domingo, 29 de agosto de 2010

Para Recordar: A Natureza dos Tucanos

Direto da Redação

Publicado em 19/10/2006

DA NATUREZA DOS TUCANOS

Existe uma lenda famosa do escorpião que pede ajuda ao sapo para atravessar o rio e o convence de que não irá picá-lo, pois nesse caso os dois morreriam. No meio do trajeto, o escorpião crava seu ferrão no sapo, que surpreso pergunta por que ele fez isso. Ao que o escorpião responde que é da sua natureza.

Transferindo a lógica para o universo político, a questão da privatização parece ser da natureza dos tucanos. Se não, como explicar que no momento em que seu candidato à presidência Geraldo Alckmin tenta a todo custo se livrar da pecha de privatista, tucanos de alta plumagem apareçam para falar justamente de privatização e defender até a expansão do programa levado a cabo durante os oito anos de governo do PSDB?

Ao colar em Alckmin a condição de privatista, a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu tomar a ofensiva que perdera desde o surgimento do dossiê, e o candidato da coligação PSDB-PFL passou a negar a intenção de privatizar qualquer empresa pública, afirmando que nada de semelhante consta em seu programa de governo.

Acusando o golpe, Alckmin e seus correligionários passaram a acusar o PT de “terrorismo eleitoral”, o mesmo mal de que Lula tinha sido vítima em 2002, quando os tucanos disseram que seu governo romperia contratos e seria um desastre econômico, o que levou o dólar e o risco Brasil a níveis estratosféricos.

A estratégia de Alckmin até poderia ter sido bem sucedida se não entrasse em cena a natureza dos tucanos. Em entrevista a uma emissora de rádio, mesmo ciente de toda a polêmica envolvendo o tema, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, afirmou não ser contrário à privatização da Petrobras, a maior estatal brasileira, nascida de uma campanha popular pelo monopólio do petróleo.

Fernando Henrique defendia as privatizações que fez e deve ter se entusiasmado, lançando mão do que gostaria de ter feito. Em sua gestão, houve uma tentativa de mudar o nome da Petrobras para Petrobrax, o que foi interpretado à época como primeiro passo para a provável privatização da empresa.

Ao perceber o estrago feito por sua declaração na campanha de Alckmin, Fernando Henrique emitiu uma nota alegando erro de interpretação. Disse que teria faltado “vírgula ou ponto e vírgula” para dar sentido à frase de que era contrário à privatização da Petrobras.

A natureza privatista tucana voltou a se manifestar na entrevista do ex-ministro de FHC e comandante das privatizações Luiz Carlos Mendonça de Barros, que disse ser a privatização da Petrobras um tema ainda em aberto.

Mendonça de Barros fez uma crítica sensata a Alckmin, questionando por que não defendeu as privatizações e sim buscou negá-las. Se ela foi obra dos tucanos, por que não assumi-las? O ex-ministro reafirmou certeza na venda da CSN, da Vale do Rio Doce e da Telebrás, e manifestou a natureza tucana ao dizer que a privatização da Petrobras pode ser discutida.

Alckmin, que presidiu o Programa de Desestatização de empresas paulistas durante o governo Covas e depois deu seguimento à política quando passou a governador do estado tem em seu currículo a venda do Banespa, da Fepasa (trens) , da Eletropaulo, da Comgás, da Companhia Paulista de Força e Luz e do Ceagesp (abastecimento). Também vendeu parte da Nossa Caixa e da Sabesp, companhia de saneamento.

Assim como Fernando Henrique, o dinheiro arrecadado na venda das empresas foi aplicado na dívida pública e desapareceu sem que a dívida fosse reduzida. Ao contrário, novamente como FHC, a dívida subiu de R$ 34 bilhões para R$ 123 bilhões.

Como o escorpião da lenda, Alckmin garante que não privatizará a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, o BNDES ou qualquer outra empresa estatal sobrevivente. Mas e se no meio do caminho sua natureza se manifestar?


Mair Pena Neto - Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.

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