga com doutorado em psicobiologia
pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é neurocientista e
professora da mesma universidade.
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=81762
Sou defensora da inclusão e trabalho todos os dias para que um dia eu nem precise mais usar esta palavra, pq todos seremos iguais de fato. Eu quero acreditar que estamos andando para a frente, mesmo com tantas notícias difíceis de ouvir.
ResponderExcluirNa minha cidade, até três anos atrás, falávamos de inclusão apenas em casos raríssimos. Hoje, o debate está em pauta e tem muita gente fazendo (obrigando) acontecer. Mas, sei q tem muita gente contra, inclusive grandes interessados como os pais. Acredite! Há pais que querem a todo o custo manter Classes e escolas exclusivas.
É realmente uma luta injusta, mas com vitória certa!
Parabéns por sua coragem!
Olá, minha cara!!!
ExcluirRealmente os desafios são enormes quando falamos de inclusão de crianças com deficiência. Os preconceitos e barreiras ainda são enormes. Mas tens razão quando dizes que "estamos andando para a frente...". Muito já foi conquistado e todos os dias o desafio é conquistar um pouco mais. Seu trabalho e de tantas outras e outros que tem na inclusão sua bandeira, são a certeza de que essa realidade está em rápida mudança. Parabéns a você pela luta!!!