Um novo movimento popular começa pequeno mas agitando as estruturas que tentam nos fazer esquecer o passado. Duas notas abaixo sobre o Levante Popular da Juventude.
Às vésperas de mais um aniversário do golpe de Estado que mergulhou o
Brasil em uma ditadura militar de 20 anos, um novo movimento chega às
ruas do país, nesta segunda-feira, com o objetivo de promover a denúncia
dos acusados de cometer tortura contra prisioneiros políticos durante o
período ditatorial. O Levante Popular da Juventude (LPJ)
realizou, nesta manhã, em várias capitais brasileiras, “ações
simultâneas de denúncia de diversos torturadores, que continuam
impunes”, afirma o manifesto liberado junto com o ato político.
Os ativistas apoiam a Comissão da Verdade e exigem a apuração e a
punição sobre os crimes cometidos pela ditadura militar. O caráter das
ações, conhecida como “escracho”, baseia-se em ações similares as que
acontecem na Argentina e no Chile, em que jovens fazem atos de denuncias
e revelações dos torturadores que continuam soltos e sem julgamento
sobre suas ações durante a ditadura militar.
Em Belo Horizonte, às 6h da manhã, cerca de 70 pessoas realizaram um
“escracho” em frente a casa do acusado Ariovaldo da Hora e Silva, no
bairro da Graça, uma área residencial da capital mineira. A manifestação
contou com faixas, cartazes e tambores, além da distribuição de cópias
de documentos oficiais do DOPS, contendo relatos das sessões de tortura
com a participação do acusado, “para conscientizar a população vizinha
ao criminoso”, disse um porta-voz do movimento. Os vizinhos se mostraram
surpresos com o fato do Ariovaldo ter sido torturador do Regime
Militar.
– Não sabia que o Seu Ari era um torturador. Tenho na família um
caso de perseguido pela ditadura e vou divulgar isso – afirmou um
morador da região.
O denunciado permaneceu em casa ouvindo e assistindo a manifestação, tendo aparecido na janela por alguns segundos.
Quem é quem
Ariovaldo da Hora e Silva foi investigador da Polícia Federal, lotado
na Delegacia de Vigilância Social como escrivão. Delegado da Polícia
Civil durante a ditadura, exerceu atividades no Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS) entre 1969 e 1971, em Minas Gerais. O nome de
Ariovaldo da Hora e Silva consta na obra Brasil Nunca Mais (Projeto A), acusado de envolvimento com a morte de João Lucas Alves e de ter praticado tortura contra presos políticos.
“Foram vítimas dele Jaime de Almeida, Afonso Celso Lana Leite e Nilo
Sérgio Menezes Macedo, entre outros. Na primeira comissão constituída
para tratar do recolhimento dos documentos do DOPS ao Arquivo Público
Mineiro (APM), em 1991, ele foi designado para representar a Secretaria
da Segurança Pública do Estado de Minas Gerais (SESP). Em 1998, foi
Coordenador de Informações da Coordenação Geral de Segurança (COSEG)”,
relata o texto distribuído nesta manhã.
Já o Levante Popular da Juventude é um “movimento social organizado
por jovens que visa contribuir para a criação de um projeto popular para
o Brasil, construído pelo povo e para o povo”, acrescenta o texto. O
LPJ, segundo seus ativistas, não é ligado a partidos políticos: “Com
caráter nacional, tem atuação em todos os Estados do país, no meio
urbano e no campo. Se propõe a articular jovens, militantes de outros
movimentos ou não, interessados em discutir as questões sociais e
colaborar para a organização popular. Tem como objetivo propiciar que a
juventude tome consciência da sua história e da realidade à sua volta
para transformá-la”.
Um dos propósitos do LPJ é o de organizar a juventude para fazer
denúncias à sociedade, por meio de ações de Agitação e Propaganda. “Não
há bandeiras previamente definidas. A luta política se dá pelas pautas
escolhidas pelos próprios militantes, que realizam atividades de estudo e
debates, sistematicamente, por todo o país”, continuou.
Manifesto
Os rebelados do Levante também divulgaram, logo após as ações desta
manhã, um manifesto no qual situam o objetivo da luta iniciada com o
‘escracho’ ao acusado de torturar presos políticos no país. Leia, na
íntegra o Manifesto Levante Contra Tortura:
Mas ninguém se rendeu ao sono.
Todos sabem (e isso nos deixa vivos):
a noite que abriga os carrascos,
abriga também os rebelados.
Em algum lugar, não sei onde,
numa casa de subúrbios,
no porão de alguma fábrica
se traçam planos de revolta.
Todos sabem (e isso nos deixa vivos):
a noite que abriga os carrascos,
abriga também os rebelados.
Em algum lugar, não sei onde,
numa casa de subúrbios,
no porão de alguma fábrica
se traçam planos de revolta.
Pedro Tierra
Saímos às ruas hoje para resgatar a história do nosso povo e do
nosso país. Lembramos da parte talvez mais sombria da história do
Brasil, e que parece ser
propositadamente esquecida: a Ditadura Militar. Um período onde jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar. Foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.
propositadamente esquecida: a Ditadura Militar. Um período onde jovens como nós, mulheres, homens, trabalhadores, estudantes, foram proibidos de lutar por uma vida melhor, foram proibidos de sonhar. Foram esmagados por uma ditadura que cruelmente perseguiu, prendeu, torturou e exterminou toda uma geração que ousou se levantar.
Não deixaremos que a história seja omitida, apaziguada ou
relativizada por quem quer que seja. A história dos que foram
assassinados e torturados porque acreditavam ser possível construir uma
sociedade mais justa é também a nossa história. Nós somos seu povo. A
mesma força que matou e torturou durante a ditadura hoje mata e tortura a
juventude negra e pobre. Não aceitamos que nos torturem, que nos
silenciem, nem que enterrem nossa memória. Não esqueceremos de toda a
barbárie cometida.
Temos a disposição de contar a história dos que caíram e é
necessário expor e julgar aqueles que torturaram e assassinaram nosso
povo e nossos sonhos. Torturadores e apoiadores da ditadura militar:
vocês não foram absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas
vidas como se nada tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que
resta são silêncio, saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós
acreditamos na justiça e não temos medo de denunciar os verdadeiros
responsáveis por tanta dor e sofrimento.
Convidamos a juventude e toda a sociedade para se posicionar em
defesa da Comissão Nacional da Verdade e contra os torturadores, que
hoje denunciamos e que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a
liberdade do povo. Até que todos os torturadores sejam julgados, não
esqueceremos, nem descansaremos.
Pela memória, verdade e justiça!
Levante Popular da Juventude
David dos Santos Araújo, o Capitão “Lisboa”, é acusado de ter sido torturador durante a ditadura militar (1964-1985). O movimento Levante Popular apóia a Comissão da Verdade - aprovada e ainda não instalada -, realiza ações simultâneas em várias capitais do país de denúncia de diversos torturadores que continuam impunes, e exige a apuração e a punição dos crimes cometidos durante o regime de exceção.
Os “atos de escracho” se baseiam em ações similares à implementadas na Argentina e no Chile, nas quais jovens denunciam e revelam torturadores que continuam soltos e sem julgamento de suas ações. Araújo é delegado da Polícia Civil aposentado e, nas ações de repressão no Departamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-Codi) utilizava o nome de “Capitão Lisboa”.
No “Manifesto levante contra tortura”, os jovens do Levante Popular cobram o julgamento dos que cometeram crime durante a ditadura e seguem impunes. Eles concluem o documento convidando toda a sociedade a “se posicionar em defesa da Comissão Nacional da Verdade e contra os torturadores, que hoje denunciamos, que vivem escondidos e impunes e seguem ameaçando a liberdade do povo”.
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