sexta-feira, 16 de março de 2012

Educação dos EUA x Finlândia - E a opção brasileira? (2)

Do VioMundo

por Diane Ravitch, no New York Review of Books


Tradução: Viomundo

Encontrei Pasi Sahlberg em dezembro de 2010. Eu fazia parte da dezena de educadores convidados para visitar a casa do cônsul finlandês em Nova York para saber mais sobre o sistema educacional do país um dia depois do anúncio dos resultados de testes internacionais. De novo, a Finlândia estava no topo das nações, como tem estado na última década. Sahlberg assegurou aos convidados que os educadores finlandeses não se preocupavam com os resultados dos testes-padrão e davam boas vindas aos resultados internacionais apenas porque estes resultados protegiam as escolas finlandesas contra os conservadores que exigem testes e resultados.

Os professores finlandeses, disse Sahlberg, são bem educados, bem preparados e altamente respeitados. Recebem o mesmo que os professores dos Estados Unidos em relação a outros profissionais com diplomas universitários, mas professores finlandeses com quinze anos de experiência em sala de aula recebem mais que seus colegas norte-americanos. Perguntei a Sahlberg como era possível cobrar resultado de professores e escolas se não havia testes padronizados. Ele respondeu que os educadores finlandeses preferem falar em responsabilidade, não em obrigações. Ele disse, “nossos professores são muito responsáveis; são profissionais”. Quando perguntado sobre o que acontece com professores incompetentes, Sahlberg insistiu que eles nunca conseguiriam emprego; uma vez professores qualificados conseguem o emprego, é muito difícil demití-los. Quando perguntado como seria a reação de professores finlandeses se fossem julgados a partir do resultado dos testes aplicados em seus estudantes, ele respondeu “deixariam as escolas e não voltariam ao trabalho enquanto as autoridades não abandonassem essa ideia maluca”.

Sahlberg me convidou para ir à Finlândia e visitar várias escolas, o que eu eventualmente fiz em setembro de 2011. Com Sahlberg como meu guia, eu visitei escolas bem iluminadas e alegres, onde estudantes estavam engajados na aprendizagem de música, teatro, drama e estudos acadêmicos, com intervalos de 15 minutos entre as aulas. Conversei longamente com professores e diretores em saguões amplos e confortáveis. Livres da obsessão com os testes que agora consome a maior parte do dia nas escolas norte-americanas, a equipe tem tempo para discutir e planejar o programa educacional.

Antes que eu deixasse a Finlândia, Sahlberg me deu o livro chamado A melhor escola do mundo: Sete exemplos finlandeses para o século 21 [The Best School in the World: Seven Finnish Examples from the 21st Century], sobre a arquitetura de escolas finlandesas. O livro é baseado em uma exposição apresentada na Bienal de Veneza de Arquitetura de 2010. Quando visitamos uma das escolas que aparecem no livro, eu pensei, como é gostoso descobrir uma nação que se preocupa apaixonadamente com o ambiente físico no qual as crianças aprendem e os adultos trabalham.

Nisso, a Finlândia é uma nação distinta. As escolas são cuidadosamente desenhadas para considerar as necessidades acadêmicas, sociais, emocionais e físicas das crianças, começando bem cedo. Os programas pré-escolares não são obrigatórios, mas abrigam 98% das crianças do país. A educação obrigatória começa aos 7 anos de idade. Os educadores finlandeses cuidam para não deixar as crianças para trás e evitam rotulá-las como repetentes, já que estas ações provocam fracasso, diminuem a motivação e aumentam a desigualdade social. Depois de nove anos de um currículo amplo, nos quais não há julgamento por habilidade, os estudantes finlandeses escolhem se querem uma escola secundária acadêmica ou vocacional. Cerca de 42% escolhem a segunda opção. A taxa de conclusão é de 93%, comparada com cerca de 80% nos Estados Unidos.

O programa de preparação de professores da Finlândia está no centro da estratégia de reforma do sistema escolar. Somente oito universidades podem formar professores e a entrada nos programas de elite da formação de professores é altamente competitivo: só um em dez candidatos é aceito. Não há formas alternativas de receber uma licença para lecionar. Os aceitos obrigatoriamente passaram por treinamento em física, química, filosofia, música e pelo menos dois idiomas durante sua vida escolar. Os futuros professores passam por três anos de educação acadêmica e em seguida fazem um programa de mestrado de dois anos. Os professores de determinadas disciplinas precisam fazer mestrado naquelas disciplinas que vão lecionar, não — como acontece nos Estados Unidos — em pedagogia ou em escolas especiais que ensinam a lecionar. Todo candidato se prepara para ensinar a todos os tipos de estudantes, inclusive com necessidades especiais e outras. Todo professor precisa ter as duas formações, os três anos de faculdade e os dois de mestrado.

Como a admissão é difícil e o treinamento é rigoroso, lecionar é uma profissão de respeito e prestígio na Finlândia. O processo é tão seletivo e exigente que virtualmente todos os professores são bem preparados. Sahlberg escreveu que os professores abraçam a profissão com um sentido de missão e as únicas razões pelas quais abandonariam a carreira é “se perderem sua autonomia profissional” ou se “pagamento baseado numa política de mérito [ligado a resultados de testes] fosse imposto”. Enquanto isso, os Estados Unidos agora fazem aos professores do país o que os professores finlandeses achariam profissionalmente repreensível: julgar o valor dos professores pelos resultados de testes aplicados em estudantes.

O currículo nacional da Finlândia em artes e ciências descreve o que deve ser apreendido mas não prescreve detalhes sobre o que exatamente o professor deve ensinar, nem como. O currículo requer o ensino de um idioma nacional (finlandês ou sueco), matemática, idiomas estrangeiros, história, biologia, ciência ambiental, religião, ética, geografia, química, física, música, artes visuais, artesanato, educação física, saúde e outros estudos.

Os professores têm grande liberdade em cada escola para decidir o que ensinar, como ensinar e como avaliar o progresso dos pupilos. Os educadores finlandeses concordam que “toda criança tem o direito de receber apoio personalizado dado desde cedo por profissionais treinados, como parte de sua educação”. Sahlberg estima que 50% dos estudantes recebem algum tipo de atenção de especialistas nos primeiros anos de escola. Os professores e diretores frequentemente discutem juntos as necessidades dos estudantes e da escola. Como resultado desta política, Sahlberg escreve, “a maioria dos visitantes à Finlândia descobre prédios elegantes repletos de crianças calmas e de professores altamente preparados. Também reconhecem a grande autonomia de cada escola: pouca interferência da administração central da educação no dia-a-dia da escola, métodos sistemáticos para enfrentar os problemas do dia-a-dia dos estudantes e ajuda profissional focada nos que precisam dela”.

As crianças da Finlândia têm importantes vantagens sobre as crianças norte-americanas. A nação tem uma forte rede de seguridade social, paga com altos impostos. Mais de 20% de nossas crianças vivem na pobreza, enquanto menos de 4% das crianças finlandesas enfrentam o mesmo problema. Muitas crianças nos Estados Unidos não têm acesso a cuidados médicos regulares, mas todas as crianças finlandesas recebem serviços médicos completos e almoço grátis todos os dois. As universidades finlandesas são gratuitas.

Sahlberg reconhece que a Finlândia ficou de fora do que ele designou como “Movimento Global para a Reforma da Educação”, que ele definiu com propriedade usando a sigla GERM [de Global Education Reform Movement, germe em inglês]. O GERM, ele nota, é um vírus que infectou não apenas os Estados Unidos, mas o Reino Unido, Austrália e muitas outras nações. O programa No Child Left Behind do presidente George W. Bush e o programa Race to the Top, do presidente Barack Obama, são exemplos do movimento de reforma global. Ambos promovem testes-padrão como a medida mais adequada para avaliar o sucesso de estudantes, professores e escolas; privatização, na forma de transferência de escolas para gerenciamento privado; currículos-padrão; e cobrança baseada em resultados de testes, com o pagamento por mérito de professores, fechamento de escolas com resultados ruins e demissão de educadores cujos alunos tiverem notas baixas.

Em contraste, o objetivo central da educação finlandesa é o desenvolvimento de cada criança como uma pessoa pensante, ativa e criativa não obrigada a atingir resultados altos nos testes; a estratégia primária da educação finlandesa é a cooperação, não a competição. Vou avaliar a organização Teach for America — que aparece no livro A Chance to Make History, de Wendy Kopp — em comparação com o modelo finlandês em um segundo artigo.


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