Pedro Estevam Serrano
Mídia e mensalão
A busca do linchamento
A
cidadania brasileira carece de cautela na formulação de juízos a
respeito do chamado caso do mensalão a partir de fatos noticiados pela
mídia comercial. O que se observa é um comportamento não saudável em
termos dos valores democráticos que devem nortear a atividade midiática.
Notícias editorializadas, fatos distorcidos por exagerada proporção ou
pelo uso de adjetivos de opinião intuitiva como se fossem substantivos
fáticos.
O uso, por exemplo, de expressões como “esquema” para definir atos
comerciais correntes espanta a quem tem juízo critico e mínimo
conhecimento do mundo negocial e jurídico, pelo evidente pré-julgamento
que induz, procurando conformar uma opinião geral por manipulações um
tanto grosseiras.
Até que a integral documentação do processo seja efetivamente
conhecida pela comunidade especializada é difícil formular uma posição
pela inocência ou não dos réus. Apenas a verificação detalhada e
rigorosa do que consta dos autos pode auxiliar a formação de um juízo
cidadão critico que acompanhe a decisão do processo pelo STF, apontando
nela eventuais acertos ou desatinos
Condenar os réus “a priori” é tão equivocado quanto inocentá-los.
Ocorre que os órgãos midiáticos, que deveriam manter um mínimo de
distancia crítica para preservar seu papel social mais relevante, tem
demonstrado querer produzir um determinado julgamento – de condenação –
ao invés de apenas relatá-lo e criticá-lo.
O Partido dos Trabalhadores quitou, após alguns anos pagando as
respectivas prestações, um dos principais empréstimos relacionados ao
caso, o do Banco Rural.
Tal fato foi noticiado por réus do caso, então dirigentes do partido,
com o evidente intuito de demonstrar que tratou-se o contrato de avença
negocial comum e não de forma de maquiagem de um “esquema” de quadrilha
e corrupção como alega o Procurador Geral da Republica em sua denúncia.
Se tal contrato é forma de maquiar esquema de corrupção de deputados é
alegação que incumbe a quem acusa provar. O que se tem visto no âmbito
midiático são alegações sem qualquer prova no tocante ao tema.
O que surpreende é que a notícia do pagamento é dada em muitos
veículos com evidente juízo subliminar, como se tal pagamento tivesse
evidente intuito fraudatório. Adotam-se as alegações de acusação como
fatos incontestes no correr das notícias. Anuncia-se a noticia do
pagamento do contrato como “quitação do esquema do mensalão” como se a
existência de tal esquema fosse fato incontroverso nos autos e mesmo na
realidade do que a própria mídia apurou até o presente.
Há poucas semanas vimos a ampla polêmica travada em torno da questão da eventual prescrição de alguns crimes imputados.
A hipótese foi de plano aventada já como produto da conduta dos réus e
seus advogados. Reproduziu-se algo muito forte no imaginário popular
com relação a casos desta espécie: advogados regiamente pagos procuram
delongar o processo pela pratica de atos de defesa de forma a levar os
crimes à prescrição.
Se é verdade que em alguns casos a conduta da defesa pode auxiliar a
prescrição de crimes imputados, por outro há que se observar que no mais
das vezes a ocorrência da prescrição se dá por outros fatores mais
complexos e não conhecidos da opinião publica.
Ao noticiar a hipótese os órgãos midiáticos se esqueceram de
rememorar que, por exemplo, o ex-ministro José Dirceu, apontado como
chefe da suposta “quadrilha”, tem constantemente insistido que deseja
ser julgado logo, de pronto.
O mais relevante é que se esqueceram de aventar o fato de que a
decisão adotada anteriormente pelo STF de julgar 40 réus em um único
processo dificulta e torna absurdamente morosa a apuração, por maiores
que sejam os esforços da Corte em sentido contrário.
Além do fato de que tal decisão, distinta totalmente de determinações
da própria corte em processos análogos, dificulta imensamente a
individualização das condutas, não favorece o isenção técnica do juízo e
forma o tablado para o espetáculo em detrimento de valores fundamentais
de nossa Constituição. Quarenta réus julgados num único processo
agregam em espetáculo, mas desfavorecem a Justiça da decisão e a
eficiência da apuração.
Por último, deve-se destacar a atuação despudorada de alguns veículos
em querer às abertas interferir na participação de juízes no
julgamento, procurando levá-los ao impedimento de sua participação. O
desconforto que tal posição busca causar é evidente: ou o julgador, “a
priori” e sem ter em conta o processo, julga pela condenação dos réus ou
se considera impedido de participar – caso contrário será, certamente,
acusado de formular um juízo pautado em seus interesses particularistas e
não na adequada aplicação da ordem jurídica a luz do que consta no
processo.
O que vai se evidenciando é que qualquer fato relativo ao processo do
mensalão vem sendo tratado pela maioria dos veículos de forma a
manipular a opinião pública, sem qualquer preocupação com o que consta
dos autos e com a realização de um juízo imparcial e justo.
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