quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Artigo: Uma Mídia e Dois Países

Brasília Confidencial No 309

AYRTON CENTENO

Tempos atrás, Luis Fernando Veríssimo especulou sobre o que pensariam alienígenas que chegassem à Terra após uma hecatombe nuclear e só encontrassem, como vestígio da civilização anterior, uma bicicleta ergométrica. Quebrariam a cabeça tentando interpretar o mundo e a vida através daquele aparato com  pedais que não levava a lugar algum. A metáfora pode ser transportada para o Brasil de 2010.
 
Aqui, um passar de olhos pelos grandes jornais, cadeias de rádio e TV fotografa um país imerso em escândalos que pipocam como catapora e haverão de nos tragar a todos para o mais profundo dos abismos; um Estado que torra dinheiro público pilotado por um presidente rude, simplório e analfabeto, um amigo de ditadores que nos faz passar vergonha, não sabe o seu lugar e nos deslustra além-fronteiras.
 
Neste país, ler os diários é um convite ao lexotan e um perigo para a saúde dos dentes, cujo rilhar nos  remete ao bruxismo. Os escândalos ou subescândalos saltam já embalados de uma linha de montagem fordista: Gamecorp, dólares de Cuba, aloprados, tapiocagate, Farc, Lina Vieira, grampo no STF, estado  policial, dossiê da Casa Civil, CPI do MST, compra de aviões, Petrobrás, neoaloprados etc e adquirem  uma dimensão, independentemente da sua gravidade ou não, extraordinária.
 
Mas são produtos perecíveis, efêmeros na era da descartabilidade. É de sua natureza. Os mais taludos rodam uma, duas, talvez três semanas, cumprem o percurso tradicional Veja-Folha-Globo-Estadão-Rede Globo, perdem as asas e se esvaem na sua irrelevância.
 
Veio aquele da menina Mantega – que, ao menos, teve o dom de nos iluminar os olhos por alguns instantes – para infelizmente esmaecer e murchar em um par de dias. O mais recente atende por “dossiê da Previ”. Terá seus 15 minutos de ribalta antes de ser remetido ao limbo. Logo mais um virá substituí-lo.
 
Porém, há outro país ausente da mídia. Nele há progresso no campo e na cidade, perceptível nas conversas, nas estatísticas oficiais ou não, no ritmo da economia, nos levantamentos sobre produção, vendas, emprego, safras, salários, crédito, matrículas e no retorno das políticas sociais. E seu presidente rude, simplório e  analfabeto ostenta maior popularidade do que qualquer outro cidadão que já sentou na cadeira que ele ora  aquece.
 
Uma popularidade confirmada em todo o mundo, forjada através de sua capacidade de diálogo e de seu  carisma e de uma diplomacia sem genuflexão e com um protagonismo planetário inédito em cinco séculos.
 
O primeiro dos dois países é um apocalipse mental. Conforta os 5% da população que querem ser  confortados por esta ficção de horror. Resulta da amargura da mídia hegemônica da qual emana uma  contrariedade que, não raro, azeda em claro rancor. É a opinião publicada que transborda dos editoriais,  assalta as manchetes e infecciona o noticiário.
 
Uma característica marcante da opinião publicada é lixar-se para a opinião pública. Esta, que habita o  segundo país, ultimamente tem dado o troco: passou a lixar-se para a opinião publicada. E boa parte da opinião pública começa a olhar enviesado para a opinião publicada. Percebe-a como uma geringonça  bizarra, deslocada no tempo e no espaço, tão útil para quem deseja se movimentar, andar para a frente e  para o futuro, como uma bicicleta ergométrica.

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